RE - 55845 - Sessão: 13/12/2017 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 57ª Zona Eleitoral, sediada em Uruguaiana, a qual julgou improcedentes os pedidos veiculados em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME proposta contra os recorridos IAD MAOUD ABDER RAHIM CHOLI, NELY SIMIONATO FRECERO e ALAIR BICA GONÇALVES. O juízo a quo entendeu, em resumo, não caracterizado o ilícito de abuso de poder econômico e político, em decorrência da ausência de provas, fls. 460-469v.

Nas razões, fls. 477-505, traz contextualização dos fatos e alega ter ocorrido compra de apoio político. Sustenta não ser possível haver “lugar para ingenuidade”, revisita o contexto probatório e aduz que as circunstâncias são graves. Aponta as sanções cabíveis e pugna pelo provimento do recurso.

Com contrarrazões (fls. 509-537), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 544-557v.).

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 23.8.2017, fl. 476, e o recurso foi interposto em 24.8.2017, dia seguinte.

Não há questões preliminares.

Ao mérito.

A questão de fundo diz com os fatos indicados e a ocorrência, ou inocorrência, de ato contrário à legislação eleitoral. E, sob a ótica do abuso de poder político e econômico, antecipo que a sentença não merece reparos. Não há elementos para a condenação pleiteada.

A prova dos autos é, em um termo, limítrofe.

Os fatos: teria havido a compra de apoio político de pré-candidatos a vereador (Gérson Gomes da Silveira, Jamila Abdala, Camila Silveira Hendges, Luci Bianchin de Menezes), nas eleições de 2016, no Município de Barra do Quaraí, mediante a distribuição de materiais de construção e o oferecimento de cargos na prefeitura municipal.

Tais pré-candidatos teriam desistido das respectivas candidaturas, após “acertos” com os recorridos.

Ademais, no contexto político local, desde 1997 (ano da emancipação), a cidade de Barra do Quaraí foi local de intensa polarização, em duelo travado entre PT e PSB de um lado e, de outro, o PTB. Contudo, o abuso de poder político e econômico teria desfigurado tal quadro, aproximando duas agremiações até então rivais: o PSB e o PTB.

O recurso do Parquet eleitoral é aguerrido e destaca um panorama, infelizmente, comum na política brasileira: de efemeridade de posicionamentos, de fluidez de alianças, de pouco apego às ideologias. Realmente, não há lugar para ingenuidade no contexto da competição eleitoral.

À análise legal, doutrinária e jurisprudencial.

O abuso de poder, sob os vieses econômico e político, está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

A vedação ao abuso de poder político vale-se de norma composta por conceitos altamente indeterminados, não sendo definido taxativamente, mas por sua finalidade de impedir condutas e comportamentos que constituam exercício irregular e ilegítimo das posições públicas dos candidatos, causando desequilíbrio ao pleito.

A quebra da normalidade do pleito é ligada à gravidade da conduta, capaz de alterar a regularidade das campanhas.

É o que consta no art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. [...]

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Nesse sentido, cito a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663.)

Colho trecho da decisão do 1º grau, pela clareza, e na parte em que relata os fatos, tece análise acerca do contexto probatório e afirma não ser possível asseverar ocorrência de abuso de poder, evitando-se a mera modificação de palavras para repetir o já escrito nos presentes autos.

Peço licenças pela extensa colação e, desde já, friso, pela importância devida, que adoto expressamente a fundamentação transcrita como razões de decidir, não se tratando de decisão per relationem, mas de absoluta adesão ao raciocínio empreendido pelo magistrado a quo, quer no que diz respeito ao sopesamento da prova, quer no condizente à gravidade das circunstâncias e aos drásticos efeitos das decisões condenatórias em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo:

[…] 

No caso sub judice, argumenta o Ministério Público Eleitoral (MPE) a existência de práticas espúrias por parte dos representados desde o início do processo eleitoral de 2016, ainda no período das convenções, quando os representados, filiados a partidos políticos com histórico de adversidades locais, teriam se unido na tentativa de possível lançamento de chapa única às eleições majoritárias no Município de Barra do Quaraí/RS.  

 

Restou incontroverso que ALAIR BICA GONÇALVES e NELY SIMIONATO FRECERO seriam há muito filiados ao PTB, ao passo que IAD CHOLI ao PSB, bem como que esses partidos sempre teriam integrado chapas oponentes nas eleições majoritárias anteriores no ainda novato município de Barra do Quaraí/RS. Ademais, os próprios representados também admitem que integravam essas chapas oponentes como candidatos, do que não se extrai qualquer dúvida.

No entanto, apesar do questionável benefício ao sistema eleitoral, o lançamento de chapa única não configura quaisquer das conduta s ilícitas descritas pela Lei Complementar 64/90 a ensejar abuso de poder político ou econômico. A intenção de lançamento de chapa única, só por si, malgrado seus possíveis malefícios, não redunda em vedação legal, a ensejar as severas sanções àqueles praticantes de abusos.

No mesmo sentido, é o fato de antigas coligações adversárias unirem-se em novo pleito, não obstante poder implicar em possível e questionável desvio das ideologias partidárias, não se encontrando na legislação como conduta ilícita que possa vir a ser configurada como abuso de poder.

A prova dos autos revelou, por outro lado, que o pórtico às investigações do MPE encontrava-se na figura do cabeça da chapa majoritária oponente aos representados, Senhor ELY MANOEL DA ROSA. Merece pontuar, inclusive, que as primeiras informações dos procedimentos investigatórios do Ministério Público foram conferidas pelo filho de Ely, qual seja, CRISTIANO GARCIA ROSA, conforme fls. 04 daquele expediente, aqui em apenso.

A notícia de cooptação de pré-candidatos pela chapa integrada por IAD e NELY, a inviabilizar a candidatura de possíveis nomes a integrar a oposição também partir da figura de ELY MANOEL DA ROSA.

Cediço que não se pode desqualificar a tese da petição inicial unicamente por partir de relatos do candidato oponente, mesmo porque trata-se de um dos principais observadores de possíveis condutas ilícitas dos demais candidatos. Porém, no caso em epígrafe, a situação mostra-se peculiar, merendo a necessária reserva para a apreciação da existência das noticiadas condutas ilícitas.

O fato é que também restou incontroverso ter o senhor ELY MANOEL DA ROSA, candidato derrotado nas eleições majoritárias de 2016, intensa participação política no passado de Barra do Quaraí/RS, tendo sido prefeito pelo mesmo partido de NELY SIMIONATO FRECERO, ou seja, o PTB.

O contexto fático probatório, igualmente, revelou que a comissão provisória do partido de ELY resolvera não indicá-lo para as eleições majoritárias, ao passo que iria ser formada a coligação com o partido do prefeito IAD, candidato à reeleição. Disso, a prova também indica que ELY MANOEL formara o PSC - Partido Social Cristão em Barra do Quaraí, tendo cooptado pré-candidatos para as eleições proporcionais.

A partir dessa cooptação é que teriam surgido as ditas condutas ilícitas dos representados, que, segundo a inicial, ofertaram cargos públicos e materiais de construção para que referidos pré-candidatos não integrassem o pleito, como, em verdade, acabaram não integrando. Resta aferir, contudo, as razões destas desistências, e se a prova dos autos foi suficiente a demonstrar que de fato eles ocorreram por abuso de poder dos representados.

A parte autora informa que LUCI BIANCHIN DE MENEZES, CAMILA SILVEIRA HENDGES e GERSON GOMES DA SILVEIRA seriam pré-candidatos às eleições proporcionais, pelo partido de ELY MANOEL DA ROSA, tendo desistido para apoiarem a chapa dos representados, em troca, a primeira, de materiais de construção; a segunda, de casa do Programa -Minha Casa Minha Vida-, e o terceiro de função gratificada no Município de Barra do Quaraí/RS.

Acontece que a prova dos autos, mesmo analisada dentro do contexto narrado pelo Parquet, aqui com as vênias renovadas, não foi suficiente para trazer a convicção plena de que realmente foi por abuso dos representados que referidas pessoas desistiram da pré-candidatura às eleições proporcionais.

É preciso anotar que as desistências ocorreram em período eleitoral, porém antes do registro das candidaturas, bem como ELY MANOEL DA ROSA ter angariado pessoalmente tais pré-candidatos ao seu recém-criado partido, e, especialmente, o fato de ser justamente essas pessoas, cuja prova revelou terem estreitos laços com pelo menos um dos representados.

Ora, o candidato com provável descontentamento de não ter sido escolhido para encabeçar a chapa do seu então partido PTB decide criar uma nova agremiação local e tenta cooptar pré-candidatos de pessoas ligadas justamente àqueles que seriam seus adversários.

Há de se ponderar se a cooptação indevida não partiu, em realidade, de ELY MANOEL, dúvida essa que a prova dos autos não conseguira derruir.

LUCI BIANCHIN DE MENEZES, por exemplo, segundo restou incontroverso, tinha forte ligação com ALAIR BICA GONÇALVES, tendo trabalhado em sua residência por mais de uma década, além de ter prestado serviço de faxineira na Câmara Municipal, por cargo comissionado, em período no qual ALAIR era presidente da Câmara de Vereadores no derradeiro ano da última legislatura.

CAMILA SILVEIRA HENDGES, por sua vez, além de ter sido firme na inquirição judicial no sentido de que não recebera qualquer promessa dos representados para desistir da candidatura, traz elemento de grande probabilidade no sentido de ter filiado ao partido PSC inicialmente, diante de sua inclusão para questões religiosas, podendo sua desfiliação ter ligação realmente ao fato de sua genitora VANI PAZ DA SILVEIRA ter cargo comissionado no município.

Essa ocupação da genitora de CAMILA, por sua vez, não parece estar atrelada aos atos da filha, visto o histórico de envolvimento político de VANI, externado no contexto dos autos, com ocupação de outros cargos públicos, políticos e administrativos, em gestões anteriores, de onde não se pode presumir que a atitude da filha pudesse prejudicá-la na administração.

Mostra-se razoável a alegação de que CAMILA possa ter inclinado ao PSC diante de sua vocação religiosa, vindo a desistir da candidatura, posteriormente, face à atuação da genitora VANI na administração pública até então.

Observe-se, por outro lado, ser outra pessoa com fortes laços a um dos representados pelo menos, igualmente como LUCI BIANCHIN, que o candidato ELY tentara cooptar. Repita-se, não se pode descurar de quem realmente possa ter originado assédios a inviabilizar candidaturas.

Outrossim, não há prova firme o suficiente para indicar abuso por parte dos representados, ou aos respectivos mandos, quanto à figura indicada na inicial de GERSON GOMES DA SILVEIRA. Sustenta o Ministério Público Eleitoral (MPE) ter recebido função gratificada no município para desistir da pré-candidatura junto ao PSC. Acontece que, malgrado GERSON seja servidor público municipal, há prova contundente nos autos no sentido dele não ter sido agraciado com função gratificada nem em 2016 e nem 2017, conforme atestado pelo documento de fls. 397, enviado aos autos pela Administração de Barra do Quaraí, a partir de pedido deferido do Ministério Público.

Nesse caso, a versão trazida pela testemunha FERNANDO BALBUENA DA SILVEIRA mostra-se verossímil, no sentido de que, em tratativas, ajustara com Gerson que seria melhor haver apenas um concorrente representativo do Sindicato dos Servidores, que, em questão, seria o próprio FERNANDO, vindo GERSON desistir da candidatura e apoiar o candidato único do Sindicato, que acabara saindo vitorioso no pleito.

Além disso, havia argumentação inicial de que materiais de construção encontrados na residência de GERSON poderiam ter sido frutos de doação ilegal por parte dos representados, na tentativa de convencê-lo a desistir da candidatura, porém, GERSON fez aportar cupons fiscais dando conta de ter sido ele mesmo quem adquirira tais materiais, conforme claramente indicado nas fls. 56/59 do expediente preparatório do MPE, cuja referência fora explicitada pela defesa em suas alegações finais.

Malgrado possa GERSON ter participado ativamente da criação do PSC-Barra do Quaraí, conforme quis argumentar ELY MANOEL DA ROSA, a prova não foi robusta o suficiente de que condutas ilícitas tenham sido praticadas a mando dos representados para convencê-lo a desistir, não mostrando inverossímil a versão trazida por FERNANDO BALBUENA de o Sindicato lançar apenas um candidato para garantir maior número de votos dos sindicalizados e a representatividade no parlamento municipal.

A ausência de robustez probatória para prática de abuso de poder pelos representados também faz presente naquilo que demonstrou ser a principal circunstância que clarearia práticas ilícitas pelos representados. Tratam-se dos documentos apreendidos no Gabinete do primeiro representado, candidato à reeleição, realizada no dia seguinte ao das eleições.

Não há como descurar do impacto que o resultado dessa busca e apreensão trouxe para o desencadear de toda a persecução probatória da parte autora. Todavia, especialmente em casos tais cujas consequências implicam na intervenção do Estado na soberania popular, é necessária a análise do contexto com todas as reservas possíveis, a aferir se aquela prova realmente traduz robustez necessária para a versão construída pelo Ministério Público Eleitoral.

A jurisprudência eleitoral, tanto de âmbito nacional quanto regional, é firme da necessidade de prova robusta para caracterização de abuso de poder (TSE - Recurso Especial Eleitoral n. 36335 - Relator Min. Aldir Passarinho - j. 15.02.2011).

A perenidade traduz-se no sentido de o proveito eleitoral não se presumir, devendo ser aferido mediante prova robusta de que o ato aparentemente irregular fora praticado com abuso ou de forma fraudulenta, de modo a impulsionar eventuais candidaturas.

As sanções por abuso de poder político impõem-se, para sua aplicação, a análise minuciosa acerca da existência de prova incontestável da conduta, sob pena de malferir o direito a que se busca resguardar.

Torna-se necessária a presença de provas robustas e incontroversas da conduta irregular, não podendo a cassação de diplomas fundar-se em meras presunções.

No caso, é forçoso registrar que a medida cautelar de busca e apreensão deferida nos autos apenso 325-48.2016.6.21.0057 não se originou da necessidade de angariar documentação a atestar a compra de materiais de construção pelos representados. A causa de pedir seria a captação ilícita de sufrágio com gastos indevidos em postos de combustível na cidade de Barra do Quaraí/RS.

Apesar de o encontro fortuito de provas ter respaldo na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, não se pode descurar que o Ministério Público Eleitoral já possuía informações preliminares de tentativa de compra de materiais de construção em troca de apoio político aos representados, não tendo sido esta medida a causa para a diligência no Gabinete do Prefeito, sem olvidar de que as notícias partiram do oponente, que fora preterido por seu partido originário, que decidira coligar ao representado IAB, lançando a representada NELY como vice na chapa majoritária.

Todas essas peculiaridades devem ser consideradas para a análise dos documentos apreendidos. É bem verdade que a aferição isolada desta documentação poderia levar uma inclinação para a notória procedência do pedido inicial, visto o impacto de croquis e listagens de material de construção que foram encontrados no gabinete do Prefeito em pleno dia seguinte ao pleito eleitoral.

Acontece que todas as testemunhas ouvidas em juízo permaneceram firmes no sentido de não terem recebido qualquer oferta ou efetiva entrega de materiais de construção. LUCI BIANCHIN DE MENEZES, VERA LÚCIA MOREIRA MACIEL, MARIA ZOLETE MORAIS DEIJES e ETELVINO DEIJES foram firmes no sentido de não terem recebido referidos materiais em troca de depositarem seus votos aos representados ou desistirem de pré-candidaturas.

Aliás, o contexto probatório revelou que tais testemunhas possuíam estreito relacionamento com o representado ALAIR BICA GONÇALVES, de ordem trabalhista ou por vocação religiosa, de modo que não parece verossímil que necessitariam de ofertas materiais para se convencerem ao apoio aos representados na campanha eleitoral.

Não se está aqui afirmando que os representados não cometeram abusos ou irregularidades, mas sim que, diante do enredo fático outrora delineado, não é possível proferir um veredito de procedência. A parte autora, renovadas as vênias, não trouxe substratos robustos suficientes a afastar todas as probabilidades que aqueles documentos no gabinete do prefeito poderiam indicar. Em matéria de cassação de diploma, de interferência na soberania popular, tudo deve ser preciso e certo, sem que ocorra possibilidade de desencontro na apreciação da prova. Desde que o elemento probante não se apresente com cunho de certeza, a improcedência do pedido deve se impor.

A versão trazida pelas testemunhas de que os croquis foram realizados por ALAIR BICA GONÇALVES, que confirma em seu depoimento, o qual era dado a tais auxílios àquelas pessoas que a ele confiava para arquitetar a obra em virtude de ter sido trabalhador na construção civil, não se mostra de toda aleatória, muito embora de duvidosa regularidade principalmente em período eleitoral.

Outrossim, a versão da defesa no sentido de que ALAIR fora pedir à administração municipal, na qualidade de vereador à época, que fosse analisada a possibilidade de inclusão de tais materiais em programa do governo local de assistência de moradia às pessoas carentes, também não pode ser de todo afastada, mesmo que pudesse aquele ter a ciência do procedimento correto para que formalmente fosse aberto processo administrativo para seleção das famílias beneficiárias.

O fato é que não se pode descurar de estar em análise comportamentos realizados dentro de diminuto Município, cujos administradores, por vezes, acabam usando da informalidade, não obstante a condenação de tal prática, a qual, por outro lado, não pode ser, só por si, configuradora de abuso de poder a ensejar as sanções descritas na Lei Complementar 64/1990.

A dúvida também paira no sentido de que todas as pessoas que teriam sido beneficiadas, segundo a peça de ingresso, tinham, repita-se, dado laço com pelo menos um dos representados, não podendo desconsiderar até que ponto estes precisariam valer-se de benesses para convencer aquelas ao seu apoio. Não mostra factível a necessidade de compra de apoio para ter pessoas tão próximas como cabos eleitorais, ao contrário, parece que isso já seria natural.

A cassação do diploma há de fundar-se em provas robustas, não em simples presunções (TSE, REspe nº 25579, de 09.03.2006, Min. Humberto Gomes de Barros).

Entendo que a robustez faz-se ainda mais necessária quando o pleito é para a cassação do diploma, pois já operada, ainda que formalmente, a soberania popular com o depósito do voto, devendo os fatos ilícitos serem latentes e estreme de dúvidas para derruir o resultado das urnas, o que não se configurou no caso em apreço.

Para ensejar a grave restrição de cassação do diploma, aqui pretendido, e a decretação de inelegibilidade, barrando o exercício do direito político fundamental, o abuso de poder deve estribar-se, nas palavras da doutrina especializada de José Jairo Gomes, em fatos objetivos, adequadamente demonstrados nos autos por meio de provas seguras e robustas. A prova há de ser concludente, ou seja, que induz à certeza acerca do abuso.

Salienta-se que, na seara eleitoral, a ¿presunção de veracidade¿ sofre acentuada restrição ante a supremacia do interesse público que se encontra em jogo.

Outra sorte não há em relação ao colhido a respeito de SIMONE SOARES MOREIRA ANDINO. Simone afirma acreditar ter sido readmitida para garantir um voto, já que o foi às vésperas da eleição, tendo sido exonerada na sequência, ainda em outubro de 2016.

Ocorre que a simples nomeação dias antes do pleito eleitoral, ao contrário do mencionado pela testemunha, não configura conduta vedada, eis que nomeada para cargo em comissão, o que configura exceção às condutas vedadas no período eleitoral, conforme artigo 73, inciso V, alínea “a”, da Lei 9.504/97.

Ademais, ela argumenta não ter dito para a família sobre o voto ou que deveriam votar no primeiro representado. Há de ponderar, igualmente, que não parece coerente àquele que pretenda o apoio político, proceder à exoneração de seu apoiador meses depois da contratação, e pouco tempo antes do prazo prometido, já que Simone fora exonerada em outubro e a promessa inicialmente era de ficar até dezembro de 2016.

A testemunha informa, ainda, a existência de reunião entre os ocupantes de cargos comissionados e o Prefeito, na qual teria sido externado que haveria demissões, o que corrobora o fato declarado pelo primeiro representado. O prefeito pedira compreensão pelas demissões, face à cri se das finanças públicas.

Pondera-se, igualmente, que a testemunha expressamente refere ter exposto ao representado sua necessidade de retornar ao cargo comissionado, pois o prometido na empresa privada, quanto ao salário, não estava sendo cumprido na integralidade, possuindo aquela o interesse de regressar para conseguir receber o mínimo para saldar a dívida que possuiria com dada instituição bancária.

Ora, ainda que espúrio o ato de colocar um cargo público aos anseios privados de dada pessoa, verifica que pode ter sido a própria testemunha quem insistira regressar à Prefeitura Municipal, no que anuiu o primeiro representado.

A prova dos autos não indica, com a robustez necessária, ter sido um ato de cooptação da testemunha para angariar voto, mesmo porque sua saída anterior, para trabalhar na pizzaria, foi a pedido, e não por ato do primeiro representado, o qual, portanto, não precisaria recontratar aquela para reparar uma demissão anterior e tentar reconquistar aquele potencial eleitorado.

Senão bastasse, SIMONE nunca teria sido procurada por ELY MANOEL DA ROSA, conforme referiu em audiência, não havendo comprovação de que a dinâmica com que se deu sua nomeação para cargo comissionado, às vésperas da eleição, tenha sido com a intenção de obter seu voto.

Por todas essas razões, verifica-se que o proveito eleitoral não se presume, não havendo nos autos prova robusta de que atos aparentemente irregular foram praticados com abuso ou de forma fraudulenta, de modo a favorecer a imagem e o conceito de agentes públicos e impulsionar eventuais candidaturas.

(Grifei).

Irretocável.

Por mais que as combativas razões de recurso queiram colocar em dúvida os testemunhos havidos, é certo que a prova testemunhal corrobora as conclusões acima lançadas. Em primeiro momento há, de fato, certa inclinação a entender contundentes as provas apreendidas (busca e apreensão via Ação Cautelar n. 325-48.2016.6.21.0057) nas dependências do gabinete da Prefeitura Municipal de Barra do Quaraí, constantes nos anexos 1, 2 e 3 dos presentes autos.

Contudo, mormente se considerado o movediço tabuleiro sobre o qual se movimentam os competidores eleitorais, não há como traçar, de forma definitiva, a prática de abuso de poder político e econômico por parte dos recorridos IAD, NELY e ALAIR, ao menos na presente demanda.

O Parquet indica como “teatro” ou mentiras alguns dos conteúdos testemunhais; mas a dúvida, o considerável intervalo para a construção de certeza que permanece, após a análise dos testemunhos de Ely Manoel da Rosa, Alair Bica Gonçalves, Camila Silveira Hendges, Danilo Fernandes, Gerson Gomes da Silveira e Luci Bianchin, não permitem a condenação.

Há uma série de desencontros pontuais entre os testemunhos, é certo; mas tais controvérsias podem ser consideradas para que se entenda comprovado um ponto fático sobre o qual pairem dúvidas.

Por exemplo: as datas de nomeações em cargos públicos são circunstâncias indiciárias, mormente no relativo a Simone Soares Moreira; o traçado histórico das competições eleitorais da cidade, igualmente, apenas corrobora um dado empírico. Ainda que tradicionalmente os partidos fossem rivais, houve a aproximação – as razões nem sempre são as mais indicadas, pois o terreno político é, de fato, bastante movido por conveniências de momento.

Em suma, o quadro não é de ingenuidade, mas de presunção de inocência, a qual somente pode ser superada por prova contundente, não presente nos autos.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença pelos próprios fundamentos.