RE - 28267 - Sessão: 14/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO TRAVESSEIRO PARA TODOS (PSB - PT) contra sentença do juízo da 104ª Zona – Arroio do Meio (fl. 202-203v.) que julgou improcedente representação cumulada com ação de investigação judicial eleitoral por captação ilícita de sufrágio, abuso de poder e condutas vedadas, relativamente ao pleito de 2016 em Travesseiro, proposta em face dos recorridos ILDO RODRIGUES GODOY, DEISI MATHIAS DA SILVA, COLIGAÇÃO TRAVESSEIRO PRECISA CONTINUAR (PMDB - PTB - PP) e ARIBERTO QUINOT.

Em suas razões (fls. 207-217), a recorrente repisa os argumentos expendidos à inicial, sustentando que a representada DEISI cometeu abuso de poder, sob o viés do abuso de autoridade, ao utilizar-se de seu cargo para repreender, ameaçar, ofender e coagir a servidora pública Andresa Degasperi, à época diretora da Escola Municipal EMEI Criança Esperança e a estagiária Carolina Tresoldi, com o intuito de obter votos em prol da candidatura do representado ARIBERTO, conduta que configuraria, a um só tempo, abuso de poder político, captação ilícita de sufrágio e conduta vedada. Afirma ainda a recorrente que a conduta ilícita encontra-se demonstrada em gravação de áudio (CD da fl. 177) de conversa havida em 28.9.2016 entre DEISE e as servidoras Andresa Degasperi (que realizou a gravação) e Elisângela Camargo de Oliveira Kunrath (participante da conversa). Requer, por fim, a reforma do decisum e o reconhecimento das práticas ilícitas acima referidas, e ainda a aplicação, em seu grau máximo, das penas pecuniárias correspondentes.

Com contrarrazões (fls. 223-233), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral que, preliminarmente, reiterou os termos do parecer das fls. 137-40, no sentido da licitude da prova, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 243-47).

 

VOTO

O recurso é tempestivo (fls. 205 e 207) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Primeiramente, diante da manifestação do Procurador Regional Eleitoral acerca da licitude da prova, anoto que a questão já foi apreciada por este Tribunal em julgamento ocorrido em 04.4.2017, ocasião em que, por decisão unânime transitada em julgado em 26.4.2017 (fl. 172), foi considerada lícita a prova e determinado o retorno dos autos ao juízo e origem para regular processamento do feito, encontrando-se, portanto, superada a matéria.

No mérito, trata-se de representação para investigação judicial eleitoral proposta pela COLIGAÇÃO TRAVESSEIRO PARA TODOS (PSB/PT) contra a COLIGAÇÃO TRAVESSEIRO PRECISA CONTINUAR (PMDB/PTB/PP) e de seus candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito no pleito de 2016 em Travesseiro/RS, respectivamente, ARIBERTO QUINOT e ILDO RODRIGUES GODOY, bem como em face de DEISI MATHIAS DA SILVA (então secretária municipal de educação), pela suposta prática de abuso de poder político ou de autoridade, captação ilícita de sufrágio e conduta vedada.

Cinge-se a controvérsia, portanto, à caracterização de captação ilícita de sufrágio, cuja previsão legal consta no art. 41-A da Lei das Eleições e das condutas descritas nos incs. I e III do art. 73 do mesmo diploma legal, tudo mediante abuso de poder, sob o viés do abuso do poder de autoridade, previsto no art. 22 da LC 64/90.

A sentença ora guerreada afastou as alegações da representante, julgando improcedente a presente ação, nos seguintes termos, litteris:

O fato narrado na petição inicial não caracteriza captação ilícita de sufrágio, cuja situação está disciplinada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, consistente na conduta de "o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição". No caso, da conversa mantida entre a representada Deise Mathias da Silva e Andressa Degasperi, infere-se que não há nenhuma doação, oferecimento, promessa ou entrega bem ou vantagem pessoal. Ao contrário, há uma cobrança feita por Deise por suposto apoio de Andressa ao candidato/chapa da coligação adversária. Em nenhum momento Deise ofereceu ou prometeu bem ou vantagem pessoal a Andressa em troca de seu voto.

Igualmente não se configura a prática de conduta vedada, cujas hipóteses estão previstas no art. 73 da Lei nº 9.504/97. A rigor, a representante não detalha e não indica o dispositivo legal violado. A conduta noticiada na petição inicial não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais consideradas condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais.

Quanto à estagiária Carolina Tresoldi, há informação de que o contrato de estágio foi rescindido após as eleições. Ademais, conforme ponderado pelo Ministério Público Eleitoral, a situação envolvendo essa estagiária não configura a prática de conduta vedada, prevista no inc. V do art. 73 da Lei nº 9.504/97, visto que a realização de estágio não obrigatório não caracteriza o exercício de cargo ou emprego público.

Dessa forma, resta verificar a ocorrência de abuso político. Neste ponto, embora a representante postule, ao final, o reconhecimento da prática de "abuso de autoridade", a exposição dos fatos e fundamentos permite concluir que pretende o reconhecimento da prática de abuso político na campanha eleitoral.

Todavia, não encontro na conversa havida entre a representada Deise Mathias da Silva, então Secretária Municipal da Educação de Travesseiro, e Andressa Degasperi, então diretora da Escola EMEI Criança Esperança, ameaças, ofensas ou coação capaz de caracterizar abuso de poder político. O que se depreende da conversa é uma cobrança feita por Deise a Andressa pelo fato desta estar, supostamente, utilizando o espaço escolar para promover a candidatura adversária do chapa apoiada pelo então Prefeito, utilizando-se do argumento de que teria sido nomeada e designada diretora da escola por este. Destaco o trecho em que Deise diz "se tu quiser ir do nosso governo lá pro 40, tu pode ir, depois das 5 da tarde tu faz o que quiser". E mais adiante: "Andressa, eu não me importo em quem tu vota, mas não demonstra".

Ademais, tem-se presente que Andressa Degasperi estava ocupando o cargo de direção da escola em caráter provisório, em vista do afastamento da diretora (Sereli) para concorrer a cargo eletivo. Com o retorno da diretora titular logo após as eleições (poucos dias após a data da conversa gravada) o retorno de Andressa para a sala de aula era inevitável.

Dessa forma, entendo que a cobrança feita por Deise, embora reprovável, pois estava agindo não no interesse público, mas em prol da chapa apoiada pelo Prefeito Municipal (seu marido), valendo-se de seu cargo de Secretária Municipal de Educação, não chega a configurar abuso de poder político na campanha eleitoral, pois incapaz de comprometer o equilíbrio da disputa entre os candidatos.

Ressalto que caracteriza o abuso de poder político o uso indevido de cargo ou função pública, com o objetivo de captar votos para determinado candidato mediante a utilização abusiva do múnus público, a ponto de afetar o equilíbrio da disputa. No caso, o fato não tem gravidade suficiente e relevância tal a ponto de comprometer esse equilíbrio, tanto que a chapa apoiada pela representada Deise perdeu as eleições.

A sentença, a meu ver, é irretocável.

Com efeito, os fatos não se amoldam às hipóteses previstas em lei.

Senão, vejamos.

O art. 41-A da lei 9.504/97 assim dispõe, verbis:

Art. 41-A

Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

Portanto, para que reste configurada a captação ilícita de sufrágio, devem se fazer presentes, de forma concomitante, a prática de alguma das condutas descritas no art. 41-A da Lei 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza), a finalidade específica de obtenção do voto do eleitor e a participação direta ou indireta do candidato beneficiado.

Além disso, o reconhecimento do ilícito eleitoral em comento não pode se lastrear em presunções, exigindo-se um conjunto probatório consistente a demonstrá-lo, como assentado nas seguintes ementas:

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Improcedência. Eleições 2016.

Para a configuração da captação ilícita de sufrágio, necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que revistam uma situação concreta.

Incontroversa a entrega de material de construção para eleitor. Todavia, carece de prova o envolvimento dos representados e a intenção específica exigida pelo comando - a obtenção de votos. Recebimento do material precedido do regular processo administrativo perante a prefeitura, em razão de política municipal de habitação de interesse social e saneamento. Ausente prova da captação ilícita de sufrágio.

Provimento negado.

(Grifei).

(TRE/RS – RE n. 19515 – Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – J. Sessão de Julgamento de 29.11.2016).

 

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

1. Preliminar. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Hipótese em que desnecessária a autorização judicial. Por consequência, afastada a nulidade de testemunho por derivação.

2. Vedada pela legislação eleitoral a entrega ou oferta de vantagens para a obtenção do voto do eleitor. Não é exigido pedido expresso de voto, bastando apenas que a oferta ocorra com a finalidade de obter voto.

3. A ajuda financeira a familiar de eleitora, conhecida do candidato de longa data, bem como o fornecimento de gasolina para que pudesse comparecer às urnas, não evidencia suposta compra de votos. Reafirmado, em algumas passagens do diálogo, que a eleitora não estava obrigada a votar no candidato. Inexistente, na espécie, prova robusta a revelar a captação ilícita de sufrágio.

Provimento.

(Grifei).

(TRE/RS – RE n. 57243 – Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura – J. Sessão de 7.3.2017)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a licitude da prova colhida mediante interceptação ou gravação ambiental pressupõe a existência de prévia autorização judicial e sua utilização como prova em processo penal.

2. A prova testemunhal também é inviável para a condenação no caso dos autos, tendo em vista que as testemunhas foram cooptadas pelos adversários políticos dos agravados para prestarem depoimentos desfavoráveis.

3. As fotografias de fachadas das residências colacionadas aos autos constituem documentos que, isoladamente, são somente indiciários e não possuem a robustez necessária para comprovar os ilícitos.

4. A condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder econômico requer provas robustas e incontestes, não podendo se fundar em meras presunções. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(Grifei).

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 92440, Acórdão de 02.10.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 74.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. ELEIÇÕES 2012. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE.

1. A configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) demanda a existência de prova robusta de que a doação, o oferecimento, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos, o que não ficou comprovado nos autos.

2. Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio.

3. A alteração das conclusões do aresto regional com fundamento nos fatos nele delineados não implica reexame de fatos e provas. Na espécie, a mudança do que decidido pela Corte Regional quanto à finalidade de angariar votos ilicitamente foi realizada nos limites da moldura fática do acórdão, sem a necessidade de reexame fático-probatório.

4. Agravo regimental não provido.

(Grifei).

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 47845, Acórdão de 28.4.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE Tomo 95, Data 21.5.2015, Página 67.)

No caso concreto, ouvindo com atenção a conversa gravada na mídia da fl. 177, verifica-se que, em momento algum DEISI prometeu ou ofereceu bem ou vantagem pessoal a Andressa em troca do voto desta em benefício da chapa integrada por seu marido, o também recorrido, ARIBERTO QUINOT. No diálogo gravado, DEISI questiona, por vezes de forma ríspida, a atitude de Andresa, que estaria fazendo campanha para a chapa contrária, apesar de ter sido nomeada para o cargo de diretora de escola pelo então Prefeito, Ricardo Rockenbach, apoiador da chapa de ARIBERTO. Em determinado ponto, inclusive, DEISI afirma textualmente que não importava em quem Andresa iria votar, restringindo-se a criticar o fato de a diretora estar fazendo campanha aberta para a chapa opositora dentro da escola.

Da mesma forma, não restou demonstrado nos autos que os candidatos ora recorridos compactuassem ou, sequer, tivessem conhecimento da situação, conforme exigido pela lei e pacificado pela jurisprudência, como exemplifica o seguinte julgado:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FRAGILIDADE DAS PROVAS. RECURSO DESPROVIDO.

(...)

2. O art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 tutela justamente a livre vontade do eleitor, combatendo, com a razoável duração do processo, as condutas ofensivas ao direito fundamental ao voto. Exigem-se, pois, provas seguras que indiquem todos os elementos previstos naquela norma (doar, oferecer, prometer ou entregar alguma benesse, com a finalidade de obter o voto de eleitor individualizado; e a participação ou a anuência do candidato), sendo que a ausência de qualquer deles deve, obrigatoriamente, levar à improcedência do pedido.

(...)

4. Decisão agravada mantida por seus fundamentos. Agravo regimental desprovido.

(Grifei.)

(TSE, AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 186684, P. DJE 02.02.2017, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes)

Assim, o fato descrito na exordial não se insere na conduta delineada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Também não se vislumbra, no caso, a configuração das condutas objeto dos do art. 73, incs. I e III, da Lei das Eleições:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

(...)

Como bem apontou o julgador de origem, A conduta noticiada na petição inicial não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais consideradas condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais.

Com efeito, o que se extrai dos elementos de informação trazidos aos autos, é que houve um diálogo, em tom por vezes ríspido, no qual DEISI instou Andresa e Carolina a suspenderem a campanha explícita que ambas faziam, nos limites da escola, em prol da candidatura da chapa adversária à integrada pelos recorridos ARIBERTO e ILDO.

Em que pese repreensível, a conduta de DEISI não se subsume a nenhuma das hipóteses elencadas pelo art. 73 da Lei 9.504/97.

Ademais, na interpretação das condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei das Eleições, a jurisprudência considera que a pena mais severa de cassação do registro ou do diploma deve ser reservada para ocasiões em que a gravidade dos fatos atinja diretamente a igualdade entre os candidatos ao pleito, desequilibrando a eleição.

E, no presente caso, ao contrário do afirmado pela agremiação recorrente, não restou suficientemente demonstrada, durante a instrução, a gravidade dos fatos e sua repercussão na lisura do pleito ou desequilíbrio entre os demais candidatos.

Por derradeiro, no que respeita ao abuso de poder político/de autoridade, reza o art. 22 da LC 64/90 que:

Art. 22

Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(..)

O abuso de poder é instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir atitudes e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, a doutrina de Walber Agra nos ensina que:

O abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder, valendo-se de sua posição privilegiada em órgãos estatais, tenta influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade do voto. Dá-se com os atos praticados com desrespeito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Essa conduta que estorva a vontade do eleitor configura-se no momento em que a legitimidade das eleições são comprometidas por condutas de agentes públicos que, valendo-se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas, em manifesto desvio de finalidade. (Manual Prático de Direito Eleitoral, 1ªed., 2016, pág. 199)

Considerando que o abuso ofende de forma direta a legitimidade do pleito, será ilícita apenas aquela conduta potencialmente tendente a afetá-la. A quebra dessa normalidade está vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a simples normalidade das campanhas. É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

No ponto, José Jairo Gomes leciona que:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663.)

Como visto, o abuso do poder político constitui-se na ilegalidade praticada no âmbito do processo eleitoral, com fins de obtenção de votos, por agentes públicos que, valendo-se dessa condição, beneficiam candidaturas, em claro desvio de finalidade, devendo-se observar as peculiaridades do caso concreto, a fim de se averiguar a gravidade da conduta.

In casu, temos que o fato sob lume não se afigurou grave o suficiente para repercutir na isonomia entre os candidatos e violar a lisura do pleito, razão pela qual também não merece provimento o recurso quanto ao pedido de reconhecimento de prática de abuso de poder.

Em face de tal cenário, a confirmação da sentença que julgou improcedente a representação é medida que se impõe.

No mesmo sentido a minuciosa análise do ilustre Procurador Regional Eleitoral no parecer de fls. 243-47, do qual extraio o seguinte trecho que expressamente adoto como razões de decidir:

No presente caso, ante o conjunto probatório dos autos, em especial a degravação do CD de fl. 177 e os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em juízo (mídia de fl. 182), tem-se que não restaram devidamente comprovadas as imputações referidas na inicial, senão vejamos.

Consoante se extrai da conversa mantida entre Deise e Andresa, aquela procurou por esta para ordenar que não mais fale do “40” dentro do ambiente escolar, porque estaria na função de Diretora graças ao partido da situação. Nesse sentido, referiu Deise à Andresa:

Deise: Tudo bem, mas aqui dentro da escola tu não me abre a boca para falar do 40.

Segundo extrai-se do referido diálogo, Deise chegou a dizer à Andresa:

Deise: Eu sei da tua competência Andressa e por isso que tu tá aqui.

De fato, observa-se do referido diálogo que Deise chegou a dizer à Andresa que Ricardo é quem mantém a sua função de Direção e que se Andresa quiser ir lá por “40” que poderia ir depois das 5 da tarde.

Ainda, depreende-se do referido diálogo que Deise disse não se importar em quem Andresa vota, mas que não era para demonstrar.

Assim, da prova ambiental colhida nos autos não restou caracterizada a alegada coação/constrangimento/ameaça com o intuito de obtenção de voto em benefício dos candidatos Ariberto Quinot e Ildo Godoy.

Não se olvida que a função de direção de Andresa foi de fato ameaçada, caso continuasse a fazer campanha para o “40” dentro da escola. Esse fato, por si só, no entanto, não caracteriza captação ilícita do sufrágio, nos termos como definido pela legislação eleitoral.

Da mesma forma, não restou comprovado o uso de servidor público durante o horário de expediente em benefício dos candidatos representados, senão vejamos.

Da prova colhida aos autos, verifica-se que Deise Mathias da Silva, na qualidade de Secretária Municipal de Educação e primeira dama, dirigiu-se à EMEI Criança Esperança no dia 28 de setembro de 2016, pela manhã, para conversar com a então Diretora da Escola, Andresa, não para pedir-lhe voto, mas para dizer que não iria tolerar qualquer tipo de campanha para a chapa de oposição dentro do ambiente da escola.

Além disso, em contrarrazões, os representados trouxeram fotos que demonstram que efetivamente Andresa estava apoiando abertamente o “40” durante o período de campanha eleitoral, o que reforça a seguinte afirmação de Deise:

Deise: Eu não vou te tirar, eu quero que tu saia porta a fora dizendo pros profes que tu é do 40 tando aqui dentro recebendo o que tu tá recebendo.

Em que pese a conversa em tom ameaçador por parte Deise de “tirar” a função de direção desempenhada por Andresa na Escola Municipal, a situação dos autos, não nos remete à quebra de isonomia entre os candidatos e à violação dos bens jurídicos presentes no art. 14, §9º, da Constituição Federal, e no art. 22 da LC nº 64/90, razão pela qual não merece provimento o recurso, devendo ser mantida a sentença.

Quanto à oitiva em juízo da testemunha Carolina Tresoldi, estagiária, à época, na EIME Criança Esperança, disse que seu contrato de estágio não foi renovado por questões políticas e que foi pressionada por Deise a apoiar os candidatos representados, caso contrário seu contrato não seria renovado.

Sobre esse fato, não há elementos de prova que confirmem a intenção da então Secretária Municipal de Educação à cooptar votos em benefício dos candidatos Ariberto Quinot e Ildo Godoy.

De outro lado, os representados, em contrarrazões, juntaram fotografias em que Carolina Tresoldi aparece apoiando o “40” (fl. 230), o que somente indica a posição partidária de Carolina contrária a de Deise.

Esse fato, no entanto, não é suficiente para comprovar a alegada captação ilícita de sufrágio ou o abuso de poder por parte de Deise.

Não se olvida que a prova trazida aos autos indica que Deise agiu não no interesse da administração, mas em prol da campanha dos candidatos representados, valendo-se de seu cargo de Secretária Municipal da Educação e do fato de ser esposa do candidato a Prefeito. Tal conduta, no entanto, conforme acertadamente decidiu o magistrado a quo, não chega a configurar abuso de poder político na campanha eleitoral, pois incapaz de comprometer o equilíbrio da disputa entre os candidatos.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pela COLIGAÇÃO TRAVESSEIRO PARA TODOS (PSB – PT), de Travesseiro.