RE - 31716 - Sessão: 06/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por EDISON BARALDI MACHADO contra decisão do Juízo da 140ª Zona Eleitoral (fls. 198-203v.) que julgou improcedente a representação ajuizada contra ILIANDRO CESAR WELTER e ANTÔNIO SARTORI, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, respectivamente, entendendo que o uso de máquina agrícola da prefeitura por eleitor não caracterizou ofensa ao art. 73, inc. I e § 10, da Lei n. 9.504/97.

Nas razões recursais (fls. 210-215v.), sustenta estar comprovado que um eleitor retirou uma ensiladeira da prefeitura em julho, durante o período eleitoral, somente devolvendo a máquina 04 meses depois, após ter ciência de uma ocorrência policial sobre o caso. Afirma que se tratava de uma máquina velha, dada ao eleitor pelos representados para que suas peças fossem reaproveitadas em outra máquina, de propriedade particular. Argumenta não ser possível legitimar a conduta com fundamento no estado da ensiladeira, pois o procedimento correto seria avaliá-la e descartá-la ou encaminhá-la para venda. Requer a reforma da decisão para condenar os representados à cassação do diploma.

Com as contrarrazões (fls. 223-233), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 238-245).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 22.8.2017 (fl. 205) e o recurso foi interposto no dia 23 do mesmo mês (fl. 210), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

No mérito, a presente ação foi proposta em razão do recebimento, pelo eleitor Derli Carneiro, de uma máquina ensiladeira de propriedade da prefeitura em troca de seu apoio político, prática que configuraria a conduta vedada prevista no art. 73, inc. I e § 10, da Lei n. 9.504/97, o qual proibe a o emprego de bens públicos em prol da campanha de candidatos e a distribuição gratuita de bens em meio ao período eleitoral:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Está comprovado – e sobre isso não há controvérsia – que o eleitor Derli Carneiro retirou uma ensiladeira do depósito de máquinas da prefeitura, mantendo sua posse por 03 meses.

Concluiu o juízo de primeiro grau pela improcedência da representação, pois ausentes elementos capazes de comprovar que os candidatos tinham ciência desse fato ou que pretendiam obter o apoio do eleitor beneficiado.

O recorrente, por sua vez, sustenta ser evidente a finalidade eleitoral, pois a cedência do bem ocorreu em período eleitoral, e a intenção foi transferir a máquina permanentemente ao eleitor para utilização de suas peças em outra, de sua propriedade.

Com razão a sentença.

O eleitor Derli Carneiro, em juízo, admitiu que retirou a máquina e permaneceu com ela por 2 ou 3 meses, somente vindo a devolvê-la no dia de seu depoimento na polícia. Afirmou que a entrega não envolvia nenhum favor eleitoral, asseverando ser muito provável que os representados nem saibam que ele vota em Campo Novo, pois reside em São Martinho, onde toda a sua família vota. A sentença bem descreveu o seu testemunho:

Conforme as exatas palavras da aludida testemunha, '(...) eu peguei a máquina emprestada e, como ela não funcionou, eu devolvi. Só isso que eu tenho a dizer. E não foi nada a troco de voto, e não foi nada a troco de coisa. Uma que eles nem apareceram lá em casa pra saber se eu votava em Campo Novo, ninguém apareceu, nem o Cesar Welter, nem o Sartori (...)'. De acordo com Derli, a máquina pertencia à Prefeitura e foi emprestada pelo Sr. Bindé, então secretário de obras, sendo que somente iria utilizá-la para cortar o pasto e então a devolveria, porém ela não funcionou. Pelo que sabia, quando pegou o utensílio ainda não haviam sido formalizadas as candidaturas de Sartori e Cesar, sendo que em nenhum momento foi pedido apoio eleitoral. Acredita, inclusive, que Sartori sequer tinha conhecimento de que o declarante votava em Campo Novo, porquanto reside em São Martinho, RS, município vizinho. Referiu, ainda, que sua esposa, seus filhos e sua nora votam todos em São Martinho, sendo apenas o depoente que vota em Campo Novo. Acredita que ficou com a máquina durante uns dois ou três meses. Não soube dizer se devolveu o objeto antes ou depois da eleição, mas confirmou que foi no mesmo dia em que prestou depoimento na Delegacia de Polícia em razão dos fatos. Afirmou não ser filiado a qualquer partido político. Esclareceu que, quando a ensiladeira fora retirada do parque de máquinas da Prefeitura, ela se encontrava na parte dos fundos, juntamente com outras coisas sucateadas (fls. 127/133v).

Existe, de fato, uma série de inconsistências entre os testemunhos prestados.

Enquanto o eleitor Derli afirma que a máquina foi retirada por autorização do Secretário de Obras, Esrael Bindé, este nega de forma peremptória tal permissão.

Já as informações prestadas pelo secretário são condizentes com as de Jocemar Martins, mecânico da prefeitura, o qual confirmou que a ensiladeira foi retirada do parque de máquinas sem a sua autorização ou do secretário Bindé. Segundo a testemunha, o eleitor Derli simplesmente ingressou no local e retirou a máquina, dizendo que estava autorizado pelo prefeito Antônio Sartori.

Luiz Carlos Rache, que deu início à investigação e apoiava a campanha do ora representante Edson Machado, não presenciou os fatos, mas sua informação elucida a contradição das próprias afirmações do eleitor Derli. Segundo Luiz Rache, Derli teria dito que conseguiu a máquina com o prefeito Sartori em troca de seu voto, mas após devolver a ensiladeira passou a dizer que foi autorizado pelo secretário Bindé sem finalidade eleitoral.

Também Marcos Aurélio Nunes não presenciou os fatos, e apenas referiu que o secretário Bindé teria dito que a retirada da máquina havia sido autorizada pelo prefeito, sem mencionar qualquer pedido de voto.

Como se verifica, a prova trazida aos autos nada esclarece sobre os fatos. As testemunhas ouvidas não acrescentaram elementos capazes de indicar a participação dos candidatos recorridos nem evidenciaram a finalidade eleitoral da conduta.

Quanto à finalidade eleitoral, diga-se que a máquina foi retirada ainda antes de iniciado o período vedado, em meados de junho, conforme testemunhou Jocemar Martins (fl. 136). A ocorrência ainda antes do período eleitoral torna mais duvidosa a alegada finalidade de aliciamento do eleitor.

A sentença analisou a questão de forma clara e exauriente, motivo pelo qual merece transcrição a seguinte passagem da decisão:

Eis a prova testemunhal, a qual, como visto, não se coaduna com os fatos atribuídos aos investigados na peça inaugural, na medida em que não esclarece a que título realmente o Sr. Derli Carneiro obteve a posse da máquina agrícola em debate, não se confirmando a assertiva de que houve doação de bem público pertencente ao Município 'visando à captação de votos para a coligação vencedora'.

Em verdade, somente restou demonstrado - e aparentemente incontroverso - o fato de que a máquina estava em completo desuso, estragada e sucateada, bem como que fora retirada do parque de máquinas pelo Sr. Derli. Não se sabe, porém, se os investigados autorizaram ou, pelo menos, tiveram ciência acerca desta retirada, havendo, ao contrário, informação documentada no sentido de que sequer o secretário de obras, Sr. Esrael Bindé, a teria autorizado, conforme se extrai da declaração da fl. 51, cuja veracidade e teor foram integralmente referendados pelo informante Jocemar.

A testemunha Derli, por sua vez, foi categórica ao afirmar que o petrecho agrícola somente lhe fora emprestado e não doado, assim como que jamais houve pedido de voto ou de apoio eleitoral em favor da candidatura dos investigados.

Já o pivô de toda a celeuma, isto é, o informante Luiz Carlos Rasche, que admitiu ter feito campanha aberta em favor do investigante Edson, referiu que tudo o que soube a respeito do episódio baseou-se no que lhe fora dito pelo próprio Derli, o qual teria lhe contado duas versões sobre o acontecido, ora dizendo que foi em troca de votos, ora mencionando que tratou-se de um mero empréstimo para o aproveitamento de algumas peças.

[…]

Conforme se percebe, pois, há inúmeras contradições que permeiam a prova constante neste feito, pois, segundo a tese autoral, o prefeito teria autorizado a doação da máquina, em troca de votos e apoio eleitoral. Isso, porém, não se confirmou, visto que o suposto beneficiário/donatário foi categórico no sentido de que tratou-se de mero empréstimo autorizado pelo secretário Bindé e que jamais houve pedido de votos ou apoio eleitoral. Luiz Carlos Rasche, por sua vez, admitiu que somente sabe o que Derli lhe contou, não apresentando a mesma veemência de seu relato prestado quanto inquirido na Delegacia de Polícia (fls. 17/18). Marcos Aurélio e Jocemar, a seu turno, nada sabem a respeito de pedido de votos e os secretários municipais negam terem concedido autorização para a retirada da máquina. No mais, todos, em coro, admitem que a ensiladeira não passava de uma sucata, não funcionava e, ao que parece, não tinha mais serventia, conforme inclusive constou na declaração da fl. 51.

Por outra vertente, é fundamental destacar a circunstância de que o Sr. Derli, segundo seu relato, é o único integrante de sua família que vota em Campo Novo, sendo que os outros quatro (esposa, filhos e nora) votam em São Martinho, RS, o que fragiliza a tese de que objetivo da doação ou empréstimo

tivesse conotação eleitoral. Ora, será que um prefeito municipal se arriscaria de tal forma a ponto de doar uma máquina agrícola para um único eleitor, para a obtenção de um único voto? E mais: será que o prefeito tinha conhecimento de que dito eleitor votava em Campo Novo, visto que sua residência situa-se em São Martinho?

Dessa forma, não comprovada a finalidade eleitoral da cedência da máquina nem o envolvimento dos candidatos recorridos, resta inviável a reforma da decisão, devendo-se manter a sentença de improcedência da representação.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.