RE - 85017 - Sessão: 14/11/2017 às 17:00

 

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por CESAR LEANDRO MARMITT e JORGE ALFREDO SIEBENBORN, candidatos ao pleito majoritário em Cruzeiro do Sul nas Eleições 2016, em face da sentença da 29ª Zona Eleitoral - Lajeado que desaprovou as contas de campanha por violação ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, e determinou a restituição da importância de R$ 5.150,00 aos doadores, ou, na impossibilidade, o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional (fls. 85-86).

Nas razões do recurso (fls. 91-96), os recorrentes sustentam que os recursos são de fontes identificadas, não vedadas, tendo ocorrido apenas lapso formal. Argumentam que os valores são inexpressivos e que deve ser aplicado o princípio da insignificância, bem como os da proporcionalidade e da razoabilidade. Aduz que as falhas verificadas envolvem tão somente aspectos formais, não comprometendo a regularidade da prestação de contas, uma vez que o objetivo previsto na legislação foi devidamente alcançado. Requerem o acolhimento do recurso e a reforma da decisão para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso e pela determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional (fls. 103-105v.).

É o relatório.


 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão do recebimento de quatro doações - R$ 1.500,00, R$ 1.150,00, R$ 1.200,00 e R$ 1.300,00 – que totalizam a importância de R$ 5.150,00 por meio de depósito em espécie, sem observar a formalidade prevista no art. 18, §1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Tal norma, ao estabelecer a obrigatoriedade de que as doações financeiras superiores a R$ 1.064,10 sejam realizadas por transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, visa garantir a transparência na arrecadação de recursos para a campanha eleitoral.

Se por outro meio o candidato lograr êxito em demonstrar a captação lícita de recursos, tem-se por atendido o objetivo da regra. Nessa perspectiva, esta Corte tem flexibilizado o rigor do dispositivo supramencionado ao aceitar outros documentos que respaldem a doação, como, por exemplo, recibos bancários que demonstrem a simultaneidade do débito na conta-corrente da pessoa física com o crédito na conta de campanha.

O recorrente não se desincumbiu de comprovar a origem dos recursos nestes autos, havendo tão somente a afirmação de que as doações não são provenientes de fonte vedada.

Saliento que a mera aposição da inscrição no CPF no ato da operação bancária, porquanto essencialmente declaratória, não serve para atestar que o recurso repassado à campanha integrava efetivamente o patrimônio do doador, na hipótese em que a quantia excede o limite fixado como de pequeno valor (R$ 1.064,10) pela norma eleitoral.

Ressalto que a exigência normativa de realização de doação de campanha por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como o recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas e a desobediência aos limites de doação.

Diante desse quadro fático, o juízo a quo concluiu pela desaprovação das contas, juízo que entendo ser o adequado na hipótese.

Verifico que o valor da irregularidade identificada abrange 24,39% do somatório de recursos arrecadados (R$ 21.110,60).

Considerando tal percentual e o valor absoluto da irregularidade (R$ 5.150,00), é inviável adotar o entendimento esposado pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral e por esta Corte, que admite a superação de falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual frente a movimentação total, desde que evidenciada a boa-fé do prestador e verificada a ausência de prejuízo à confiabilidade das contas, mediante a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A sentença também determinou a restituição dos valores aos doadores, nestes termos:

CONDENO os prestadores das contas a restituirem os seguintes valores aos respectivos doadores: R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) ao doador CESAR LEANDRO MARMITT, CPF nº 528.558.730-34; R$ 1.150,00 (um mil, cento e cinquenta reais) ao doador LEANDRO LUIS JOHNER, CPF nº 650.179.600-82; R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) ao doador JOSUE GOMES, CPF nº 012.835.220-55; R$ 1.300,00 (um mil e trezentos reais) ao doador ENIO LUIZ AZEVEDO, CPF nº 164.486.930-68.

Na impossibilidade de restituição dos valores aos seus respectivos doadores, deverão os prestadores das contas promover o recolhimento do valor total de R$ 5.150,00 (cinco mil, cento e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

[...]

Com o trânsito em julgado, intimem-se os prestadores das contas para que promovam, no prazo de 5 (cinco) dias, a restituição dos valores referidos aos doadores, ou, na impossibilidade, o seu recolhimento ao Tesouro Nacional, por meio de GRU, sob pena de encaminhamento das informações à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União para fins de cobrança, nos termos do art. 26, § 2º, da Resolução TSE nº 23.463/2015.

Em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral se posiciona no sentido de que a utilização, por parte dos candidatos, dos valores recebidos em desacordo com o art. 18, §1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, deve implicar a condenação ao recolhimento da importância ao Tesouro Nacional.

No entanto, observo que, inobstante a posição adotada pelo juízo originário não estar alinhada com a que vem sendo adotada por esta Corte, a sentença recorrida está devidamente fundamentada.

Nesta situação, o que ocorre é divergência do órgão ministerial com a interpretação dada à norma pelo juiz eleitoral.

Veja-se que não se trata de uma omissão do juiz em determinar o recolhimento imposto para as doações de origem não identificada. Ao contrário, houve ordem de restituição dos valores aos doadores, interpretação possível do § 3º do art. 18 já mencionado.

Nesta hipótese, a decisão apenas poderia ser alterada mediante recurso do fiscal da lei (que foi devidamente intimado da decisão – fls. 98), e não em sede de recurso exclusivo do prestador. Nesse sentido, colaciono precedentes do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/1997. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. CASSAÇÃO DE DIPLOMA E MULTA. EFEITO DEVOLUTIVO E TRANSLATIVO DO RECURSO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo provido para melhor análise do recurso especial eleitoral.

2. O juiz eleitoral julgou procedente o pedido formulado na representação por violação ao art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, mas aplicou apenas a sanção de multa. Recurso dos autores da representação (os réus, candidatos eleitos, não

recorreram da sentença condenatória). A conclusão Regional encontra-se em harmonia com o entendimento do TSE, pois o efeito devolutivo do recurso (tantum devolutum quantum appellatum) autoriza que o Tribunal analise as matérias que foram efetivamente impugnadas pelo recurso, razão pela qual não era possível ao Tribunal a quo apreciar a presença ou não dos requisitos configuradores do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, mas apenas a questão envolvendo a cumulatividade ou não das sanções (multa e/ou cassação de diploma), única matéria devolvida no recurso interposto pelos autores da representação.

3. A questão não envolve o efeito translativo do recurso, porque este encontra limites no próprio recurso eleitoral interposto, não alcançando a matéria de fundo não impugnada - qualificação dos fatos como captação ilícita de sufrágio -, pois, segundo jurisprudência do STJ, "o efeito translativo da apelação, insculpido no artigo 515, § 1º, do CPC, aplicável geralmente às questões de ordem pública, não autoriza o conhecimento pelo julgador de matérias que deveriam ter sido suscitadas pelas partes no momento processual oportuno por força do princípio dispositivo do qual decorre o efeito devolutivo da apelação que limita a atuação do Tribunal às matérias efetivamente impugnadas" (REsp nº 1.484.162/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24.2.2015).

4. Recurso desprovido.

(Agravo de Instrumento nº 32118, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 22/03/2017, Página 100-101)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM. DESPROVIMENTO.

1. A atividade cognitiva do tribunal ad quem está adstrita aos limites impostos pelo objeto recursal, sob pena de violação ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum.

2. Não havendo recurso do autor da representação, a discussão atinente às propagandas veiculadas nos outdoors referidos na petição inicial, e não consideradas pela sentença, restou preclusa, sendo acobertado pela coisa julgada o

capítulo decisório não impugnado.

3. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 9565, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 05/02/2014)

Assim, considerando que as doações impugnadas não foram devidamente identificadas, deve ser mantida a sentença que desaprovou as contas de campanha e determinou a restituição dos depósitos aos doadores, ou, na impossibilidade, o recolhimento da importância de R$ 5.150,00 ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a sentença em todos os seus termos.