E.Dcl. - 50257 - Sessão: 12/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração, com pedido de atribuição de efeitos infringentes, opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face do acórdão (fls. 281-290) que, por maioria, declarou de ofício a ilicitude e a nulidade da interceptação telefônica que acompanhou a petição inicial e reformou a sentença que condenou MIRO JESSE nas penas de cassação do diploma de vereador e de pagamento de multa de mil UFIRs, por prática da captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Nas razões de embargos alega (fls. 301-306v.), em preliminar, que o acórdão representa ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório substancial e da não surpresa, uma vez que não foi oportunizada prévia manifestação acerca do fundamento relativo à nulidade da interceptação telefônica. Sustenta que a circunstância caracteriza error in procedendo, por malferimento aos arts. 9o e 10 do CPC, uma vez que a matéria não foi suscitada pela defesa. No mérito, afirma que a decisão é omissa ao deixar de realizar o cotejo analítico entre o caso concreto e os precedentes do STF e do STJ colacionados nas razões de decidir do voto vencedor. Assevera que as interceptações telefônicas não foram realizadas com base em denúncias anônimas diante da certidão subscrita pelo chefe de cartório eleitoral narrando o recebimento de notícias sobre compra de votos, a qual possui fé pública. Invoca o art. 116, inc. VI, da Lei n. 8.112/90. Defende que, no caso concreto, era impossível, impertinente e desnecessário exigir do Ministério Público Eleitoral a realização de diligências preliminares antes do pedido de interceptação telefônica, pois o órgão tomou conhecimento dos fatos às vésperas do pleito. Pontua que o aresto não esclareceu quais diligências entendia serem previamente necessárias, consigna que tal entendimento é irrazoável e inviável, e faz referência à autorização judicial deferida pelo juízo a quo, assinalando que a prova foi necessária, oportuna e eficaz. Refere que o voto vencido do Relator não supre os pontos omissos ora delineados e requer o acolhimento dos aclaratórios, com atribuição de efeitos modificativos para o fim de ser reformado o julgado.

Intimado, o embargado apresentou contrarrazões (fls. 339-343) pela rejeição dos declaratórios e manutenção do acórdão em seus integrais termos.

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

Os embargos de declaração são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

Inicialmente, no pertinente à matéria preliminar, o Ministério Público Eleitoral argui a nulidade do acórdão por ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e ao princípio da não surpresa, na forma dos arts. 9º e 10 do CPC, porque a ilicitude da prova não foi matéria invocada pela defesa, caracterizando error in procedendo na decisão.

Os artigos supracitados, em suma, dispõem sobre a impossibilidade de o juiz decidir sem que a parte adversa seja previamente ouvida. No caso dos autos, porém, não foi o que ocorreu.

Analisando os autos, possível perceber que nas razões de recurso a prova foi, sim, impugnada pela defesa, embora sem o tratamento específico como questão preliminar, sob a denominação de prova ilícita ou nula. Basta verificar o seguinte excerto da petição recursal, que trata especificamente sobre a certidão que deu azo à realização de interceptação telefônica (fls. 238 e verso):

Certidão de fl. 13.

Inobstante a certidão expedida por qualquer chefe de cartório eleitoral, na prática dos atos de seu ofício, possuir fé pública, a que se encontra tombada à fl. 13 dos autos (Vol. 1) não ampara o contexto acusatório que reveste o fato imputado ao ora Recorrente. Senão, vejamos.

De início, a mesma fez referência à “inúmeras denúncias” (SIC) no sentido de que o Recorrente e outro “estariam abusando do poder econômico, promovendo ampla e indiscriminada compra de votos explicitamente, oferecendo de dois mil a oito mil reais, e em alguns casos, perdoando dívidas de seus devedores em troca de voto” (SIC). A mesma conclui as suas afirmações alegando que “as pessoas optam por fazer a denúncia anonimamente, e que não desejam se envolver (testemunhar), por medo de sofrerem represálias dos candidatos e de seus cabos eleitorais” (SIC).

Em que pese a intensidade de termos invocados pelo firmatário da mencionada certidão, esta, embora tenha impulsionado o agir ministerial (fls. 12 e 7 a 11 – Vol. 1), não especificou MINIMAMENTE a) quantas realmente seriam as “inúmeras denúncias”, b) quem seriam os supostos eleitores beneficiados pelo não menos suposto abuso “do poder econômico” de MIRO, c) de que modo consistiria a ampla e indiscriminada compra de votos” por parte do Recorrente e d) onde estariam ocorrendo.

Nas contrarrazões apresentadas pelo órgão ministerial, de igual modo, há expressa manifestação sobre os argumentos levantados no recurso (fls. 260-269), veja-se:

Inicialmente, insiste a Defesa – em nada menos do que em onze laudas – na busca desenfreada por descredibilizar a testemunha MAURO GODOY PRUDENTE FILHO, chefe do Cartório Eleitoral, apontando todo tipo de máculas ao seu depoimento e à certidão da fl. 13, por ele entabulada.

Quer fazer crer, a Defesa, que aludida testemunha deveria ter sido mais precisa e detalhista ao descrever os fatos na sua certidão da fl. 13, especificando quem e quantos seriam os eleitores/delatantes, como teriam ocorrido as compras de votos, os horários das infrações, fazendo um relatório/memorando/certidão para cada denúncia recebida.

Contudo, e o que basta, embora sucinta, a certidão da fl. 13 trouxe o necessário para se compreenderem as denúncias; e tanto é assim que, à vista dela, permitiu-se a interceptação telefônica do recorrente e obtenção da prova cabal, como quer a defesa, de que MIRO JESSE prometeu vantagem a um eleitor em troca de apoio nas eleições!

O debate sobre a prova afasta a indicação de surpresa, pois estabelecido o contraditório reclamado.

Esse ponto do julgado retrata nada mais do que a aplicação do art. 371 do CPC, segundo o qual “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”.

Referido dispositivo legal elucida o princípio da persuasão racional do juiz no novo Código de Processo Civil, possibilitando que o julgador, no exame do caso concreto, adote critério que se mostre adequado para a hipótese dos autos, cuidando em justificar racional e objetivamente essa adequação para que se possa aferir a razoabilidade de seu ato.

Quanto ao aspecto da racionalidade da valoração, aduzem Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga (DIDIER JUNIOR, Fredie. Et al. Curso de direito processual civil. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. V. 2, p. 317):

Uma vez estabelecida a prévia discussão sobre a validade da prova, evidencia-se a ausência de prejuízo na sua valoração como ilícita, circunstância que também afasta a aventada nulidade do julgamento.

Ademais, cumpre anotar que, segundo o disposto no § 3º do art. 941 do CPC, o voto vencido do eminente relator, Desembargador Jamil Andraus Hanna Bannura, que considerou lícita e válida a interceptação telefônica, faz parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento.

Rejeito, portanto, a matéria preliminar.

 

No mérito, da leitura das razões de embargos verifica-se que o ora embargante, sob pretexto da ocorrência de omissão, pretende a revisão do julgamento, com o reexame de fatos e provas a fim de promover a alteração da decisão.

Ao demonstrar as razões que levaram à conclusão pela ilicitude da prova, o voto vencedor fez referência a precedentes jurisprudenciais que ampararam o convencimento de que, na linha da jurisprudência pátria, as informações de autoria desconhecida não podem servir, por si sós, para embasar a interceptação telefônica, a instauração de inquérito policial ou a deflagração de processo criminal.

Assim, o cotejo analítico reclamado consta do próprio conteúdo das ementas citadas, não havendo omissão nesse ponto.

Além disso, o entendimento no sentido de que a certidão do chefe de cartório, narrando o recebimento de denúncias anônimas, infirma a conclusão de que as interceptações telefônicas foram realizadas ao arrepio do entendimento dominante dos tribunais superiores e da Lei n. 9.296/96 é matéria de mérito, a ser levada à apreciação da superior instância com vistas a reformar a decisão embargada.

Sobre a possibilidade de realização de diligências preliminares antes do pedido de interceptação telefônica, importa destacar que o § 3º do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 permite o ajuizamento da representação por captação ilícita de sufrágio até a data da diplomação, que em Santa Rosa foi realizada em 19.12.2016, e não somente até a data do pleito.

Assim, a proximidade da eleição, ocorrida em 02.10.2016, não se afigura como motivo justo, razoável ou proporcional para que seja determinada a quebra de sigilo e violada, a priori, a intimidade da parte investigada, nos termos dos incs. XII e LVI do art. 5º da Constituição Federal e art. 2º da Lei n. 9.296/96.

Quanto à realização de diligências, pondero que, para os feitos criminais, o art. 6º do Código de Processo Penal coloca à disposição, sem caráter de exaustividade ou vinculação, inúmeras diligências investigatórias que, conforme juízo de oportunidade e conveniência, poderão ser adotadas para alcance da apuração de autoria e materialidade.

No âmbito da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul, a Resolução n. 06/16, do Ministério Público do RS, que disciplina o Procedimento Preparatório Eleitoral – PPE –, passível de ser instaurado pelos Promotores de Justiça no exercício da função eleitoral, e dá outras providências, estabelece uma série de diligências que podem auxiliar na apuração dos ilícitos eleitorais.

Com essas considerações, entendo que no acórdão embargado não se verificam os vícios apontados pelo embargante, sendo incabível, na via estreita dos declaratórios, a revisão do julgamento e da justiça da decisão.

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pela rejeição dos embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

 

(Após votar o relator afastando as preliminares e rejeitando os embargos de declaração, pediu vista o Des. Jamil Andraus Hanna Bannura. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)