E.Dcl. - 3425 - Sessão: 12/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, ARTUR ALEXANDRE SOUTO e GILMAR SOSSELLA opõem embargos de declaração, com pedido de atribuição de efeitos infringentes, em face do acórdão que afastou a matéria preliminar e julgou parcialmente procedente a presente ação penal, para o fim de absolver GILMAR SOSSELLA da acusação de prática do delito tipificado no art. 350 do Código Eleitoral, e condená-lo como incurso nas penas dos crimes previstos nos arts. 39, § 5º, da Lei n. 9.504/97 e 316 do Código Penal, e, igualmente, condenou ARTUR ALEXANDRE SOUTO pela prática do tipo descrito no art. 316 do Código Penal, concluindo pela inaplicabilidade da execução provisória da pena e da perda da função pública (art. 92 do Código Penal).

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL assevera a existência de omissão e de contradição na fixação da dosimetria das penas dos crimes de concussão e de realização de propaganda eleitoral no dia da eleição, por ausência de análise da incidência de crime continuado ou concurso de crimes (formal ou material), na forma dos arts. 69, 70 e 71 do CP. Aponta que o julgado também foi omisso no tocante ao exame do instituto da subsunção do tipo de falsidade ideológica eleitoral (art. 350, CE) ao delito de concussão (art. 316, CP). Ressalta não ter sido esclarecido o motivo pelo qual GILMAR SOSSELLA foi absolvido da acusação de prática de falsidade ideológica eleitoral e condenado, junto com ARTUR ALEXANDRE SOUTO, pela prática de concussão, devendo ser expressamente demonstrada a análise da tipicidade, da autoria e da materialidade do crime disposto no art. 350 do Código Eleitoral. Postula o prequestionamento explícito e o acolhimento dos aclaratórios, com atribuição de efeitos infringentes.

ARTUR ALEXANDRE SOUTO sustenta que os depoimentos citados no acórdão possuem pontos de discordância entre as afirmações prestadas perante a autoridade policial e em juízo, razão pela qual o fundamento fático do aresto não se harmonizaria com a prova dos autos. Alega que o acórdão se pautou por impressões e interpretações subjetivas das testemunhas inquiridas, tendo sido desconsiderado o julgamento do TSE sobre os mesmos fatos. Postula o prequestionamento da matéria embargada e o acolhimento do recurso para o fim de ser reformada a decisão.

GILMAR SOSSELLA suscita, preliminarmente, a tempestividade dos embargos de declaração, pois embora prevista no parágrafo único do art. 3º da Lei n. 11.419/06 a possibilidade de protocolamento de petição eletrônica até as 24h da data do prazo, o sistema deste Tribunal só aceita esta forma de peticionamento até as 19h, com base no art. 6º da Resolução TRE-RS n. 291/2017. No mérito, afirma que o acórdão foi omisso, ao deixar de se manifestar sobre os argumentos defensivos no sentido de ter a prova testemunhal demonstrado a ausência de sua participação nos fatos narrados na denúncia. Postula seja declinada a base probatória que levou à conclusão de que possuía conhecimento sobre os atos de coação, pois a decisão foi omissa quanto à alegação de inaplicabilidade da teoria do domínio funcional dos fatos no caso em apreço, incidindo em hipótese de responsabilidade penal objetiva. Assevera que a decisão incidiu em erro material e em obscuridade ao fazer menção à multa fixada no julgamento do RO n. 2650-41 pelo TSE, pois a referida sanção foi majorada naqueles autos por aplicação do art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97, tendo em vista o uso de aparelho de telefone funcional para envio de mensagens de cunho eleitoral, e não por abuso de poder na oferta de convites para jantar. Requer o acolhimento do recurso com efeitos modificativos, com sua absolvição.

É o relatório.

VOTO

Preliminarmente, consigno que estou considerando regulares e tempestivos todos os embargos declaratórios opostos nos autos.

De fato, assiste razão ao embargante Gilmar Sossella ao invocar a previsão contida na Lei n. 11.419/06, segundo a qual o peticionamento eletrônico pode ser realizado até as 24h do último dia do prazo:

Art. 3º Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico.

Parágrafo único. Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia.

Ao regulamentar o tema, este Tribunal editou a Resolução n. 291/17, restringindo o peticionamento somente até o horário de expediente do Tribunal, conforme seu art. 6º, redação que aparentemente tende a restringir o direito do jurisdicionado. Além disso, o parágrafo único do referido dispositivo regulamentar permite que o magistrado decida sobre o processamento da petição:

Art. 6º Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas, excetuando-se disposições legais específicas, aquelas transmitidas dentro do horário de expediente do Cartório peticionado ou do Tribunal, conforme o caso.

Parágrafo único. Nos casos em que a transmissão seja realizada após o encerramento do expediente das unidades definidas no caput, será considerado o horário de seu efetivo recebimento pelo sistema, desde que a petição tenha chegado completa e sem interrupção, ficando seu processamento a critério do magistrado do feito.

Com essas considerações, conheço dos declaratórios.

 

No mérito, os vícios apontados pelos embargantes não se verificam.

Nos embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a acusação pretende o aumento da pena aplicada aos réus, alegando omissão e contradição quanto ao reconhecimento de concurso de crimes ou de continuidade delitiva, conforme dispõem os arts. 69, 70 e 71 do CP.

No entanto, a denúncia não capitula, em momento algum, os dispositivos legais citados; não houve pedido da acusação nesse sentido, nem foram fornecidos, com suficiente clareza, os elementos necessários para que o Tribunal pudesse se debruçar sobre o tema.

Como se sabe, o reconhecimento da continuidade delitiva ou do concurso de crimes não dispensa a acusação individualizada dos fatos na denúncia, inclusive para permitir a defesa de cada um deles, de forma isolada. Assim, essa ficção jurídica não pode ser reconhecida se não foi imputada aos agentes na inicial acusatória.

Tratando-se de imputação de condutas ou circunstâncias elementares, não contidas na denúncia, deveria ter sido invocado o instituto da mutatio libeli, cujo acolhimento pelo magistrado exige a estrita observância das disposições legais pertinentes, sob pena de afronta ao princípio da correlação, do contraditório e da ampla defesa.

Se os requisitos para o reconhecimento de exasperação da pena, na forma ora pleiteada, não foram explorados pelo órgão ministerial na inicial acusatória, ou mesmo em sede de alegações finais, evidencia-se a ausência de qualquer omissão no julgado. De igual modo, se a acusação não requereu o reconhecimento de pluralidade de ações, inexiste a aventada contradição.

Não desconheço o posicionamento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica delineada na denúncia. Entretanto, diante das circunstâncias específicas do caso concreto, em que não houve menção ao tema durante a tramitação da ação penal, tem-se que a defesa não pode ser surpreendida com reconhecimento de causa de aumento de pena sobre a qual não teve oportunidade de se manifestar.

Dessa forma, tendo em conta que a questão tem patente repercussão na dosimetria da pena, seu reconhecimento violaria o princípio da correlação e a regra do art. 384 do CPP, devendo ser considerado como correto o reconhecimento somente dos tipos penais descritos na denúncia, na forma capitulada pelo órgão acusatório.

A jurisprudência é nesse sentido:

STJ: “Processo Penal. Mutatio libeli. É nula a sentença que condena o acusado por crime não descrito na denúncia, sem oferecer-lhe oportunidade para manifestar-se, na forma do art. 384 do Código de Processo Penal” (RSTJ 99/387).

STF: “Habeas corpus. Desclassificação do crime de tentativa de homicídio para lesões corporais. Sentença do juiz singular, que acolheu a qualificadora do art. 129, § 1º, III, ´c´, que não constou na denúncia. Acórdão que a confirmou. Anulação de ambos. Mudança do libelo acusatório. Cumpra-se o parágrafo único do art. 384 do CPP. Ordem deferida”. (RJTJERGS 189/31).

O órgão ministerial também sustenta que o acórdão foi omisso quanto aos critérios que ampararam a absolvição de Gilmar Sossella da acusação de prática do crime de falsidade ideológica eleitoral, previsto no art. 350 do Código Eleitoral, e no tocante ao pronunciamento sobre a incidência de subsunção entre esse tipo e o de concussão, estabelecido no art. 316, CP.

Porém, a decisão pela improcedência da acusação quanto a esse delito foi tomada pelo Tribunal de forma unânime, nos termos do voto deste relator, não havendo divergência nesse ponto.

O fato de o Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz e o Desembargador Luciano André Losekann terem acompanhado o voto condutor, consignando o entendimento de que o delito do art. 350, CE, estaria subsumido no crime de concussão, em nada altera a conclusão do julgado e nem dá azo ao manejo de embargos por existência de omissão, pois ambos foram literais ao afirmar que acompanhavam o relator na conclusão pela absolvição.

É dizer: ainda que os demais desembargadores tenham tecido outras informações nos votos prolatados, o que interessa é que concluíram por acompanhar o voto proferido pelo relator, ainda que por fundamento diverso.

Na hipótese, prevalece a dicção do art. 504 do CPC, segundo a qual não fazem coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença (inc.I), e a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença (inc.II). Além disso, nos termos do art. 941 do CPC, proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.

Assim, o Ministério Público Eleitoral deve valer-se dos fundamentos delineados por este relator, pois o voto foi unânime nesse ponto, que concluiu pela atipicidade da conduta por ausência de provas do elemento subjetivo do tipo, nos seguintes termos:

No entanto, no que tange ao delito de falsidade ideológica eleitoral, o elemento subjetivo do tipo, relativo ao dolo específico concernente à vontade consciente dirigida à falsificação de documento para obter vantagens eleitorais, não restou comprovado.

(…)

 Assim, não há como presumir que o réu conhecia quem exatamente realizou a compra dos ingressos de forma não espontânea, e muito menos que intencionalmente declarou eventual doação na prestação de contas com o intuito de inserir dados falsos para atentar contra a fé pública eleitoral.

Com essas considerações, devido à ausência de provas do elemento subjetivo necessário à caracterização do delito, impõe-se a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

Nesses termos, os declaratórios apresentados pela acusação comportam acolhimento tão somente quanto ao pedido de prequestionamento da matéria embargada, o qual defiro.

Contudo, há necessidade de ser corrigido erro material no acórdão, relativo ao enquadramento da referida hipótese de absolvição no inc. III do art. 386 do CPP, e não no inc. VII do referido dispositivo legal, como constou no acórdão.

A ausência do elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade livre e consciente do recorrente de realizar a conduta descrita na norma penal, reclama a absolvição prevista no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal, tendo em vista que, para que haja a incidência da norma incriminadora do art. 350 do Código Eleitoral, é preciso ser demonstrado que o agir do agente estava subjetivamente voltado a falsificar documento para obter vantagens eleitorais.

Portanto, o voto comporta correção de ofício, a fim de ser consignado que o réu Gilmar Sossella foi absolvido da acusação da prática do tipo previsto no art. 350 do CE com fundamento no inc. III do art. 386 do CPP.

 

Quanto às alegações deduzidas nos embargos declaratórios opostos por Artur Alexandre Souto, o acórdão apresenta, com clareza, a motivação que levou à conclusão pela condenação do embargante, descrevendo todo o contexto probatório considerado determinante para o convencimento do Tribunal.

Anoto, ademais, que a contradição passível de aclaramento pela via estreita dos declaratórios é a relativa aos termos da própria decisão, e não aquela originária do cotejo entre a prova dos autos e a justiça do julgado.

Quanto ao anterior exame dos mesmos fatos pelo TSE, importa ressaltar que o julgamento do recurso referido na petição de embargos não é vinculante, dada a independência entre as esferas cível e penal. Ademais, o presente apelo integrativo não comporta revisão de matéria já enfrentada no acórdão que se pretende aclarar.

Com esse entendimento, colho do voto proferido pelo Desembargador Presidente Carlos Cini Marchionatti o seguinte excerto:

Não objetivo afrontar entendimento já pacificado, do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que as esferas cível-eleitoral e criminal são independentes, não ensejando ofensa à coisa julgada o reexame, em sede de Ação Criminal, de fato já decidido em Ação de Investigação Judicial Eleitoral, em razão dos objetivos distintos que os instrumentos têm.

Assim, os embargos comportam acolhimento somente quanto ao pedido de prequestionamento da matéria embargada, o qual também segue deferido.

Os declaratórios apresentados por Gilmar Sossella, por sua vez, também suscitam omissão alegando que o acórdão não se pronunciou sobre os argumentos defensivos relativos à ausência de sua participação nos delitos.

Entretanto, essa temática foi expressamente enfrentada nas razões de decidir dos votos que concluíram pela condenação do embargante, prolatados pelos Desembargadores Eleitorais Paulo Afonso Brum Vaz, Luciano André Losekann, Jamil Andraus Hanna Bannura e Eduardo Augusto Dias Bainy.

Até mesmo o voto deste relator, que restou vencido ao absolver o ora embargante neste ponto, e faz parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento (§ 3º do art. 941 do CPC), discorre de forma exaustiva sobre as alegações defensivas e, inclusive, sobre a inaplicabilidade da teoria do domínio funcional do fato, inexistindo qualquer omissão a ser aclarada.

Nesse norte, a tese de que a condenação foi pautada em hipótese de responsabilidade penal objetiva é matéria a ser levada à apreciação da instância recursal, pois neste momento processual é incabível o reexame da prova.

Por fim, não se verifica erro material no julgado pela referência à majoração da pena de multa, de 10 mil reais para 20 mil reais, realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral quando do julgamento do Recurso Ordinário n. 2650-41. Este Tribunal fez expressa menção ao fato de que o aumento da sanção foi realizado em sede de julgamento de recurso ordinário em ação de investigação judicial eleitoral proposta para apurar abuso de poder (art. 22, incs. XIV e XVI, da Lei Complementar n. 64/90); captação ilícita de recursos (art. 30-A, caput e § 2º, da Lei n. 9.504/97); captação ilícita de sufrágio (art. 41-A, caput e § 2º, da Lei n. 9.504/97), e condutas vedadas (art. 73, caput, inc. II e §§ 4º, 8º e 9º, da Lei n. 9.504/97).

Além disso, consta claramente das razões de decidir do primeiro voto vencedor, prolatado pelo Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, que o tema estava sendo trazido à tona apenas a título de reforço argumentativo, em virtude da conclusão do TSE no sentido de que o uso do telefone celular funcional para envio de mensagens de cunho eleitoral no dia da eleição é fato que comporta majoração da pena pecuniária devido à gravidade da conduta.

Dessa forma, os declaratórios também comportam acolhimento apenas para ser consignado que se considera prequestionada a matéria invocada na petição de embargos.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo conhecimento e pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por ARTUR ALEXANDRE SOUTO e por GILMAR SOSSELLA, para o fim de considerar prequestionada toda a matéria embargada e, de ofício, determino a correção do acórdão, a fim de ser consignado que o réu Gilmar Sossella restou absolvido da acusação da prática do tipo previsto no art. 350 do Código Eleitoral com fundamento no inc. III do art. 386 do Código de Processo Penal, nos termos da fundamentação.