RC - 425 - Sessão: 13/11/2017 às 17:00

Estou a acompanhar o entendimento do eminente relator, ao efeito de também absolver a ré da imputação que lhe pesou: ter violado o disposto no art. 344 do Código Eleitoral. 

O nó górdio em casos como o dos autos – no qual a ré, devidamente convocada, compareceu ao serviço eleitoral para exercer a função de mesária e, após o almoço, simples e injustificadamente, abandonou-o – é saber qual a sanção que deve ser imposta. Isso porque o Código Eleitoral prevê no art. 124, caput, a cominação de multa de 50% (cinquenta por cento) a 1 (um) salário mínimo vigente na Zona Eleitoral, e o art. 344, do mesmo Código, a seu turno, prevê a possibilidade de o mesário faltoso ou que abandona os trabalhos vir a ser condenado a uma pena de detenção de até dois meses ou ao pagamento de 90 a 120 dias-multa.

A jurisprudência de várias Cortes Regionais Eleitorais e a do próprio TSE há muito firmou o entendimento no sentido de que o sancionamento do mesário faltoso ou que abandona o serviço, com espeque no art. 124 do CE, é de natureza administrativa (verdadeiro direito administrativo sancionador), de modo que não configuraria a ocorrência do especial crime de desobediência previsto no art. 344 do CE, pena de se ter um bis in idem.

A norma prevista no art. 124 do CE é, como dito, norma de direito administrativo sancionador, e tem em mira aquelas pessoas que, uma vez convocadas pela Justiça Eleitoral, não comparecem ao serviço ou o abandonam injustificadamente, sujeitando-se ao pagamento da multa ali prevista, e não à previsão do tipo do art. 344 do CE, que possui espectro bem mais amplo. As sanções não se cumulam. O tipo expresso no art. 124, caput, do CE exige a condição de mesário e sua ausência aos trabalhos eleitorais imotivada por justa causa. Já o sujeito ativo do tipo previsto no art. 344 é mais amplo: compreende todas as pessoas elencadas no art. 283 do Código Eleitoral e exige o dolo como condição subjetiva para perpetuação do abandono ou recusa do serviço eleitoral.

Calha, a propósito (feitas as devidas adaptações para a conduta de abandonar os trabalhos eleitorais já iniciados), antiga lição do então Ministro Eduardo Ribeiro, quando integrante do TSE, por ocasião do julgamento proferido no acórdão de n. 21, de 1998:

A hipótese de que se cuida, na forma apontada na denúncia, ou seja, deixar de comparecer para compor a mesa receptora de votos, desatendendo a convocação da Justiça Eleitoral, constitui modalidade especial daquilo que, não fosse a previsão específica, corresponderia ao crime de desobediência. Quem deixa de atender à determinação expedida pelo Juiz Eleitoral, para o fim exposto, desobedece a ordem legal de funcionário público, tipo contemplado pelo art. 330 do Código Penal. Se assim é, o mesmo princípio há de ser aplicado. Estabelecida para esse comportamento, penalidade administrativa, ausente ressalva de que isso se faz sem prejuízo de outra, de natureza penal, fica essa última afastada.

Este é o fundamento do referido Acórdão TSE n. 21/98:

Ausência de comparecimento para compor mesa receptora de votos. Não configuração do crime previsto no art. 344 do Código Eleitoral, uma vez que prevista sanção administrativa, no art. 124 do mesmo código, sem ressalva da incidência da norma de natureza penal. Entendimento relativo ao crime de desobediência que também se aplica no caso, já que constitui modalidade especial daquele.

Vários Tribunais Regionais têm reafirmado a sedimentada orientação pretoriana, como ilustra a ementa abaixo indicada:

CRIME ELEITORAL - MESÁRIO FALTOSO - APLICAÇÃO DE SANÇÃO ADMINISTRATIVA. RECURSO CRIMINAL ELEITORAL - ELEIÇÕES 2006 - SEGUNDO TURNO - MESÁRIO FALTOSO - APLICAÇÃO DE SANÇÃO ADMINISTRATIVA (CÓDIGO ELEITORAL, ART. 124) - CAPITULAÇÃO COMO CRIME ELEITORAL (CÓDIGO ELEITORAL, ART. 344) - CUMULAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - DIREITO PENAL - SUBSIDIARIEDADE - INTERVENÇÃO MÍNIMA.

A aplicação ao mesário faltoso de sanção administrativa de multa, prevista no art. 124 do Código Eleitoral, inviabiliza a cumulação com a sanção penal tipificada no art. 344 do mesmo diploma legal, por reconhecimento da aplicação subsidiária do Direito Penal apenas aos casos em que os outros ramos do Direito mostrem-se inócuos para coibir as condutas ilícitas, bem ainda, porque não há ressalva no primeiro dispositivo legal quanto à possibilidade de tal cumulatividade.

Precedentes.

(TRE-MT, Processo n. 753218, Classe RC. Acórdão n. 21299, de 31.7.2012, Relator Desembargador Gerson Ferreira Paes, publicado no DJE/TRE-MT de 10.8.2012.) 

Portanto, acompanho o eminente relator ao efeito de dar provimento ao recurso defensivo e, assim, absolver a ré de ter violado o disposto no art. 344 do CE.

É como voto, Senhor Presidente.

 

(Pedido de vista do Des. Jorge Dall'Agnol. Julgamento suspenso.)