RE - 1145 - Sessão: 12/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) DE ESTEIO contra sentença (fl. 108 e v.) que julgou desaprovadas suas contas relativas à movimentação financeira do exercício de 2016, em razão da emissão extemporânea de recibos de doação, bem como do recebimento de contribuições advindas de agentes políticos (vereadores). Assim, o juízo a quo determinou a devolução do montante indevidamente arrecadado ao Tesouro Nacional, além da suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano, com fulcro nas disposições dos artigos 46, inc. III, al. “a”, e 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Inconformada, a agremiação interpôs recurso (fls. 112-116), aduzindo que não houve a omissão de recibos eleitorais, mas apenas a geração com atraso dos documentos. Afirma que a falha é meramente formal. Alega, ainda, que os vereadores são agentes políticos e não se enquadram no conceito de “autoridade” para os fins do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Requer o provimento do recurso para que as contas sejam julgadas aprovadas e a suspensão do processo até o julgamento da ADIn n. 5.494 pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que exarou parecer, preliminarmente, pela anulação da sentença e retorno dos autos à origem, para a aplicação do disposto no art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.165/15. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso e pela aplicação, de ofício, da multa prevista no referido dispositivo legal (fls. 124-129).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Inicialmente, rejeito a prefacial suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral em relação à nulidade da sentença, por omissão quanto à aplicação da multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Isso porque, em atenção ao princípio do prejuízo, insculpido no art. 282, § 2º, do CPC, segundo o qual “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”, a prefacial não deve ser acolhida, pois conforme adiante se verá, a conclusão é pela licitude das contribuições oriundas de detentores de mandato eletivo.

No mesmo trilhar, rejeito a preliminar de suspensão do processamento do feito até o julgamento da ADIn n. 5.494, aduzida pelo recorrente, visto que, sendo a conclusão no sentido de repelir a determinação de recolhimento de valores, não persiste o aventado risco de grave prejuízo à parte.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada com fundamento no reconhecimento de duas irregularidades, discriminadas no parecer técnico conclusivo, quais sejam: a) a arrecadação de recursos advindos de fonte vedada e b) a emissão de recibos de doações de forma intempestiva.

Passo à análise de cada um dos apontamentos.

A primeira questão posta diz com o recebimento, pela agremiação partidária, de recursos oriundos de ocupantes de mandato eletivo de vereadores, no montante de R$ 3.250,00.

Não desconheço que esse Tribunal, ao responder a Consulta n. 109-98, definiu que os detentores de mandato eletivo deveriam ser considerados autoridades para efeito do disposto no art. 12, inc. XII e seu § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, exatamente o entendimento que a sentença adotou.

Entretanto, com a mais respeitosa vênia, creio ser possível rever esse entendimento.

Explico.

A Resolução TSE n. 23.464/15, em seu art. 12, no que importa, assim dispõe:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

É da literalidade do normativo a definição de que se consideram autoridades públicas apenas aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. 

Ainda que se tenha firmado jurisprudência no sentido de que todo aquele cargo comissionado de chefia ou direção seja autoridade, o fato é que, em nenhum momento é possível incluir no texto os detentores de mandato eletivo.

Primeiro, porque a norma é restritiva de direito, não podendo ser dada interpretação ampliativa.

Segundo, porque não se amoldam ao conceito de detentor de mandato eletivo os argumentos que sustentaram a compreensão de que os servidores demissíveis ad nutum devam ser considerados autoridades.

O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce munus público, eleito pelo povo, consagrando o princípio democrático e republicano.

Nessa medida, as doações realizadas por exercente de mandato eletivo não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias.

Dessarte, a vedação imposta pela Resolução TSE n. 23.464/15, ao proibir doações por servidores que exercem a função pública em caráter precário tem o objetivo de obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Não é o caso dos exercentes de mandato eletivo, que apenas estão sujeitos à perda do mandato em hipóteses restritas e taxativas, desde que observados o contraditório e ampla defesa.

O TSE não tem posição definida sobre a doação de titulares de mandatos eletivos, não tendo respondido consulta, no ponto, por configurar caso concreto:

CONSULTA REALIZADA PELO PDT. DIRETÓRIO NACIONAL. CONCEITO DE AUTORIDADE PÚBLICA. LEGITIMIDADE DAS DOAÇÕES REALIZADAS POR PARLAMENTARES A PARTIDOS POLÍTICOS. FONTE VEDADA. ARTS. 31, INC. II, DA LEI 9.096/95 E 12, INC. IV, 1º, DA RES.-TSE  n. 23.464/2015. MATÉRIA OBJETO DA ADI 5.494 NO STF. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. NÃO CONHECIMENTO.

1. In casu, questiona-se se os ocupantes de cargos eletivos do Poder Legislativo podem ser considerados autoridades públicas, consoante o disposto nos arts. 31, inciso I, da Lei 9.096/95 e 12, inciso IV, § 1º, da Res.-TSE n. 23.464/2015, com o intuito de legitimar as doações realizadas por Parlamentares a Partidos Políticos.

2. O consulente pleiteia a manifestação do TSE quanto ao alcance do termo autoridade, previsto no art. 31, inc. II, da Lei 9.096/95, matéria objeto de discussão no STF, no bojo da ADI 5.494, de relatoria do eminente Ministro LUIZ FUX.

3. Não se conhece de consulta cujo tema encontra-se em discussão no âmbito do colendo STF. Precedentes (Cta 130-25/DF, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 9.9.2016).

4. Consulta não conhecida.

(TSE – Cta n. 0602250-55 – Acórdão de 27.6.2017, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE, Tomo 159, Data 17.8.2017, p. 265.) (Grifei.)

De outro vértice, verifiquei que alguns regionais se manifestam pela possibilidade de ser considerada lícita a doação por exercentes de mandato eletivo, posição a qual me filio.

Reproduzo ementas nesse sentido:

- RECURSO ELEITORAL - PRESTAÇÃO DE CONTAS - PARTIDO POLÍTICO - EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013.

- EXISTÊNCIA DE DÉBITO A COMPENSAR, DECLARADO NAS CONTAS, QUE NÃO CONSTOU NOS EXTRATOS BANCÁRIOS REFERENTES AO EXERCÍCIO FINANCEIRO EM JULGAMENTO - NÃO APRESENTAÇÃO DA CONCILIAÇÃO BANCÁRIA OU DE ESCLARECIMENTOS SOBRE A IRREGULARIDADE - JUNTADA , COM O RECURSO, DE DOCUMENTOS - CHEQUE COMPENSADO SOMENTE NO EXERCÍCIO FINANCEIRO SEGUINTE - REFORMA, NESSE PONTO, DA SENTENÇA - IRREGULARIDADE QUE, NO CASO DOS AUTOS, MERECE APENAS A ANOTAÇÃO DE RESSALVA.

[…]

- RECEBIMENTO, PELO PARTIDO, DE RECURSOS PROVENIENTES DE FONTE VEDADA - DOAÇÕES FINANCEIRAS ORIUNDAS DE AUTORIDADES PÚBLICAS - SECRETÁRIOS MUNICIPAIS - OCUPANTES DE CARGOS DE DIREÇÃO E CHEFIA DEMISSÍVEIS 'AD NUTUM', NÃO DETENTORES DE MANDATO ELETIVO - ART. 31, II, DA LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS - SENTENÇA MANTIDA - IRREGULARIDADE GRAVE QUE LEVA À DESAPROVAÇAO DAS CONTAS.

Este Tribunal - em conformidade com decisões do Tribunal Superior Eleitoral - excluiu do conceito de autoridade, para fins de aplicação do art. 31, inc. II, da Lei n. 9096/95, os detentores de mandato eletivo, assentando que nele incluem-se apenas os titulares de cargos exoneráveis 'ad nutum', que exerçam função de direção e chefia.

Constatado, no caso concreto, o recebimento de doações financeiras provenientes de secretários municipais (cargos demissíveis 'ad nutum'), que, ademais, não eram detentores de mandato eletivo, impõe-se a desaprovação das contas em razão do recebimento de recursos oriundos de fonte vedada.

[…]

(TRE-SC - RECURSO EM PRESTACAO DE CONTAS n 3316, ACÓRDÃO n 31115 de 25.11.2015, Relator ALCIDES VETTORAZZI, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 213, Data 07.12.2015, p. 9. (Grifei.)

- RECURSO - PRESTAÇÃO DE CONTAS - PARTIDO POLÍTICO - EXERCÍCIO DE 2011 - RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA - ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/1995 - CONCEITO DE AUTORIDADE ESTABELECIDO NA RESOLUÇÃO TSE N. 22.585/2007 - EXEGESE.

- DOAÇÕES ORIUNDAS DE AGENTES POLÍTICOS - PREFEITO E VICE-PREFEITO - RECURSOS QUE NÃO CONSTITUEM FONTE VEDADA - PRECEDENTE - IMPROPRIEDADE AFASTADA.

"A doação ou contribuição de filiado detentor de mandato eletivo não é proibida pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/1995. Segundo entendimento mais recente do Tribunal Superior Eleitoral, a vedação alcança apenas os ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridade (Resolução n. 22.585, de 6.9.2007, Min. José Augusto Delgado)" [TRESC. AC. 26.628, de 2.7.2012, Rel. Juiz Nelson Juliano Schaefer Martins].

[…]

(TRE-SC - RECURSO EM PRESTACAO DE CONTAS n 3236, ACÓRDÃO n 30039 de 28.8.2014, Relator CARLOS VICENTE DA ROSA GÓES, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 153, Data 03.9.2014, p. 8 .) (Grifei.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DO ANO DE 2010. DIREÇÃO ESTADUAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE PARTE DOS RECURSOS. COMPRA DE FLORES A FILIADO. FINALIDADE DIVERSA DA DESTINAÇÃO PREVISTA NO ART. 44 DA LEI N. 9.096/95. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS COM AJUDAS DE CUSTO. VIOLAÇÃO AO ART. 9º DA RESOLUÇÃO TSE 21.841/04. CONTRIBUIÇÃO DE TÍTULARES DE CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM QUE OSTENTAM A CONDIÇÃO DE AUTORIDADE. BURLA AO ART. 31, II, DA LEI N. 9.096/95. ESTATUTO QUE ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE CONTRIBUIÇÃO MENSAL. NECESSIDADE DE SUA ADEQUAÇÃO À LEI E ÀS NORMAS DA JUSTIÇA ELEITORAL. COMPROMETIMENTO DA REGULARIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO DA CONTABILIDADE. SUSPENSÃO DE NOVAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO PELO PRAZO DE UM ANO. ART. 36, INC. II, DA LEI N. 9.096/95 C/C O ART. 28, INC. II, DA RESOLUÇÃO TSE N. 21.841/04. NECESSIDADE DE DEPÓSITO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. RECOLHIMENTO DOS VALORES DO FUNDO PARTIDÁRIO QUE TIVERAM SUA DESTINAÇÃO CONSIDERADA IRREGULAR POR ESTE REGIONAL. DECISÃO UNÂNIME.

1. A comprovação das despesas realizadas, inclusive com ajudas de custo, destinadas a seus filiados, deve ser comprovada nos termos do art. 9º da Resolução TSE 21.84/2004.

2. O Tribunal Superior, quando da interpretação do disposto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, entendeu que não incide a vedação sobre as contribuições dos agentes políticos, servidores públicos filiados a partido político, investidos em cargos, funções, mandatos, comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação de atribuições constitucionais, mas não é permitido aos titulares de cargos demissíveis ad nutum que ostentem a condição de autoridade. O conceito de autoridade, por sua vez, está estampado no art. 1º, § 2º, inciso III, da Lei n. 9.784/99, o qual considera servidor ou agente público aquele dotado de poder de decisão.

3. De acordo com o art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 c/c o art. 28, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04, acaso haja recebimento de contribuições de fontes vedadas, a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário se dará pelo período de um ano, não havendo espaço para a aplicação da sanção de maneira proporcional e razoável.

4. Em virtude do recebimento de recursos de fontes vedadas, fica o partido sujeito ao recolhimento das contribuições ou recursos recebidos indevidamente ao Fundo Partidário, nos termos do art. 28, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04.

5. O reconhecimento da irregularidade na aplicação de parte dos recursos do Fundo Partidário dá ensejo ao recolhimento integral, devidamente atualizado, de tais valores ao erário, nos termos das disposições do art. 34 da Resolução TSE  n. 21.841/04.

6. Contas desaprovadas. Decisão unânime.

(TRE-AL - PRESTACAO DE CONTAS n 23788, ACÓRDÃO n 8604 de 30.4.2012, Relator JOSÉ CÍCERO ALVES DA SILVA, Publicação: DEJEAL - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de Alagoas, Tomo 76, Data 05.5.2012, p. 04.)

Assim, não sendo dado ao intérprete dizer o que o texto não diz, máxime a pretexto de ampliar norma restritiva, tenho por lícitas as doações efetuadas pelos ocupantes do cargo de vereador, merecendo reforma a sentença quanto ao ponto, inclusive para afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

No tocante à segunda falha, o órgão técnico apontou que o diretório partidário passou a emitir recibos de doação somente a partir de 12.5.2016, quando já havia recebido seis doações “descobertas por recibo eleitoral”, as quais somaram o aporte de R$ 3.925,00.

Por sua vez, o partido político afirma que, em razão de “deficiências estruturais no diretório municipal” os recibos de doação foram gerados de maneira intempestiva. No entanto, argumenta que todas as contribuições foram declaradas e receberam o lançamento de seu respectivo recibo.

Com efeito, verifica-se que os recibos de números 1 a 6, correspondentes a cada uma das seis contribuições sob controvérsia, foram todos emitidos no dia 12.5.2016 (fls. 85 e 101), corroborando as alegações do recorrente.

O art. 11, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15 prescreve que os órgãos partidários devem emitir, no prazo máximo de três dias contados do crédito em conta bancária, o recibo de doação. Nessa senda, a jurisprudência tem adotado o entendimento de que não se pode admitir a confecção tardia de recibos com o escopo de justificar despesas ou amparar receita omitidas.

Contudo, a hipótese dos autos é diversa, pois não há sonegação de recursos ou inconsistências na identificação de doadores. Além disso, o próprio diretório municipal buscou sanear a falha com a geração, ainda no curso do exercício financeiro, dos recibos faltantes.

Trata-se, portanto, de falha de natureza meramente formal, que não compromete o exame da regularidade das contas, especialmente por apresentarem-se nas contas todos os elementos essenciais à fiscalização das doações.

Desse modo, considerando a ausência de prejuízo ao efetivo controle das contas de campanha, a impropriedade merece tão somente a indicação de ressalva.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e pelo parcial provimento do recurso, ao efeito de aprovar com ressalvas as contas do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) DE ESTEIO, afastando as sanções impostas na sentença.