RE - 3897 - Sessão: 11/10/2017 às 17:00

VOTO-VISTA

Trata-se de recurso interposto por TAMARA LOPES LEMES e VANESSA ARMILIATO DE BARROS em face da decisão da Juíza da 74a Zona Eleitoral de Alvorada que, nos autos de Notícia-Crime, indeferiu pedido de fixação de honorários (fl. 34) após terem atuado nas defesas de Elaine Gabriele Zanchi da Silva, Roselaine Quadros Leal e Cheyene Ferreira de Caldas, durante audiência preliminar (art. 72, Lei n. 9.099/95) realizada após prisão em flagrante no dia da eleição municipal de 2016, na qual houve aceite de proposta de transação penal (fl. 13).

Em suas razões, afirmam terem sido nomeadas como defensoras dativas das autoras do fato porque estavam nas dependências do Foro na data do pleito, e devido à ausência de sede da Defensoria Pública da União no Município de Alvorada. Alegam ter aceitado o encargo e desempenhado trabalho com zelo e apreço. Invocam precedentes que reconhecem o cabimento de honorários a advogado que presta serviço como defensor dativo. Ponderam que, em pleno domingo, propuseram-se a trabalhar na garantia de um processo justo e válido, com observância da ampla defesa, sendo devida a remuneração. Postulam a fixação de honorários com base na tabela da Ordem dos Advogados do Brasil (fls. 38-43).

Iniciado o julgamento em 03.10.2017, pedi vista dos autos, após o voto do Ilustre Relator, Des. Jorge Luís Dall'Agnol, que negou provimento ao recurso por ausência de prova da nomeação para exercício de advocacia dativa e determinou a retificação da autuação do feito para a classe PET.

É o relatório.

 

Analisei com atenção o processo e passo a tecer algumas considerações sobre o recurso interposto.

A digna julgadora monocrática e o nobre Desembargador Relator, assim como os órgãos do Ministério Público Eleitoral no primeiro e no segundo graus de jurisdição, reconheceram que as recorrentes atuaram como advogadas quando da audiência preliminar em tela, realizada em outubro de 2016, dia da eleição.

Os honorários por serviço dativo somente não foram fixados diante da falta de prévia nomeação realizada pelo juízo a quo, de registro dessa circunstância na ata da audiência, ou de certidão apontando o fato. Nada há no processo sobre o chamamento da Justiça Eleitoral para que as advogadas recorrentes exercessem advocacia dativa, tampouco há registro de que tenha havido requerimento nesse sentido por parte das assistidas.

A juíza eleitoral que presidiu o ato foi categórica ao afirmar que as advogadas não foram por ela nomeadas para atuar como defensoras dativas, e as recorrentes limitam-se a insistir terem sido nomeadas, sem esclarecer de que maneira isso ocorreu ou quem as designou.

Em verdade, do exame atento dos autos, conclui-se que, em nenhum momento, as recorrentes foram tratadas como defensoras no feito, seja pela Justiça Eleitoral, seja pelas próprias assistidas. Não houve cadastro de advogados na autuação, e todas as intimações realizadas no curso da tramitação foram feitas por carta e enviadas ao endereço das próprias noticiadas. Nenhuma intimação foi dirigida às recorrentes por publicação de nota de expediente, e as advogadas não realizaram qualquer peticionamento dirigido à defesa das autoras do fato.

Após a certificação de descumprimento da primeira proposta de transação penal oferecida a Elaine Gabriele Zanchi da Silva e Cheyene Ferreira de Caldas, na modalidade de prestação de serviços à comunidade (fl. 18), a intimação das noticiadas deu-se pessoalmente e pelos Correios, sem expedição de nota para as recorrentes (fls. 19-20). As intimações posteriores, igualmente, deram-se por carta ao endereço das autoras (fls. 26-27).

Chama atenção a existência de petições realizadas à caneta pelas autoras, quando do comparecimento ao cartório eleitoral. O requerimento pela alteração da prestação de serviços à comunidade – inicialmente proposta a Elaine Gabriele Zanchi da Silva – para pagamento de prestação pecuniária de R$ 400,00, foi realizado de próprio punho pela parte, e não pelas recorrentes na condição de advogadas (fl. 22).

Demais disso, ao mesmo tempo em que se pleiteava a fixação de honorários pela alegada designação dativa (fls. 28-29 e 31-32), estava o juízo propondo a intimação de Cheyene Ferreira de Caldas por intermédio de oficial de justiça, em face do descumprimento da transação acordada (fl. 34). Por igual, no momento em que foi juntado ao feito o presente recurso (fls. 38-43), também estava o juízo tentando realizar a intimação pessoal de Elaine Gabriele Zanchi da Silva, que não foi localizada para início do pagamento da prestação pecuniária acordada.

Todos esses elementos, somados, levam à conclusão de que as recorrentes, embora tenham efetivamente participado da audiência preliminar, não foram nomeadas e nem tomadas como advogadas dativas das noticiadas.

Nos precedentes invocados no recurso houve expressa designação de advogado dativo pelo juiz, mas após a pertinente indicação realizada pela OAB. Os julgados não servem de paradigma para o caso em comento, pois as recorrentes não foram apresentadas para atuar no processo pela Subseção da OAB-RS em Alvorada.

A indicação cabe à Ordem dos Advogados, por suas seções estaduais ou subseções. Apenas nos municípios em que não existem subseções da OAB, o próprio juiz faz a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado.

Sequer foi solicitada uma certidão narratória sobre o chamamento das recorrentes para acompanhar a audiência. Não foi apresentado qualquer elemento que pudesse contribuir como mínimo indício de que as advogadas foram designadas para atuação como dativas a pedido das partes ou da Justiça Eleitoral.

Tudo leva a crer que se trata de comparecimento espontâneo para a realização de defesa, situação que não implica nomeação para atuação na advocacia dativa, dada a autorização de trabalho pro bono - prevista no Novo Código de Ética (art. 30 da Resolução 02/15 do Conselho Federal da OAB) -, e a falta de menção à hipossuficiência das partes nos autos do feito.

Consignar que o exercício da defesa voluntária está sendo solicitado ou exercido em razão de insuficiência econômica é fundamental pois, conforme parágrafo único do art. 263 do CPP, o acusado que não for pobre será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo. Veja-se:

Art. 263. Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação.

Parágrafo único. O acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz.

Na hipótese em tela, a situação de pobreza das assistidas fica, em princípio, mitigada pelo fato de a transação penal ter sido acordada na forma de prestação pecuniária de R$ 400,00 (quatrocentos reais) para cada uma das noticiadas (fls. 13-25).

Dessa forma, caso os honorários fossem fixados pelo Tribunal, as recorrentes deveriam direcionar o procedimento de cobrança às autoras do fato que foram assistidas durante a audiência preliminar pois, apenas se demonstrada a hipossuficiência esse ônus caberia à União.

Todavia, essa não parece ser a melhor solução para o caso, considerando os fundamentos anteriormente expostos.

Também não é possível entender ter havido atuação ad hoc por ordem do juízo, pois essa circunstância ocorre apenas quando do não comparecimento do advogado previamente constituído e, além disso, a questão deve ser registrada em ata, cartório ou secretaria, não tendo as recorrentes apresentado documento nessa direção.

Importa ressaltar, quanto ao entendimento pela desnecessidade de defesa técnica na audiência preliminar realizada no âmbito dos juizados especiais criminais – referido pela juíza a quo e pelo agente ministerial junto à origem – o conteúdo do art. 133 da Constituição Federal, segundo o qual o advogado é indispensável à administração da justiça.

Cito ainda o art. 261 do Código de Processo Penal, ao dispôr que nenhum acusado será processado sem defensor.

Na audiência preliminar, em que o autor do fato aceita ou recusa a proposta de transação penal, é obrigatória a presença de advogado de defesa, sob pena de nulidade por inequívoco prejuízo, conforme disposto no art. 72 da Lei n. 9.099/95:

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. (Grifei).

Sobre a necessidade de presença de defesa técnica para garantia do princípio da ampla defesa e do contraditório, mesmo em se tratando de fase pré-processual, colho a lição de Guilherme de Souza Nucci (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, RT, 5ª ed., p. 53):

Presença dos advogados: buscando-se resguardar a garantia constitucional da ampla defesa, bem como o direito de ação, impõe-se a presença dos advogados, tanto do autor do fato quanto da vítima. Ambos devem ser cientificados quando da intimação para o comparecimento, do direito de se fazerem acompanhar por advogado. Não sendo possível, por variadas razões, inclusive de ordem financeira, deve o Estado encarregar-se de designar um defensor para o autor do fato e um advogado para tutelar os interesses do ofendido. A idéia é resguardar a ampla defesa, no tocante ao autor do fato. Seria ele assistido pelo defensor para que compreenda o alcance da conciliação, envolvendo o compromisso de reparação do dano, mas, também – e fundamentalmente – o conteúdo da transação eventualmente proposta pelo Ministério Público. (Grifei).

Segundo Damásio de Jesus, o princípio da ampla defesa pressupõe a igualdade das partes em sentido amplo, “não havendo como admitir-se uma acusação técnica em confronto com uma defesa leiga” (Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 53-54).

É abundante a jurisprudência no sentido de que a ausência de designação de advogado para acompanhamento de audiência preliminar é causa de nulidade absoluta do processo. Nesse sentido, colaciono precedente do Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. AUDIÊNCIA PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO E DE DEFENSOR PÚBLICO. NULIDADE.

Os artigos 68, 72 e 76, § 3º, da Lei nº 9.099/95 exigem, expressamente, o comparecimento do autor do fato na audiência preliminar, acompanhado de seu advogado ou, na ausência deste, de Defensor Público. A inobservância desses preceitos traduz nulidade absoluta. Hipótese em que o paciente não foi amparado por defesa técnica nem lhe foi nomeado Defensor Público na audiência preliminar na qual proposta a transação penal. Ordem concedida. 

(STF, Habeas Corpus n. 88797/RJ, 2ª Turma do STF, Rel. Eros Grau. j. 22.8.2006, unânime, DJ 15.09.2006.) (Grifei).

Com idêntico entendimento, os julgados das Turmas Recursais do TJ-RS, merecendo registro que a primeira ementa é referente a processo oriundo da Comarca de Alvorada:

APELAÇÃO-CRIME. ARTIGO 147, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. AMEAÇA. AUDIÊNCIA PRELIMINAR NA QUAL OFERECIDO O BENEFÍCIO DESPENALIZADOR DA TRANSAÇÃO PENAL, REALIZADA SEM A PRESENÇA DE ADVOGADO. NULIDADE DECLARADA, EX OFFICIO. 1. Nulidade processual concernente à ausência de defensor em audiência preliminar. Violação dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, consagrados no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, além dos ditames processuais penais previstos no artigo 261 do CPP e no § 3º do artigo 76 c/c artigo 72, estes da Lei dos Juizados Especiais Criminais. 2. Recusa do autor do fato quanto ao benefício da transação penal ofertado em audiência preliminar, na qual deixou de receber orientação de Defensor a quem incumbiria esclarecer o acusado sobre as consequências do aceite ou não do benefício. 3. Feito anulado desde a sentença, para determinar o retorno dos autos à origem, visando à formalização de oferta na forma prevista em lei. PROCESSO ANULADO, COM DETERMINAÇÃO DE RETORNO À ORIGEM. 

(Recurso Crime n. 71007131535, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, julgado em 25.9.2017). (Grifei.)

 

APELAÇÃO CRIMINAL. NULIDADE. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR POR OCASIÃO DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR. 1. A ausência de nomeação, em desconformidade com o que estabelece o artigo 72 da Lei nº. 9.099/95, de Defensor Público ou dativo à autora do fato que comparece desacompanhada de advogado por ocasião da audiência preliminar, acarreta a nulidade do feito por violação à garantia constitucional da ampla defesa. Impositiva a declaração da nulidade da sentença, a fim de proporcionar o oferecimento válido da transação penal à ré. 2. Inarredável, na hipótese, diante do desaparecimento dos marcos interruptivos correspondentes ao recebimento da denúncia e da publicação da sentença penal condenatória, como decorrência do não exercício da pretensão punitiva por parte do Estado, o reconhecimento da prescrição como causa extintiva da punibilidade. ANULARAM, DE OFÍCIO, O PROCESSO, A PARTIR DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR, INCLUSIVE, ALÉM DA DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO RÉU, EM FACE DA PRESCRIÇÃO.

(Recurso Crime n. 71005965397, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em 05.4.2016.) (Grifei).

Predomina o raciocínio no sentido de que, na audiência preliminar, a defesa técnica é incumbida de orientar o acusado sobre as consequências do aceite ou não da transação penal, inclusive sobre eventual descumprimento.

Portanto, vale o registro no sentido que, caso as autoras do fato não estivessem acompanhadas das ora recorrentes na solenidade em questão, seria impositiva a anulação do feito desde a realização da audiência preliminar.

Com essas considerações, acompanho integralmente o ínclito Relator.

 

(Após votar o Des. Eleitoral Silvio Ronaldo, acompanhando o relator, pediu vista o Des. Eleitoral Jamil Bannura. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)

 

(Participaram do julgamento os Desembargadores Carlos Cini Marchionatti, Jorge Luís Dall'Agnol, Jamil Andraus Hanna Bannura, Luciano André Losekann, Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Deborah Coleto Assumpção de Moraes e João Batista Pinto Silveira)