RE - 32966 - Sessão: 22/02/2018 às 18:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por OSVALDO GOMES, candidato a prefeito nas eleições de 2016 no Município de Passo Fundo, contra sentença do Juízo da 128ª Zona Eleitoral que desaprovou suas contas de campanha com base na análise técnica realizada (fls. 156-157).

Inconformado, o candidato interpôs recurso (fls. 159-165), alegando que a existência de apontamentos não comprometeu a fiscalização da movimentação financeira de campanha. Argumenta que a intempestiva transmissão de alguns dados das contas é mera irregularidade. Aduz que o bem móvel utilizado na campanha estava na posse de pessoa física por força de instrumento contratual, de forma que não pode ser considerado doação de fonte vedada, e acrescenta que a empresa de pequeno porte não poderia estar abrangida pela restrição da Resolução TSE n. 23.463/15. Acerca da utilização dos recursos do Fundo Partidário, defende que o montante foi destinado em sua totalidade para o pagamento de gastos de campanha, com a emissão do cheque n. 12. Relata que o documento não lançado na prestação parcial não foi omitido, e que a responsabilidade sobre o saldo a pagar de R$ 20.000,00 deve recair sobre o partido. Asseverando não haver desvio de finalidade, recursos de origem ilícita ou nebulosa na campanha, requer o provimento do recurso e a reforma da sentença com a aprovação das contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, pois não houve determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos estimáveis em dinheiro recebidos de fonte vedada e os provenientes do Fundo Partidário utilizados irregularmente. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso e para que, de ofício, seja determinada a transferência de R$ 5.646,49 ao Tesouro Nacional (fls. 171-181v.).

Foi oportunizada a manifestação da parte recorrente sobre a matéria preliminar arguida no parecer ministerial (fl. 183) e o prazo concedido transcorreu in albis (fl. 187).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

Examino a preliminar de nulidade da sentença.

A Procuradoria Eleitoral suscitou preliminar de anulação da sentença, por ter sido reconhecido o recebimento de recursos estimáveis em dinheiro oriundos de fonte vedada e de valores do Fundo Partidário utilizados irregularmente, sem que houvesse a determinação de recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.

Com efeito, o magistrado reconheceu as máculas mencionadas e deixou de impor o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional. No entanto, apenas o candidato recorreu da decisão de primeiro grau, e sua situação não pode ser agravada com a imposição de tal penalidade. A ausência de irresignação quanto a esse ponto torna preclusa a matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação das contas.

Este Regional, após muito debater, firmou posição majoritária nesse sentido, conforme exposto:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a "reformatio in pejus", nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n. 63662, Acórdão de 14.12.2017, Relator: Dr. Luciano André Losekann.)

Assim, diante da ausência de recurso, é de se afastar a preliminar de nulidade da sentença.

No mérito, o recurso não merece prosperar.

As irregularidades apontadas no exame técnico (fls. 124-126) que deram mote à desaprovação das contas dizem respeito à intempestiva transmissão de alguns dados contábeis, ao recebimento de doação estimável em dinheiro proveniente de pessoa jurídica, à utilização de recursos do Fundo Partidário sem a correspondente identificação dos gastos e à omissão de despesas e existência de dívida de campanha irregular.

O envio tardio de dados é mera irregularidade, sobretudo quando a complementação das informações trazidas à Justiça Eleitoral ocorre antes do exame técnico da prestação de contas, de forma que enseja mera ressalva na contabilidade.

O mesmo não se dá em relação aos demais apontamentos.

É possível constatar que LOJA DO MECATRÔNICO LTDA. firmou contrato de comodato (fls. 84-85) com João Valdemir Machado de Andrade para fins de cedência do veículo de placas IWJ9561, a ser “utilizado exclusivamente para transporte de material de campanha Eleição Osvaldo Gomes Prefeito, entre outros serviços assemelhados na cidade de Passo Fundo”. Tal contrato foi juntado aos autos após a primeira análise técnica (fls. 42-45), diante do apontamento de existência de gastos com combustível sem registro de locação ou cessão de veículo, bem como do cupom fiscal da fl. 146, que indica que o custeio de abastecimento deste caminhão foi realizado com recursos da campanha.

A Resolução TSE n. 23.463/15, que disciplina a prestação de contas nas eleições de 2016, apresenta um rol de fontes de recursos considerados vedados, dentre os quais estão incluídas as pessoas jurídicas:

Art. 25. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas; (Grifei.)

Assim, na esteira da disciplina estabelecida neste regulamento, as doações financeiras ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais devem advir de pessoas físicas, partidos políticos ou candidatos, apenas.

Está impedido o recebimento de qualquer espécie de recursos de pessoas jurídicas, não comportando à regra eventual exceção. Na hipótese, sequer é possível a alegação de exercício individual de atividade empresarial, uma vez que o instrumento das fls. 88-91 comprova a pluralidade de sócios da empresa, indicando que a candidatura recebeu recursos estimáveis em dinheiro de pessoa jurídica.

Assim, não há como superar a mácula de recebimento de recursos de fonte vedada.

Da mesma forma, foi constatada a confusão de valores oriundos do Fundo Partidário com doações relativas a outros recursos, em infringência ao disposto no art. 8º da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 8º Os partidos políticos e os candidatos devem abrir conta bancária distinta e específica para o recebimento e a utilização de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), na hipótese de repasse de recursos dessa espécie.

Parágrafo único. O partido político que aplicar recursos do Fundo Partidário na campanha eleitoral deve fazer a movimentação financeira diretamente na conta bancária estabelecida no art. 43 da Lei nº 9.096/1995, vedada a transferência desses recursos para a conta “Doações para Campanha”.

Como se depreende do dispositivo, a utilização dos recursos do Fundo Partidário, por representar verba que ostenta natureza pública, deve seguir as diretrizes da norma eleitoral a fim de permitir o controle e a fiscalização do gerenciamento dessas receitas.

Na situação dos autos, a candidatura majoritária recebeu repasses do Partido Político, provenientes do Fundo Partidário (conta 041-310-6142225), e transferiu o montante de R$ 25.000,00, ou seja, a integralidade dos recursos, para a conta da campanha (conta n. 041-310.6141932), sendo R$ 20.000,00 em 22.9.16, e R$ 5.000,00 em 26.9.16. Assim agindo, o recorrente impossibilitou a adequada fiscalização do emprego da verba pública, tornando nebulosa a movimentação dos recursos, conforme apontado na sentença.

A fim de evitar tautologia, valho-me da análise da Procuradoria Regional Eleitoral acerca do ponto em debate, que adoto como razões de decidir:

O candidato apresentou, como despesas pagas com o recurso do Fundo Partidário, nota fiscal de prestação de serviço (fls. 79-80), boleto online (fl. 75) e faturas quitadas (fls. 81-82), porém, a soma destas despesas não corresponde ao total dos recursos recebidos, pois totaliza R$ 20.553,51, sendo que quanto ao restante do valor o candidato apresentou justificativa no sentido de que foram destinadas ao pagamento de demais despesas na campanha, não sendo específico nesse desiderato, tampouco apresentando notas fiscais a comprovar os referidos gastos.

Outrossim, verificou-se a irregularidade na movimentação financeira dos recursos oriundos do Fundo Partidário, uma vez que o Diretório Estadual do partido repassou o valor de R$ 25.000,00 para conta bancaria destinada ao Fundo Partidário e estes valores foram transferidos para a conta Outros Recursos do candidato, contrariando o que se depreende do texto do art. 8º da Resolução do TSE n. 23.463/15, cujo teor sedimenta que em hipótese alguma pode haver confusão entre outros recursos de campanha e os provenientes do Fundo Partidário, constituindo-se dever, tanto dos candidatos quanto das agremiações, abrir conta específica para gerir tal espécie de recursos […]

 

Desse modo, além de incorrer na vedação prevista no parágrafo único do art. 8º da Resolução TSE n. 23.463/15, o recorrente não comprovou satisfatoriamente o emprego dos recursos do Fundo Partidário.

Por fim, em seu recurso, o prestador afirma que “resta um saldo a pagar de R$ 20.000,00” e que “restaram valores a serem satisfeitos, cuja responsabilidade recai sobre o Partido” (fl. 164).

Ocorre que a existência de dívida de campanha e sua assunção estão disciplinadas na Resolução TSE n. 23.463/15, nos seguintes termos:

Art. 27. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

[...]

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil, idôneo ou por outro meio de prova permitido, emitido na data da realização da despesa.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º.

Art. 28. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 2º do art. 27, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

O reconhecimento da existência de dívida e a não comprovação de sua assunção pelo órgão nacional partidário, com a necessária apresentação dos documentos exigidos no regulamento, atrai a incidência do disposto no citado art. 28, cabendo a desaprovação das contas também por esse motivo.

Pontuo que a situação dos autos não comporta a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pois as irregularidades identificadas são graves, por impedirem a fiscalização da Justiça Eleitoral e corresponderem a montante expressivo, tanto em valor absoluto quanto em termos percentuais, considerado o total dos recursos movimentados na campanha.

Tendo em conta, por derradeiro, que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, ex officio, ao meu sentir, relativamente ao caso concreto, implicaria o ferimento do princípio tantum devolutum quantum appellatum, indefiro o pedido da Procuradoria Regional Eleitoral em tal sentido.

Ante o exposto, VOTO no sentido de rejeitar a prefacial suscitada pela Procuradoria Eleitoral e, no mérito, negar provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença de desaprovação das contas de campanha de OSVALDO GOMES relativas às eleições de 2016.