E.Dcl. - 54036 - Sessão: 24/10/2017 às 14:30

RELATÓRIO

FREDERICO FREIRE FIGUEIRÓ opôs embargos de declaração (fls. 274-278) da decisão que, nos autos de representação eleitoral relativa ao pleito municipal de 2016 em Xangri-Lá, proveu parcialmente o recurso interposto para reformar a sentença e afastar a multa aplicada – pelo cometimento de conduta vedada, a teor do art. 73, inc. VII e § 4º da Lei n. 9.504/97 –, mantendo, no entanto, a multa por litigância de má-fé no montante de R$ 1.874,00.

Aduziu a existência de erro material, com julgamento extra petita, por ter constado, na ementa do acórdão embargado, a prática de adulteração documental de contrato, o que não teria ocorrido. Pugnou pelo provimento dos embargos, para que seja sanado o erro material aventado. Requereu manifestação sobre o prequestionamento da matéria realizado nos aclaratórios.

Após, vieram os autos a mim conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Os embargos declaratórios são tempestivos e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual os conheço.

No mérito, inicialmente consigno que os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que emergem do acórdão, nos termos do art. 275, inc. II, do Código Eleitoral.

Para perfeita elucidação da tese lançada, transcrevo os argumentos lançados pelo embargante (fls. 275 e v.):

[…]

Excelência, em que pese a respeitabilidade da decisão, a mesma é extra-petita, pelo simples fato de condenar além da imputação a que o objeto que a representação eleitoral se trata, ou seja, o acórdão regional, não afastou a multa de litigância de má-fé, e condenou o Embargante por adulteração documental, como consta na ementa do julgado, senão vejamos:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. PRELIMINAR. NULIDADE. SENTENÇA EXTRA PETITA. AFASTADA. MÉRITO. DESPESA COM PROPAGANDA INSTITUCIONAL. MONTANTE SUPERIOR À MÉDIA DOS PRIMEIROS SEMESTRES DOS TRÊS ANOS ANTERIORES. INOCORRÊNCIA. PUBLICIDADE LEGAL. ART. 73, INC. VII e § 4º, DA LEI N. 9.504/97. PARCIAL PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO DA MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ELEIÇÕES 2016.

1. Preliminar de nulidade afastada. Sentença exarada dentro dos limites da lide, sem extrapolação ao pedido inicial.

2. São proibidos aos agentes públicos realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade institucional que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito.

3. Distinção entre gastos com publicidade institucional, destinada a divulgar os feitos de determinada administração, da publicidade legal, aquela necessária e imprescindível para atuação regular da administração pública, impostas por lei, tais como a publicação de atos oficiais e convocações.

4. Identificados gastos com publicidade institucional no primeiro semestre de 2016 acima da média dos primeiros semestres dos anos de 2013, 2014 e 2015. A natureza legal das peças publicitárias veiculadas no Jornal “Matéria de Capa” leva à redução de valores atribuídos como propaganda institucional. Não ultrapassada a média de gastos dos primeiros semestres dos últimos três anos.

5. Parcial provimento. Multa afastada. Mantido, todavia, o sancionamento decorrente da litigância de má-fé, por adulteração documental. (Grifo meu.)

Neste sentido, tal condenação, foi imposta sem sequer ser ofertado ao Embargante, a oportunidade de defender-se, sobre o delito a que foi imputado no acórdão regional, afrontando claramente os dispositivos constitucionais.

Tal condenação de forma extra-petita, por adulteração documental, sem sequer ofertar ao Embargante a possibilidade do contraditório e ampla defesa, ultrapassa os limites da lide.

Assim, por se tratar de decisão extra-petita, é plenamente cabível, a oposição de Embargos de Declaração.

Apenas para manter o amor para o debate, antes de condenar o Embargante pela adulteração documental, o que não é o caso pois, não houve adulteração, deve se analisar também que o documento, não possui força para provar fato jurídico relevante, pois, efetivamente os gastos foram somente com publicidade legal, como referido que foram “satisfatoriamente comprovados”, não lesando portanto o bem jurídico tutelado.

(Grifos no original.)

Conforme se infere, a peça apresentada não se ajusta aos fins do recurso a que se refere, pois, na verdade, consiste em divergência quanto ao entendimento de fundo adotado na decisão embargada.

De ver que a má-fé da parte decorre de um juízo valorativo das condutas por ela praticadas. É constatada pelo julgador a partir de elementos contidos nos autos.

No caso vertente, o recorrente teve amplo conhecimento e a possibilidade de manifestar-se sobre a sucessão dos fatos da Representação.

Ao apresentar embargos declaratórios e documentos em face da sentença subjacente recorrida, sobreveio decisão pela rejeição, que igualmente reconheceu a litigância de má-fé em razão da colação, naquele momento, de documento modificado.

Em ato contínuo, o recorrente teve a oportunidade de arrolar os argumentos pelos quais entendia indevida a condenação por má-fé; como de fato o fez, devolvendo a este Tribunal o crivo sobre a matéria. O Ministério Público Eleitoral de origem, a seu turno, em contrarrazões, opinou no mesmo sentido, isto é, pela aplicação das penas por litigância de má-fé.

Nesse passo, no âmbito de incidência do princípio da não surpresa oriundo da conjunção dos arts. 9º e 10º do Código de Processo Civil (CPC), não há se falar em evitar-se surpresa quando o caso trata tão somente de fatos realizados no âmbito do processo pela própria parte, mormente quando inexiste inovação de tese jurídica em torno da matéria.

A questão em si gira em torno de fatos, não sendo razoável determinar o retorno dos autos à primeira instância para a repetição do quanto já manifestado.

Nesse sentido, a jurisprudência do STF já entendeu que o reconhecimento da litigância de má-fé não ofende o princípio do contraditório, o qual subjaz o princípio da não surpresa:

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - ACESSO AO JUDICIÁRIO. A litigância de má-fé não inibe, em si, o acesso ao Judiciário. Ao reverso, pressupõe-no, sendo o meio de obstaculizar manobras extravagantes. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - CONTRADITÓRIO. A litigância de má-fé não sugere abertura de fase visando ao pronunciamento da parte, decorrendo dos elementos contidos nos autos, afigurando-se dispensável, até mesmo, a provocação do interessado. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - APRECIAÇÃO. O recurso extraordinário, de caráter essencialmente técnico, é examinado dentro das balizas reveladas pelas razões do recorrente, mostrando-se defeso adentrar matéria nelas não contida, como é o caso da ausência de fundamentação do acórdão impugnado.

(Supremo Tribunal Federal. AI 272911 AgR, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 18.12.2000, DJ 06-04-2001 PP-00075 EMENT VOL-02026-11 PP-02356.)

Nessa mesma senda, colho recente aresto deste Tribunal:

Recurso. Representação. Propaganda eleitoral. Fotografia parcial do material. Inverdade. Litigância de má-fé. Art. 80, incs. II, III e VI, do Código de Processo Civil. Eleições 2016.

1. Configura litigância de má-fé o uso de fotografia que não condiz com a realidade, com o propósito de inibir o direito de propaganda eleitoral. Alteração da verdade dos fatos mediante a instrução dos autos com reproduções fotográficas parciais do material original de publicidade. Fotos que omitem as informações obrigatórias previstas no art. 38, § 1º, da Lei n. 9.504/97, com intuito de revelar a suposta ilicitude na propaganda de campanha dos representados. Caracterizado o dolo na conduta. Incidência da litigância de má-fé.

2. Não há se falar em evitar-se surpresa quando o caso trata tão somente de fatos realizados no âmbito do processo pela própria parte, mormente quando inexiste inovação de tese jurídica em torno da matéria. Ademais, não evidenciada a ocorrência de prejuízo no exercício do direito de defesa do recorrente durante a tramitação do feito. Demonstrado o conhecimento e possibilidade de manifestação sobre os fatos da representação, inclusive com relação à litigância de má-fé. Não requerido pela parte o retorno dos autos à origem para saneamento. Elementos contextuais que autorizam a manutenção da sentença.

Provimento negado.

(RE 264-13 – Rel. Des. Carlos Cini Marchionatti – J. Sessão de 9.5.2017.)

Outro aspecto processual que merece atenção, a meu ver, é o de que o ora embargante não requereu o retorno dos autos à origem, para saneamento, ao interpor o recurso principal. Pelo contrário, o recorrente foi enfático em sua irresignação ao postular, no aspecto, o afastamento da condenação em tela (fl. 150):

II – no mérito, o provimento do presente Recurso, com o fito de afastar a litigância de má-fé, nos termos acima expostos, bem como a multa estabelecida no artigo 73, inciso VII da Lei 9504/97;

III – caso não seja o entendimento de afastar a multa do artigo 73, inciso VII da Lei 9504/97, requer o representado, o afastamento da litigância de má-fé, tendo em vista o Representado, não ter agido com dolo e tampouco com o intuito de induzir o juízo a erro.

O recorrente tampouco demonstrou a ocorrência de prejuízo no exercício do seu direito de defesa, até porque, faço questão de ressaltar, a discussão gira em torno de documento apresentado no processo, pelo ora embargante, após a sentença, inexistindo possibilidade de se estender a cognição da matéria para além desse viés.

Assim, é de rigor reconhecer que a questão de fundo trazida nos aclaratórios foi apreciada no acórdão embargado, o qual foi lançado de forma fundamentada, com as razões, suficientes, ao convencimento do Pleno desta Corte. Veja-se (fls. 264-69v.):

[…]

Nada obstante, já no condizente à condenação do recorrente ao pagamento de multa por litigância de má-fé, tenho que razão não lhe assiste.

O juízo singular condenou o representado por litigância de má-fé, no valor de R$ 1.874,00 (um mil, oitocentos e setenta e quatro reais), ao apreciar os embargos de declaração (fls. 129-33). Assim:

[…] Compulsando os presentes autos, por oportuno, verifico presente grave irregularidade processual perpetrada pelo embargante, consistente em prática de litigância de má-fé.

Em que pese o contrato juntado pelo embargante (fls. 117/118) dando conta que o objeto do Contrato 03/2016 seria “a contratação de empresa jornalística, de tiragem semanal para publicação de extratos de editais, atos oficiais e demais atos permanentes a licitações e contratos”, este Juízo, conforme já referido, consultou o conteúdo do Contrato 03/2016, já que a classificação da despesa relativa àquele contrato poderia alterar a decisão na representação.

Conforme informação disponível no Portal da Transparência do Sítio oficial da Câmara de Xangri-Lá (última modificação em 23.3.2016 às 17h28min), em consulta realizada antes da prolação da sentença de fls. 106/109, foi verificado que o objeto do Contrato 03/2016 é “a contratação de empresa jornalística, de tiragem semanal para publicação dos atos do legislativo”, e não o objeto conforme descrito na fl. 117, o qual faz referência à publicidade legal.

Desta forma, verifico que da comparação do contrato juntado pelo embargante com a versão publicada na página oficial da Câmara de Xangri- Lá há uma clara discrepância entre o objeto do Contrato 03/2016, tendo desta forma aquele praticado litigância de má-fé, nos termos do art. 80, inc. II, do Código de Processo Civil, porquanto juntou documento modificado a fim de alterar a verdade dos fatos, com o objetivo de induzir o julgador em erro.

Com isso, a rejeição dos embargos é medida imperativa, bem como a condenação do embargante à multa, por litigância de má-fé, a qual fixo em R$ 1874,00 (mil oitocentos e setenta e quatro reais), correspondente a dois salários mínimos nacionais, nos termos do art. 81, §2º, do CPC, considerando que não há valor da causa. […] (Grifos no original)

Com efeito, constata-se que o documento juntado pelo recorrente (fls. 117-118), por ocasião dos embargos de declaração, opostos em face da sentença de primeiro grau, diverge no seu conteúdo do documento disponibilizado no portal da transparência do sítio oficial da Câmara de Xangri-Lá (fls. 135-136).

O recorrente aduziu que “[…] digitalizou os documentos de fls. 117-127 diretamente do processo de contratação, bem como dos processos administrativos de pagamentos, apresentados pela Câmara […]” (fls. 141-151). Afirmou que não houve má-fé ou dolo – imputando a algum erro formal no processo de publicação, por parte do órgão – e que não alterou a verdade dos fatos, tratando-se os gastos de natureza legal, e não institucional. Postulou, em decorrência, e exclusivamente, o afastamento da penalidade de litigância de má-fé.

Todavia, comparando-se os contratos de fls. 117-118 e 135-136, identifiquei terem sido ambos os documentos digitalizados e assinados, com inequívoca semelhança na aposição das respectivas rubricas e assinaturas, permitindo concluir que se trata do mesmo documento.

O recorrente, assim, não demonstrou o alegado erro de publicação pela Câmara Municipal de Xangri-Lá, ou ainda a autenticidade ou a origem do documento “obtido diretamente do processo de contratação”.

Nesse contexto, agrego que o reconhecimento da natureza de gasto como publicidade legal – satisfatoriamente demonstrada, e conforme anteriormente exposto – não prejudica o reconhecimento da litigância de má-fé pela adulteração da redação de documento interligado com os fatos subjacentes.

Portanto, tem-se que foi juntado aos autos documento modificado, com o objetivo de induzir o juízo em erro, razão pela qual, nesse contexto, e ausente causas modificadoras do quanto arbitrado, deve ser mantida a multa aplicada com fulcro no art. 80, inc. II e art. 81, § 2º, do Código de Processo Civil.

(Grifos no original.)

Isso equivale a dizer que os presentes embargos revestem-se da tentativa de rediscussão da matéria, hipótese que não encontra abrigo nesta espécie recursal.

Nesse sentido a jurisprudência:

Embargos de declaração. Ação de investigação judicial eleitoral. Improcedência. Omissão e contradição. Art. 275, inc. II, do Código Eleitoral. Ausentes os vícios para o manejo dos aclaratórios. Inexistente omissão ou contradição a ser sanada. Decisão devidamente fundamentada, na qual debatidos os pontos trazidos pelo embargante.

Tentativa de rediscussão da matéria já apreciada, o que descabido em sede de embargos. Rejeição.

(TRE-RS – E.Dcl. 301-12.2016.6.21.0092 – Rel. DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI – J. Sessão de 11.5.2017.)

Embargos de declaração. Acórdão que negou provimento a recurso contra sentença de procedência em representação por doação para campanha acima do limite legal.

Alegada ocorrência de contradição e obscuridade no exame de matéria essencial ao deslinde da controvérsia. Descabimento da tese invocada e impossibilidade de inovação temática em sede de embargos.

Enfrentamento de todas as questões necessárias ao deslinde da questão.

Desacolhimento.

(TRE-RS – RE n. 6210 – Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – J. Sessão de 10.7.2012.)

Ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável à espécie. [...]

(STJ – REsp 521120 – Rel. Min. Nancy Andrighi – 3ª Turma – DJE de 5.03.2008.)

Ademais, acerca do requerimento de análise dos prequestionamentos suscitados na peça dos embargos – especificamente o art. 5º, incs. LIV e LV da Constituição Federal, e art. 80, inc. II c/c art. 81, § 2º, do CPC –, entendo suficiente consignar a redação do art. 1.025 do CPC, segundo a qual “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Logo, por não vislumbrar razões para o acolhimento pleiteado, a decisão embargada deve ser mantida nos seus exatos termos.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e pela rejeição dos embargos declaratórios opostos por FREDERICO FREIRE FIGUEIRÓ.