RE - 50257 - Sessão: 17/10/2017 às 17:00

VOTO-VISTA

Submeto a julgamento voto-vista, nos autos do RE 502-57, da relatoria do eminente Desembargador Jamil Andraus Hanna Bannura, relativo ao recurso interposto por MIRO JESSE contra a sentença que julgou procedente a representação por captação ilícita de sufrágio ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para o fim de cassar o seu diploma de vereador eleito do Município de Santa Rosa, obtido no pleito de 2016, e condená-lo ao pagamento de multa de mil UFIRs, por prática de captação ilícita de sufrágio – art. 41-A da Lei n. 9.504/97 –, mediante aliciamento do voto do eleitor Janderson Jahn.

O julgamento foi iniciado em 10.10.2017, com a oitiva do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral e a apresentação de sustentação oral pela defesa.

Pedi vista antecipada dos autos diante dos judiciosos argumentos suscitados da tribuna insurgindo-se contra a sentença, alegando a precariedade da prova produzida e a situação de correligionário e apoiador de campanha do eleitor supostamente aliciado.

Após atenta análise do caderno probatório, e sempre com muito respeito ao pensamento em sentido contrário, submeto ao Tribunal os seguintes fundamentos, que podem contribuir com o debate sobre o caso concreto.

O recorrente Miro Jesse, campeão de votos para o cargo de vereador de Santa Rosa na eleição de 2016, eleito com 2.768 votos, foi acusado e condenado por corromper o sufrágio de Janderson Jahn (fls. 216-226v.), com base na interceptação de uma conversa telefônica (fls. 17-26) efetuada pela Promotoria Eleitoral de Santa Rosa e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), a partir de uma certidão (fl. 13) exarada pelo Chefe de Cartório da 42ª Zona Eleitoral narrando o recebimento de denúncias anônimas de compra de votos.

De plano, assento a ilicitude dessa prova.

É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que deve ser considerada nula a interceptação telefônica deflagrada exclusivamente com base em denúncias anônimas, circunstância ocorrida nos autos. Precedentes:

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA ANÔNIMA. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. MEDIDA DETERMINADA EXCLUSIVAMENTE COM BASE NA INFORMAÇÃO APÓCRIFA. DILIGÊNCIAS PRELIMINARES NÃO REALIZADAS. PACIENTE DENUNCIADO E CONDENADO COMO INCURSO NO ART. 37 DA LEI Nº 11.343/06.CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ART. 5º, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. Conforme entendimento desta Corte Superior de Justiça, em razão da vedação constitucional ao anonimato, as informações de autoria desconhecida não podem servir, por si sós, para embasar a interceptação telefônica, a instauração de inquérito policial ou a deflagração de processo criminal. Admite-se apenas que tais notícias levem à realização de investigações preliminares pelos órgãos competentes. 2. Hipótese em que a notícia anônima foi o único dado que serviu para embasar a interceptação telefônica do paciente. O teor das conversas obtidas em dois dias de quebra de sigilo resultou na prisão cautelar do paciente, na denúncia e na condenação por crime outro que não o objeto inicial da investigação. 3. A mera juntada aos autos dos dados pessoais do paciente, notadamente os constantes no banco de dados do Departamento Nacional de Trânsito, não satisfaz a exigência de investigação preliminar para fins de quebra do sigilo telefônico baseada em informação anônima. 4. A interceptação telefônica fundada exclusivamente em denúncia anônima é absolutamente nula, em razão da vedação constitucional ao anonimato, consubstanciada no art. 5º, IV, da Carta Magna. 5. Ordem concedida para declarar nula a prova resultante dai interceptação telefônica, com a consequente anulação da sentença condenatória. Afastada a prova ilícita, deve o magistrado singular proferir nova sentença, garantindo-se ao paciente o direito de aguardar em liberdade, se por outro motivo não estiver preso.

(STJ - HC: 94546 RJ 2007/0269508-8, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 18.11.2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07.02.2011.) (Grifei.)

 

RECURSO CRIMINAL - CRIME ELEITORAL - CAPTAÇÃO ILICITA DE SUFRAGIO - QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO - MEDIDA DETERMINADA EXCLUSIVAMENTE COM BASE NA INFORMAÇÃO APÓCRIFA - CÓPIA DE LISTA - DILIGÊNCIAS PRELIMINARES NÃO REALIZADAS - PROVAILÍCITA - INQUERITO POLICIAL - PROVAS NÃO CONFIRMADAS EM JUÍZO - SENTENÇA CONDENATÓRIA - INFRINGÊNCIA ARTIGO 155, CÓDIGO PROCESSO PENAL - SENTENÇA NULA - DOUTRINA DOS FRUTOS DA ARVORE ENVENENADA - ABSOLVIÇÃO DO RÉU - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 386,II/CPP - RECURSO PROVIDO. 1. A interceptação telefônica fundada exclusivamente em denúncia anônima é absolutamente nula, em razão da vedação constitucional ao anonimato, consubstanciada no art. 5º, IV, da Carta Magna. 2. Na linha da jurisprudência pátria, as informações de autoria desconhecida não podem servir, por si sós, para embasar a interceptação telefônica, a instauração de inquérito policial ou a deflagração de processo criminal. Admite-seapenas que tais notícias levem à realização de investigações preliminares pelos órgãos competentes. 3. Em razão da comunicabilidade da ilicitude da prova originária a todas as demais dela decorrentes, com suporte na doutrina dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), não remanescem outras provas de modo a sustentar uma condenação. 4. Não havendo prova da existência do fato, impõe-se a absolvição do réu, nos termos do artigo 386, II do Código de Processo Penal.

(TRE-MT - RC: 265170 MT, Relator: ANDRÉ LUIZ DE ANDRADE POZETTI, Data de Julgamento: 21.6.2012, Data de Publicação: DEJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 1151, Data 28.6.2012, Página 2-5.) (Grifei.)

Firmou-se a orientação de que a autoridade policial, ao receber uma delatio criminis anônima, deve realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa “denúncia” são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações.

Tal raciocínio alinha-se ao disposto no art. 2º da Lei n. 9.296/96, verbis:

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

A ilicitude apresenta-se mais evidente porque as supostas denúncias sequer foram juntadas aos autos. A mera referência ao fato acarretou, de imediato, a interceptação das conversas telefônicas do candidato, sem prévia colheita de indícios acerca da possível prática de infração penal, de sorte a desencadear medidas cautelares de maior peso.

Sobressai, dessa forma, a existência de manifesta nulidade do procedimento.

A prova colhida ao longo da instrução é por demais exígua, pois consiste na oitiva de dois informantes: o próprio eleitor alegadamente corrompido e um amigo do candidato. Além disso, a nulidade apontada é vício que contamina todas as demais provas vinculadas à prova ilícita, por adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada.

A ilicitude de provas por derivação ou "doutrina dos frutos da árvore envenenada", como é mais conhecida, oriunda do direito americano, pressupõe a presença de três elementos: a) uma ação ilegal de um policial ou de alguém atuando como se fora policial; b) uma prova obtida por tal pessoa; c) o nexo causal entre a ação ilegal e a obtenção da prova (FREITAS, Marcio Luiz Coelho de Freitas. A prova ilícita por derivação e suas exceções. Revista Eletrônica da Seção Judiciária do Distrito Federal, v. 19, p. 3, 2011. Também disponível em: <http://www2.tjam.jus.br/esmam/index.php?option=com_content&view=article&id=221:a-prova-ilicita-por-derivacao-e-suas-excecoes&catid=70:artigos-academicos&Itemid=116> Acesso 11 outubro 2017).

No caso concreto, tendo em conta que a prova nula foi a primeira a ser produzida no curso das investigações, está suficientemente demonstrada a existência de nexo causal para anular toda a instrução probatória.

Dessa forma, à míngua de demais elementos de convicção, VOTO, preliminarmente, pela declaração da ilicitude e da nulidade da interceptação telefônica contida no procedimento investigatório criminal das fls. 06-54 e, no mérito, pela reforma da sentença para o fim de julgar improcedente o pedido condenatório, nos termos da fundamentação.