E.Dcl. - 20164 - Sessão: 06/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face do acórdão das fls. 72-75, que atribuiu efeitos infringentes aos embargos de declaração de DANGELO MOTTA SOARES, para aprovar as contas com ressalvas e afastar a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 1.500,00.

Em suas razões, sustenta contradição porque os paradigmas utilizados (RE 203-34 e RE 204-19) para fundamentar a concessão de infringência não refletiriam situação idêntica ao caso em exame.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Os aclaratórios merecem ser rejeitados.

Como restou esclarecido no acórdão embargado, os precedentes utilizados versavam sobre situação similar à discutida nesses autos.

Reproduzo o que constou no aresto:

Examinando os diversos julgados desta Corte sobre a questão debatida neste feito, verifiquei em dois precedentes originários do mesmo município, ou seja, Mostardas, relativamente a vereadores que concorreram pela mesma sigla partidária – PDT, que esta Corte decidiu, à unanimidade, aprovar as contas com ressalvas e afastar a determinação de recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, em circunstâncias jurídicas idênticas.

Trago à colação as ementas:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE REGULAMENTAR. IDENTIFICADA A ORIGEM DAS DOAÇÕES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADO. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÕES 2016.

O recebimento de doação por meio de depósito em espécie na conta-corrente de campanha, sem a observância da transferência eletrônica, afronta o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Comprovada a origem da quantia depositada, oriunda da conta-corrente do candidato. Ainda que não tenha observado a legislação de regência sobre a matéria, foi possível a identificação das reais fontes de financiamento da campanha. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Aprovação com ressalvas.

Provimento parcial.

(RE 204-19, Relator: Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 19.9.2017.) (Grifei.)


 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. COMPROVADA A ORIGEM DA QUANTIA DEPOSITADA. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÕES 2016.

1. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. A finalidade da norma é coibir a possibilidade de transações que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

2. Depósito em espécie realizado diretamente na conta de campanha. Os elementos trazidos aos autos, sobretudo os comprovantes de saque e de depósito, autorizam a inferência de que os recursos foram provenientes de doação do próprio candidato, pessoa física, em favor da campanha eleitoral. Verificadas as reais fontes de financiamento de campanha, devem ser aprovadas com ressalvas as contas, e afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Provimento parcial.

(RE 203-34, julgado em 19.09.2017, Relator: Des. Jorge Luís Dall'Agnol.) (Grifei.)

 

Por oportuno, transcrevo o que constou no corpo do acórdão RE 203-34:

Verifica-se que o depósito foi realizado em dinheiro, em quantia superior a R$ 1.064,10, o qual está identificado por meio do CNPJ do candidato (Identificador 1: 25.438.389/0001-82), bem como pelo seu nome (Identificador 3: LUIS CARLOS), conforme respectivo comprovante (fl. 31).

É incontroverso, nos autos, que o candidato realizou depósito bancário em sua conta de campanha no valor de R$ 2.500,00, violando o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Não desconheço que a finalidade da exigência normativa incidente seja coibir a possibilidade de transações que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

Contudo, ainda que tenha havido a inobservância do mencionado dispositivo da Resolução TSE n. 23.463/15, foi possível a identificação do doador, tendo sido acostado aos autos conteúdo probatório satisfatório.

Verifica-se, do extrato de sua conta pessoal, a existência de um saque no valor de R$ 3.000,00, perante a Caixa Econômica Federal, realizado no dia 10.8.2016, quarta-feira (fl. 30), e o sucessivo depósito, na conta de campanha, no Banco do Brasil, da quantia de R$ 2.500,00, em 15.8.2016, segunda-feira (comprovante de depósito – fl. 31).

Ressalta-se que o saque foi realizado em 10.8.16, logo após o protocolo de seu registro de candidatura (em 08.8.16 – n. SADP 59.355/2016) e da atribuição do CNPJ (09.8.16, consulta SPCE Web), concomitante à abertura da conta bancária específica destinada a registrar a movimentação financeira de campanha (11.8.16 – extrato de fl. 08).

Assim, diante da documentação acostada, tenho por verossímil a alegação do recorrente, no sentido de que a referida doação foi realizada pelo próprio candidato, ora recorrente, LUIS CARLOS DAL ONGARO.

Como se percebe, no processo acima mencionado, o candidato Luis Carlos Dal Ongaro, que concorreu pelo PDT em Mostardas, efetuou saque em dinheiro da CEF no valor de R$ 3.000,00 em 10.08.2016 e somente 5 dias depois, em 15.08.2016, depositou no Banco do Brasil, na sua conta de campanha, o valor de R$ 2.500,00. Nessas condições, mesmo não havendo identidade cronológica entre o valor sacado e depositado, muito menos entre a quantia envolvida na operação, as contas foram aprovadas com ressalvas e dispensado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

No feito ora embargado, a situação é absolutamente idêntica, apenas com distinguish benéfico ao candidato em face da realização de saque da importância de R$ 1.500,00 da sua conta-corrente em 31.08.2016 (fl. 32) e depósito do mesmo valor na conta de campanha em 26.09.2016 (fl. 31), ambas operações com CPF e CNPJ, respectivamente, perfeitamente identificados. O acórdão embargado desaprovou as contas e determinou o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Equivale dizer, embora os jurisdicionados titularizassem relações jurídicas de direito material equivalentes, receberam provimentos jurisdicionais diametralmente diferentes.

Ao meu sentir, verifico ofensa ao direito fundamental à igualdade, notadamente a igualdade diante de decisões judiciais e à segurança jurídica, pilares essenciais ao Estado Democrático de Direito.

Por oportuno, as sempre valiosas contribuições de Luiz Guilherme Marinoni:

Se há uma definição judicial de direito fundamental, ou mesmo acerca do significado de uma lei federal, todos devem ser tratados igualmente perante elas.

A menos, é claro, que se admita que a jurisdição possa e deva conviver com vários significados de um mesmo direito fundamental ou de uma mesma lei federal, o que eliminaria qualquer possibilidade de se ter uma elaboração teórica racionalmente capaz de explicar a legitimidade de uma decisão que afirma direito fundamental e deixaria sem qualquer razão de ser as normas constitucionais que consagram as funções jurisdicionais de uniformização da interpretação da lei federal e de atribuição de sentido à Constituição, além de, obviamente, violar a idéia imprescindível de igualdade perante a jurisdição.

(In MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade. Disponível em: http://marinoni.adv.br/ Acesso em: 28.9.2017.)

 

No que refere à segurança jurídica, também ensina o autor:

Não obstante, para que a ideia de segurança jurídica não se perca em uma extrema generalidade, convém discriminar dois elementos imprescindíveis à sua caracterização. Para que o cidadão possa esperar um comportamento ou se postar de determinado modo, é necessário que haja univocidade na qualificação das situações jurídicas. Além disso, há que se garantir-lhe previsibilidade em relação às consequências das suas ações. O cidadão deve saber, na medida do possível, não apenas os efeitos que as suas ações poderão produzir, mas também como os terceiros poderão reagir diante delas. Note-se, contudo, que a previsibilidade das consequências oriundas da prática de conduta ou ato pressupõe univocidade em relação à qualificação das situações jurídicas, o que torna esses elementos indissociavelmente ligados.

Em outra perspectiva, a segurança jurídica reflete a necessidade de a ordem jurídica ser estável. Esta deve ter um mínimo de continuidade. E isso se aplica tanto à legislação quanto à produção judicial, embora ainda não haja, na prática dos tribunais brasileiros, qualquer preocupação com a estabilidade das decisões. Frise-se que a uniformidade na interpretação e aplicação do direito é um requisito indispensável ao Estado de Direito. Há de se perceber o quanto antes que há um grave problema num direito variável de acordo com o caso.

(in MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. Disponível em: http://marinoni.adv.br/ Acesso em: 28.09.2017)

Portanto, tenho que é possível, tendo em vista a excepcionalidade do caso, acolher os aclaratórios com efeitos modificativos, destacando que não se trata de nova hipótese de cabimento de embargos de declaração, mas situação que pode se amoldar à previsão de omissão do julgado, invocando o que a doutrina costuma chamar de função de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e vocação democrática desse valoroso instrumento processual.

Dessarte, por força do princípio da igualdade e da segurança jurídica, conheço dos embargos, atribuindo-lhes efeitos infringentes para aprovar as contas, com ressalvas, de DANGELO MOTTA SOARES, bem como afastar a determinação de recolhimento ao Tesouro nacional da importância de R$ 1.500,00.

 

Dessarte, as hipóteses eram equivalentes e mereciam igual tratamento, não sendo dado ao julgador, baseado em meras ilações, presumir que o valor depositado pelo candidato não correspondia ao que foi sacado. A boa-fé se presume; a má-fé deve ser demonstrada.

Com essas considerações, VOTO pela rejeição dos aclaratórios.