RE - 1922 - Sessão: 13/12/2017 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) DE NOVO HAMBURGO, LEONARDO HOFF, JOÃO CARLOS RAUBER e MARCOS REINALDO DRESCH contra a sentença que desaprovou parcialmente sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2015, em razão do recebimento de contribuições oriundas de fontes vedadas no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), efetuadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum com poder de autoridade, determinando o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional, e a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano.

Em suas razões, sustentam que os servidores que contribuíram ao partido não se enquadram no conceito de autoridade segundo o disposto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, e art. 12 da Resolução TSE n. 23.432/14. Afirmam que a jurisprudência sobre a matéria reconhece como fonte vedada somente os detentores de cargos de chefia ou direção - nos termos da Consulta n.1.428 do TSE - e que tramita no STF a ADI 5.494, ajuizada para que o vocábulo autoridade não alcance os funcionários públicos demissíveis ad nutum, pois muitos partidos esperam de seus filiados a contribuição partidária. Alegam que as atribuições dos doadores impugnados não compreendiam parcela decisória com poder de autoridade, pois Leonardo coordena o macro processo Recursos Humanos na CEEE, enquanto Marcos atua como Delegado Regional na Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social, e Patrícia assessora um vereador. Requerem a aprovação das contas ou a redução do prazo de suspensão de recebimento de quotas do Fundo Partidário para um mês, pois o período fixado na sentença se afigura desproporcional e desarrazoado. Invocam precedentes confortando suas razões.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença de desaprovação parcial das contas fundamenta-se no recebimento de contribuições pecuniárias - no valor total de R$ 4.000,00 - provenientes de: a) Leonardo Hoff, Diretor Administrativo da CEEE; b) Marcos Reinaldo Dresch, Delegado Regional da Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social do RS; e c) Denise De Moraes Dutra, Coordenadora de Gabinete da Câmara Municipal de Novo Hamburgo.

De acordo com o juízo a quo, ao tempo dos repasses tais doadores ocupavam cargos em comissão com atribuições de chefia e direção, merecendo transcrição o seguinte excerto da decisão:

Com efeito, da leitura da síntese dos deveres dos cargos, observa-se os verbos coordenar, dirigir e supervisionar (fl. 140), bem como coordenar, planejar, supervisionar e orientar (fl. 180v.) evidenciam que os cargos de LEONARDO e DENISE não se destinam ao assessoramento, restando incontroverso que se destinam à chefia ou direção, configurando-se a vedação legal.

Da mesma forma, em relação ao cargo de MARCOS REINALDO, foi esclarecido pelo ESTADO que refere-se a função de direção ou chefia, o que inclusive se denota da nomenclatura do cargo: Delegado Regional da Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social do RS (fls. 175-176).

Ainda, embora a defesa apresente tese voltada à desqualificação dos cargos como de chefia, sob o argumento de que os doadores não tinham poderes decisórios, saliento que não há como se excluir os cargos da abrangência da interpretação dada pelo TSE, uma vez está não faz distinções ou classificações, bastando enquadrar-se de forma simples para a incidência da definição de autoridade pública trazida pela resolução TSE n. 23.432/14.

A decisão merece ser mantida, pois todos os contribuintes relacionados na decisão recorrida ocupam cargos públicos com poder de autoridade, sendo certo que a vedação não alcança somente diretores e chefes de departamento, como alegam os recorrentes, abrangendo também a posição de Delegado Regional do Trabalho e de Coordenadora de Gabinete.

Todas as razões apresentadas pelo recorrente não infirmam o fato de que, de acordo com o § 2º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.432/14, que regulamenta o mérito da presente prestação de contas, considera como autoridades públicas, para os fins do inc. XII do caput do mesmo dispositivo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta:

Art. 12 - É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

XII - autoridades públicas;

[...]

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

A vedação foi definida em 2007, quando do julgamento da Consulta n. 1.428 (Resolução TSE n. 22.585/07), respondida no sentido de não poder haver contribuição partidária realizada por detentor de cargo de chefia e direção.

O aporte desses recursos, até então abrangidos pela ressalva prevista no § 1º do art. 5º da Resolução TSE n. 21.841/04, passou a ser regulado também pela Resolução TSE n. 23.077, de 4.6.2009 (Petição n. 100, Resolução n. 23.077 de 4.6.2009, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, DJE 4.8.200).

Referida norma determinou que, durante as arrecadações dos exercícios financeiros seguintes, os partidos políticos observassem o entendimento firmado pelo TSE na Consulta n. 1428 (Resolução TSE n. 22.585/07) no que concerne à contribuição de filiados, tendo em conta a interpretação dada ao inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95, que concluiu pela impossibilidade de repasse de valores por titulares de cargos de direção e chefia.

Aliás, após a consolidação do entendimento sobre a interpretação dada pelo TSE ao art. 31, caput, inc. II da Lei n. 9.096/95, os tribunais eleitorais de todo o país, inclusive este TRE, passaram a julgar as contas partidárias com observância à vedação de contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum, da administração direta ou indireta, com poder de autoridade:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.3.2015, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.3.2015, p. 02.)

Recurso Eleitoral. Prestação de Contas Anual. Exercício 2012. Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Taquara. Contas desaprovadas. Preliminar de impugnação de documentos como prova válida. Exame remetido à análise da questão de fundo. Preliminar de cerceamento de defesa afastada, em face de haver, nos autos, comprovação de que o partido teve oportunidade de se manifestar sobre documentos acostados. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. Configuradas doações de fonte vedada. Servidores ocupantes de cargos demissíveis ad nutum.

Afastadas do cálculo do valor a ser recolhido ao Fundo Partidário as doações de assessores e procuradores jurídicos, os quais não são considerados autoridades. Deram parcial provimento ao recurso, apenas ao efeito de reduzir o valor recolhido ao Fundo Partidário.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 8303, Acórdão de 12.11.2014, Relator DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 207, Data 14.11.2014, p. 02.)

Dessa exposição, tem-se que, ao contrário do que defende o prestador, a norma é impositiva e possui eficácia erga omnes: detentor de cargos com poder de autoridade na administração pública direta ou indireta não pode repassar valores a partidos políticos, excepcionando-se apenas as hipóteses de eminente assessoramento, hipótese que não se encontra presente nos autos, pois evidente que a função de uma coordenadora de gabinete vai além do assessoramento, dado que coordena trabalhos de uma equipe.

Anoto também que, não obstante o ajuizamento da ADI perante o STF, buscando interpretação conforme a constituição para o termo autoridade, a ação não obteve deferimento de medida cautelar, encontrando-se em tramitação desde abril de 2016 (STF, ADI 5494 MC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20.04.2016, DJe-080 de 26.4.2016).

Além disso, não obstante a Lei n. 13.488/17 tenha recentemente introduzido alterações no texto da Lei dos Partidos Políticos, para o fim de considerar legítima a contribuição realizada por filiados - ainda que investidos em cargos públicos com poder de autoridade -, é assente a jurisprudência do TSE no sentido de que as inovações legislativas introduzidas na legislação eleitoral não se aplicam de forma retroativa, sob pena de afronta aos princípios da isonomia, da segurança jurídica e do tempus regit actum (Recurso Especial Eleitoral 1254-08, j. 20.9.2017, DJE de 09.10.2017, Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin).

Tenho, assim, que todos os argumentos expostos pelo recorrente não são suficientes para alterar a conclusão de desaprovação das contas nem a determinação de recolhimento da quantia arrecadada de fonte vedada ao Tesouro Nacional.

O valor de R$ 4.000,00 representa 29,96% do total de recursos recebidos pela agremiação (R$ 13.350,00).

Em relação à penalidade prevista, este Tribunal tem entendimento consolidado no sentido de aplicação da redação original da Lei n. 9.096/95 aos processos que já tramitavam na Justiça Eleitoral antes da publicação da Lei n. 13.165/15, que alterou diversas disposições até então previstas na Lei dos Partidos Políticos.

O inc. II do art. 36 da Lei n. 9.096/95 dispõe acerca da aplicação da sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, prevendo o prazo de um ano de suspensão.

Todavia, o TRE-RS, em reiterados julgados, tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, que, em sua redação original, prevê suspensão pelo período de 1 a 12 meses, quando o caso concreto revelar situações de menor gravidade, uma vez que há hipóteses em que a suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano não atende ao princípio da proporcionalidade.

No presente caso, não se mostra razoável que a agremiação sofra a grave penalização de suspensão de repasse de quotas por um ano, conforme determinado na sentença.

A jurisprudência do TSE tem assentado a possibilidade de redução do prazo de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, fixando-se período entre 1 a 12 meses, com base nos parâmetros da razoabilidade e do caso concreto, merecendo serem citados os seguintes precedentes: Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, DJE 19.9.2013, e Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 963587, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE 18.6.2013).

Além disso, na fixação do prazo de suspensão deve ser considerado o entendimento jurisprudencial de que o exame da prestação de contas não pode ficar adstrito apenas e tão somente ao percentual do montante arrecadado e ao total de despesas realizadas, impondo-se também a análise tomando como critério o valor nominal que ensejou a irregularidade (TSE, AI n. 54039, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 30.9.2015).

Na hipótese em tela, o período de suspensão pode ser mitigado, pois a irregularidade não representa valor expressivo em termos absolutos, razão pela qual a pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pode ser adequada para o período de três meses.

Essa penalidade mostra-se consentânea com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, os quais, segundo esta Corte e o TSE, devem nortear o julgamento das prestações de contas.

ANTE O EXPOSTO VOTO pelo parcial provimento do recurso tão somente para reduzir o período de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para três meses, nos termos da fundamentação, e considero prequestionados todos os dispositivos legais invocados pelo recorrente.