RE - 221 - Sessão: 18/12/2017 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto conjuntamente pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) DE LAGOA BONITA DO SUL e pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) DE LAGOA BONITA DO SUL, na qualidade de impugnantes, contra a sentença (fls. 363-393) que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) ajuizada contra os candidatos eleitos como prefeito e vice-prefeito de Lagoa Bonita do Sul, nas eleições de 2016 - GILNEI ARLINDO LUCHESE e LUIZ FRANCISCO FAGUNDES -, e contra os candidatos eleitos como vereadores do referido município - ALBERI SANTO DE OLIVEIRA, ANTÔNIO LOVATTO POSSEBON e JANDIR RAMINELLI -, por alegada influência do poder econômico mediante compra de votos durante o pleito.

Em suas razões (fls. 402-447), sustentam que, conforme gravação ambiental juntada aos autos com a inicial, realizada por Márcio dos Santos Grigollo, está comprovado que os correligionários dos recorridos Aldonei Lippke (referido no fato um), Jonis de Francisco Rathke (fato 2) e Benedito Priebe (fato 4) entregaram dinheiro a eleitores com a finalidade de obter o voto favorável aos recorridos durante a campanha eleitoral de 2016. Afirmam que, na gravação, os eleitores Cedinei Shultz (fato 2), Omar Barbosa (fato 3), Osvaldo Ferreira dos Passos (fato 4) e Marciano Henrique Gonçalves (fato 5) reconhecem ter recebido dinheiro em troca do voto, e que os fatos foram confirmados por testemunhas. Alegam que as condutas tiveram potencialidade para influenciar o resultado do pleito. Defendem a licitude da gravação. Asseveram a caracterização de abuso do poder econômico e de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei das Eleições), independentemente da participação direta dos candidatos. Requerem o provimento do recurso.

Com as contrarrazões (fls. 452-462), os autos foram remetidos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 469-480v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o recurso não ataca os fundamentos da sentença recorrida, sequer enfrentando as razões de decidir da julgadora monocrática de primeiro grau.

O apelo, em vez de apresentar razões de reforma, expõe mera reiteração dos argumentos invocados na inicial.

De qualquer sorte, a leitura da bem-lançada sentença recorrida demonstra que não há motivo para a alteração do julgado, pois a decisão está de pleno acordo com a jurisprudência deste Tribunal e do Tribunal Superior Eleitoral.

A magistrada a quo bem assentou que os recorrentes não se desincumbiram do ônus de provar a ciência ou a anuência dos candidatos que teriam se beneficiado com a indevida influência do poder econômico na normalidade da eleição, produzindo durante a instrução prova precária e insuficiente ao juízo de procedência da ação.

Conforme refere a decisão (fl. 374): “na falta de prova destas duas elementares - ciência ou anuência do ato ilícito -, não há como responsabilizar objetivamente o candidato por condutas das quais não participou nem direta, nem indiretamente, já que não existe a punição desta conduta na forma culposa”.

Foi destacada, também, a falta de prova robusta e inconteste acerca da ocorrência da captação ilícita de sufrágio, exigência para que a ação acarrete a impugnação do mandato eletivo.

Quanto ao fato 1 - pertinente à entrega de dinheiro a eleitores, por Aldonei Lippke, integrante da Coligação Unidos Faremos Mais, em benefício dos candidatos recorridos -, foi observado que Aldonei, em juízo, negou ser verdadeiro o conteúdo da conversa registrada no áudio juntado aos autos, na qual reconhece a compra de votos. Aldonei disse que mentiu para contar vantagem, e sua esposa, Maria Eduarda Dias da Rosa, também negou a compra de votos.

Além disso, a juíza singular bem explicita as razões pelas quais a gravação de áudio deve ser recebida com reservas, necessitando de confirmação na fase judicial, em virtude do explícito comprometimento partidário de Márcio dos Santos Grigollo, que fazia campanha eleitoral para os impugnantes e realizou todos os registros, além de sua manifesta intenção de incriminar os recorridos (fls. 377-378):

Importante destacar aqui que as gravações ambientais de todas as conversas acostadas aos autos foram realizadas por Márcio dos Santos Grigollo após o resultado das eleições, ficando evidenciado nos autos que Márcio empreendeu esforços com a finalidade de caracterizar ilícito eleitoral, uma vez que a coligação dos impugnantes restou vencida e era apoiada por Márcio antes de se desfiliar do partido, pouco antes das eleições.

Apesar de ter sido afirmado por Márcio que não possuía interesse político, não é o que se apura dos autos, porquanto a maioria dos interlocutores das conversas referiu que Márcio induzia os diálogos e que se aproveitou de conversas informais para obter indícios de captação ilícita de sufrágio.

O teor dos diálogos captados devem ser analisados com muita ressalva, considerando-se todo o cenário que estava presente no pequeno Município de Lagoa Bonita do Sul, onde os ânimos ficam aflorados quando se trata de política, como ocorre em toda cidade pequena, havendo muito envolvimento dos habitantes e principalmente, especulações em todos os sentidos.

Márcio relata que a sua intenção ao realizar as gravações foi para mostrar o esquema de compra de votos existente na cidade, movido pela “vingança” pelo fato de sua mãe ter tido uma consulta médica cancelada após as eleições, o que mostra parcialidade quando da “produção da prova”.

Veja-se que Márcio procurou cada pessoa para realizar a gravação da conversa que sabia que teria conteúdo político de seu interesse, o que, embora não seja ilícito, deve ser apurado com muita cautela, como já referido.

Ainda, verifica-se que o mercado de sua esposa e enteado, no qual Márcio disse que eventualmente ajuda no serviço quando não está trabalhando na lavoura, é estabelecido no imóvel comercial que foi alugado do candidato a vice-prefeito da coligação impugnante, demonstrando que há, sim, interesse de Márcio.

Mostra estranheza, também, o fato de Márcio ter dito que procurou um advogado para se informar sobre como proceder com as gravações, o que demonstra que não havia somente um interesse em revelar o esquema de votos movido pela indignação, mas em obter um resultado jurídico com tal atitude, como por exemplo, a cassação da diplomação dos eleitos.

Além de toda a dúvida existente quanto ao ânimo dos interlocutores das gravações com relação a todos os fatos narrados na inicial, deve ser considerado que as falas não foram ratificadas em sua grande maioria pelos envolvidos, e que também não comprovam de forma estreme de dúvidas a participação ou anuência dos impugnados nas supostas compras de votos.

Outrossim, apesar de não ser necessária a prática de conduta pelo próprio agente, deve haver prova suficiente da participação ou anuência do candidato no ilícito cometido, o que no caso não há.

Acompanho, igualmente, o entendimento de que, embora lícita a prova relativa à gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, quando ausente causa legal que imponha sigilo, na esteira de diversos julgados do STF, seu conteúdo “não poderia servir como prova exclusiva para juízo de procedência da demanda, porquanto necessária a demonstração efetiva da compra de votos” (fl. 379).

Contudo, conforme assentado pela juíza a quo “não veio aos autos prova, quanto a este fato, de que tenha havido a compra efetiva de algum voto. Diante do exposto, o alegado fato ilícito não remanesceu robustamente comprovado, de modo que não restou configurada a captação ilícita de sufrágio” (fl. 379).

A prova do fato 02 – no qual é narrada a entrega de dinheiro a eleitores, feita por Jonis de Francisco Rathke, também integrante da Coligação Unidos Faremos Mais, em benefício dos recorridos –, consiste no depoimento judicial prestado por Márcio dos Santos Grigollo.

Em juízo, Márcio dos Santos Grigollo confirmou ter realizado a gravação da conversa que teve com Jonis Francisco Rathke, em que este referiu ter efetuado a compra de votos para o candidato a vereador Alberi Santo de Oliveira, juntamente com Oldecir Marcio Ponti - conhecido como Guinho e cunhado de Alberi - e Fabiano, que eram cabos eleitorais, mediante entrega de R$200,00 a R$300,00 para vereador e prefeito.

Entretanto, não há elementos suficientes nos autos ao juízo de certeza sobre a ilicitude, pois conforme Márcio reconhece, não foi presenciado o ato de compra ou de pedido de votos, havendo apenas a gravação de pessoas dizendo que compraram votos, registro feito “uma ou duas semanas após a eleição” (fl. 380).

O relato de Ângelo Grigollo - irmão de Márcio e filiado ao partido impugnante PSDB, que na audiência de instrução disse ter presenciado Jonis Francisco Rathke entregar, na segunda-feira após as eleições, quantia que acredita ser em torno de R$ 500,00 para seu pai, em troca do voto nos recorridos - não foi confirmado por Jonis, que negou ter realizado o fato, bem como ter atuado na eleição na condição de coordenador de campanha dos recorridos. Além disso, foi constatado que não era possível a Ângelo, em função da distância que estava dos interlocutores, ter certeza sobre a alegação, pois sequer podia ouvir a conversa que se travava.

Na versão de Jonis, sua conversa com o pai de Ângelo Grigollo relacionava-se à compra de mel de abelha, circunstância confirmada por André dos Santos Grigollo (irmão de Ângelo e Márcio), ao reconhecer que seu pai recebe pagamentos pela venda de produtos como mel, lenha e verduras. Jonis disse que Márcio “é um baita conversador fiado”, e afirmou ter se gabado um pouco na conversa, explicando que “os briques que faz” são de venda de lenha e fumo, e não de compra de votos, porque fez campanha para todos os candidatos correligionários na condição de presidente do PSB.

A prova, portanto, é frágil e inconsistente, sendo razoável a conclusão sentencial no seguinte sentido (fls. 381-382):

Aliás, se quisesse espancar qualquer dúvida sobre o ponto, poderiam as partes ter arrolado o próprio corrompido para esclarecer a natureza do negócio que culminou no valor recebido. Entretanto, preferiram não o fazer. Logo, não se desincumbindo desse ônus, inviável se reconhecer, sem dúvida razoável, que tenha havido a entrega de dinheiro em troca de votos.

[…]

Veja-se que para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional, verificar, com fundamento em provas robustas admitidas em direito, a existência de corrupção/conduta vedada, suficientes para ensejar a severa sanção da cassação de diploma (REspe no 682-541MG, ReI. Mm. Gilmar Mendes, DJe de 23.02.2015), o que não há nos autos.

Da mesma forma, o eleitor Maurício Ponciano Garcia, que na gravação registrada por Márcio relata uma negociação em dinheiro, não confirmou a compra de votos no seu depoimento judicial, pois disse que a conversa não tratava do voto, mas do brique de lenha feito por Jonis com seus vizinhos. Quanto ao diálogo, Maurício disse que estavam “um contando vantagem daqui, outro contando vantagem dali (...) foi um dito por dito” (fl. 382).

Relativamente à compra do voto do eleitor Cedinei Schultz, na audiência de instrução Jonis de Francisco Rathke negou ter efetuado qualquer negociação nesse sentido. Cedinei também foi ouvido em juízo e afirmou ter sequer recebido a visita de Jonis em sua casa durante a campanha eleitoral de 2016. Igualmente, não confirmou a conversa registrada por áudio na gravação juntada aos autos, dizendo nada lembrar.

A corroborar a ausência de prova suficiente para a caracterização da ilicitude, tem-se o apontamento realizado pelo Ministério Público Eleitoral de piso e pela juíza a quo, de que a compra do voto de Cedinei é pouco provável em razão do fato de ele ser filiado ao PSB, partido que integra a coligação dos recorridos. Este Tribunal tem inclusive precedentes sobre o tema, entendendo pela inviabilidade de procedência de representação por captação ilícita de votos quando o eleitor, supostamente corrompido, é correligionário ou o candidato alegadamente beneficiado:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Procedência da ação no juízo originário. Cominação de multa, cassação de registro e declaração de inelegibilidade aos representados.

Afastadas as prefaciais. Ausência de provas quanto à suspeição de testemunhas, restando preclusa a questão. Aventada de forma genérica a ilegalidade das fotografias acostadas aos autos, sem, contudo, ser apontado o vício existente de forma objetiva. Permanece o interesse processual da coligação recorrida, vencedora do pleito de 2012, haja vista o decreto condenatório ter oportunizado, além da cassação do registro, a declaração de inelegibilidade e pagamento de multa. Integram o polo passivo da demanda o candidato e qualquer pessoa que tenha praticado ou concorrido para a prática do ilícito. A coautoria ou a participação torna possível a inclusão de terceiro que não detém a condição de candidato.

Não há prova de que o fornecimento do combustível foi realizado em troca de votos. Restou demonstrado que houve abastecimento de veículos, na maioria adesivados e com bandeiras que identificavam a coligação.

Plausível a conclusão de que a entrega de combustível foi feita para cabos eleitorais e simpatizantes participarem do evento. Para configurar captação ilícita de sufrágio, imperioso existir prova cabal de que os condutores tenham recebido o combustível em troca de votos, o que não demonstrado nos autos. Corolário é a reforma da sentença.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n 15426, ACÓRDÃO de 23.5.2013, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 95, Data 28.5.2013, p. 3.)

Recurso. Decisão que julgou procedente representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei das Eleições). Gravação premeditada por supostos apoiadores políticos, com a finalidade de acusar candidato por compra de votos. Preliminares de nulidade superadas, em face da aplicação subsidiária do artigo 249, § 2º, do Código de Processo Civil.

Tratativas de compensação financeira por serviços prestados no angariamento de votos por cabo eleitoral. Conduta que não se enquadra no disposto no art. 41-A da Lei das Eleições, sancionatória da captação quando o candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública.

Provimento.

(RECURSO - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL n 139, ACÓRDÃO de 26.03.2009, Relator DES. FEDERAL VILSON DARÓS, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 048, Data 31.03.2009, p. 1. )

Do mesmo modo, Oldecir Marcio Ponti, que fez campanha para seu cunhado, o candidato à vereança Alberi Santo de Oliveira, ora recorrido, foi ouvido em juízo e negou ter praticado os atos narrados na inicial, afirmando não saber o motivo de ter sido citado na gravação.

Daí porque correta a conclusão sentencial de que os fatos não restaram devidamente comprovados, sendo a prova bastante frágil para conduzir à grave consequência da procedência da ação de impugnação de mandato eletivo, que é o afastamento do candidato eleito pelo voto popular colhido nas urnas.

Quanto ao fato 03, a testemunha Cláudio Nei Grigolo narra que Jonis de Francisco Rathke transportou e entregou dinheiro a eleitores, junto com um santinho dos candidatos recorridos, em frente à Escola José Luchese, que serve de local de votação nas eleições municipais. Cláudio disse que viu Jonis entregar ao eleitor Omar Barbosa o dinheiro e a propaganda, mas que os recorridos não estavam presentes.

As testemunhas Leandro Bernardi, conhecido como “Sapo”, Cirineu Belling, que reside na frente de uma seção eleitoral, e Claudionei Grigollo, afirmaram em juízo que, no dia das eleições, avistaram Jonis Rathke entregando dinheiro ao eleitor Omar Barbosa. Cirineu narrou que, na data do pleito, Jonis “girou bastante” (fl. 384) transportando pessoas em seu automóvel e levando-as até o local de votação, mas disse não ter visto os candidatos junto com ele. Claudionei referiu ter comunicado o fato à polícia, e também relatou não ter visto os candidatos comprando votos.

No entanto, os depoimentos foram recebidos com cautela pela juíza a quo, uma vez que Leandro Bernardi é presidente do PT (partido impugnante), e que Cláudio Grigollo afirmou ter apoiado a candidatura dos impugnantes em razão de desentendimentos com a coligação dos candidatos recorridos.

O policial civil César Augusto Sehen também foi ouvido em juízo e disse ter sido informado que próximo à seção eleitoral, situada na escola José Lucchese, haveria uma pessoa, de nome Rathke, realizando compra de votos, ocasião em que orientou os comunicantes a formalizar denúncia no Cartório Eleitoral. Afirmou não ter averiguado se a denúncia era realmente verdadeira.

No entanto, o eleitor Omar Barbosa foi ouvido na audiência de instrução e negou ter recebido de Jonis Rathke dinheiro, santinho ou transporte ao local de votação, confirmando apenas que Jonis foi até sua casa no dia da eleição somente para fazer campanha. Também não ratificou o conteúdo da gravação juntada com a inicial.

Jonis Francisco Rathke, por sua vez, negou a prática de todos os fatos.

Assim, correta a conclusão sentencial relativa à ausência de prova robusta e incontroversa sobre o cometimento dos fatos, merecendo também registro a consideração de que as testemunhas de acusação são uníssonas ao declarar não terem verificado a participação dos candidatos nos atos de compra de votos e oferta de transporte aos eleitores que alegam ter presenciado.

O fato 04, referente à entrega de dinheiro em troca do voto do eleitor Benedito Priebe, por parte de Arthur Joaquim Possebon, presidente do PDT, e de Valderi Gomes, igualmente não foi suficientemente comprovado.

Márcio dos Santos Grigollo gravou o áudio da conversa que teve com Benedito Priebe, no qual este afirma que o ex-prefeito de Lagoa Bonita do Sul e atual Secretário Municipal da Assistência Social, Arthur Joaquim Possebon, teria oferecido R$ 2.000,00 em troca de sete votos da sua família, em favor dos candidatos recorridos.

Em juízo, Benedito Priebe confirmou o fato, dizendo que o valor somente ficou na promessa, pois não recebeu o dinheiro, e afirmou que os impugnados não estavam presentes quando da conversa com Arthur.

A testemunha Leandro Bernardi disse ter presenciado a conversa ocorrida entre Márcio Grigollo e Benedito Priebe, na qual este contou que Arthur Possebon e Valderi Gomes tentaram comprar o seu voto por R$2.000,00.

A testemunha Osvaldo Ferreira dos Passos afirmou ter visto Arthur Possebon comprando o voto de Benedito Priebe para que votasse nos recorridos, e narrou ter visto Oldecir Marcio Ponti, conhecido como Guinho (cunhado do recorrido Alberi Santo de Oliveira), comprando o voto de várias pessoas na véspera e na data do pleito, com entrega de dinheiro e santinhos. Osvaldo declarou que o recorrido Jandir Raminelli ofereceu-lhe R$ 50,00 para que votasse nele e no candidato Gilnei, mas que não aceitou.

Arthur Joaquim Possebon negou os fatos.

Sobre essas ocorrências, a magistrada a quo concluiu ser “temerário reconhecer que o fato ocorreu com a anuência dos impugnados, pois não realizada por estes, nem verificada a sua autorização e conhecimento da prática dos atos” (fl. 388).

Ponderou, também, soar “imprudente aceitar a versão da testemunha Osvaldo Ferreira dos Passos com relação a suposta compra de votos feita por Guinho na rua, uma vez que seu relato deve ser analisado com reserva, já que Osvaldo afirmou que participou de um comício da campanha eleitoral para o PSDB (partidos impugnantes), tendo subido ao palanque quando da campanha eleitoral” (fl. 388).

Com efeito, não há elementos suficientes nos autos para atrair o convencimento de que os candidatos recorridos tivessem conhecimento ou tenham anuído com os fatos narrados, na esteira da percuciente análise da decisão recorrida (fl. 389):

Ainda, dos relatos descritos, não há comprovação da vinculação direta dos impugnados, pois não realizada por estes, nem verificada a sua autorização e conhecimento da prática dos atos.

Desta forma, a prova produzida é frágil para acarretar uma consequência tão grave que é a cassação do diploma dos candidatos, sendo que, para tanto, como já mencionado, deve haver prova robusta e inconteste nos autos, e não somente prova testemunhal, o que entendo estar ausente no caso.

No fato 05, alega-se que Oldecir Marcio Conti, conhecido como Guinho, entregou R$ 50,00, no sábado – véspera das eleições –, em troca do voto do eleitor Marciano Henrique Gonçalves, conhecido como Macaco.

Em juízo, Márcio dos Santos Grigollo confirmou a gravação da conversa que teve com Marciano, dizendo que o eleitor recebeu R$ 50,00 de Guinho para abastecer seu carro, ir a um comício e votar nos candidatos recorridos, mas que, como ele não foi ao evento, Guinho pediu o dinheiro de volta.

Marciano Henrique Gonçalves afirmou a prática do fato na declaração da fl. 103 e foi ouvido na audiência de instrução.

Em juízo, Marciano Henrique Gonçalves (Macaco) reconheceu ter recebido o dinheiro para votar nos recorridos, para votar no 14.

Todavia, essas declarações não foram consideradas suficientemente convincentes do cometimento da compra de votos, em razão da discrepância entre seu conteúdo e os depoimentos das demais pessoas que presenciaram a conversa ocorrida entre Marciano Henrique Gonçalves e Oldecir Marcio Conti, as quais negaram a oferta de dinheiro em troca de voto. Colaciono o elucidativo excerto da sentença (fls. 390-392):

Não obstante as alegações de Márcio e Marciano, a versão do fato ocorrido na lancheria não restou confirmada pelas testemunhas que lá estavam, as quais disseram que o motivo da “discussão” não foi compra de votos, como suportado pelos interlocutores. Vejamos.

A proprietária da lanchonete, Jocelaine da Cruz, referiu não ter presenciado nenhuma compra de votos na eleição anterior, mas ocorreu um fato na lancheria em que Marciano (Macaco) teria sido agredido verbalmente por Guinho, em razão de ter recebido dinheiro para colocar a música do candidato Gilnei na rua, sendo que “deu umas passadas“ na cidade e depois retirou a música e começou a rodar a música de outro candidato. Disse que Guinho disse vários palavrões para Macaco, chamando-o de tudo. Na época a declarante ficou muito indignada e postou o ocorrido no facebook. Mencionou que sempre houve compra e venda de votos em Lagoa Bonita do Sul. Referiu que teve prejuízos no seu estabelecimento comercial durante a campanha eleitoral, pois pessoas foram proibidas de frequentar o local, em razão do apoio da depoente ao candidato Sidi. O clima é bastante tenso em Lagoa Bonita durante a campanha eleitoral, com bastante provocações. Confirmou ter visto Marciano passar pela cidade com a música dos dois candidatos a Prefeito. Durante o fato, Marciano “foi intimado a devolver o dinheiro“, mas não viu se ele devolveu. Pelo o que a declarante entendeu, Marciano recebeu R$ 50,00 para “botar som na rua“. Mencionou que ouviu muitas conversas no seu bar com relação à compra de votos e foi a época que a declarante ganhou mais dinheiro, pois nunca havia visto a população gastar tanto, “era muito dinheiro“. A declarante disse ter certeza de uma compra de voto feita pelo candidato a vereador Antônio para Marciano, tendo este recebido carne e dois fardos de cerveja morna, pois este foi na lancheria da depoente trocar por cerveja gelada e convidou quem estava lá para comer a carne. (sublinhei)

Mateus dos Santos relatou que estava na lancheria de Jocelaine e viu quando Guinho chegou e começou a ofender Macaco, dizendo que tinha dado R$50,00 para ele colocar a música do candidato Gilnei e não do candidato contrário, querendo o dinheiro de volta. Ouviu comentários de compra de votos em Lagoa Bonita do Sul, mas não sabe dizer quem comprava os votos. Pelo o que o depoente entendeu, Macaco colocava a música dos dois candidatos a Prefeito e isso incomodou Guinho, que pediu o dinheiro de volta.

Tais relatos foram no mesmo sentido das declarações prestadas por OLDECIR MARCIO PONTI, conhecido por Guinho, o qual negou ter oferecido dinheiro para Marciano em troca de voto. Disse que não estava armado no bar. Deu dinheiro para Marciano colocar a música da campanha no carro, o que ele não cumpriu. Referiu que Marciano foi até o comitê e insistiu com o declarante para que pagasse para ele colocar o som, o que acabou cedendo diante da insistência dele, dando de seu dinheiro particular para Marciano (R$50,00). Referiu que logo após Marciano passou na rua com a música do candidato oponente e no dia em que se encontraram no bar, Marciano pediu mais dinheiro, tendo o declarante dito que não daria porque ele não cumpriu o combinado da vez anterior e que até deveria devolver o dinheiro ao depoente. Tal fato no bar ocorreu antes da eleição. Não viu nenhum candidato entregando dinheiro para comprar voto.

No mesmo sentido foi o depoimento de JARDEL DARLAN LUCAS, o qual referiu que esteve no bar junto com Guinho, onde este conversou com Marciano, não tendo visto nenhuma ameaça armada feita por Guinho. Não viu Guinho oferecendo dinheiro para compra de voto, assim como qualquer dos impugnados. Relatou que chegou com Guinho no bar e pediram uma cerveja e na saída ele ¿trocou duas ou três palavras¿ com Marciano e foram embora.

Note-se que há nítida contradição quanto ao fato ocorrido na lancheria, do qual, a meu sentir, não teve vínculo com compra de voto, mas sim ao som que Marciano se comprometeu a tocar no carro para campanha política e não cumpriu.

Não houve menção à compra de votos, ao contrário do referido na inicial, sendo a versão apresentada por Márcio e Marciano isolada nos autos, com nítido intuito de provocar a caracterização do ilícito.

Ademais, Marciano afirmou por ocasião de seu depoimento em juízo, que não escreveu o teor da declaração que firmou à fl. 103, a qual teria sido feita por Márcio e entregue ao declarante para assinatura.

Como bem referiu o Ministério Público, primeiramente Marciano disse que não houve negócio para tocar a música dos impugnados, mas depois disse que houve e, posteriormente, negou novamente.

Apesar de tais controvérsias, Jocelaine afirmou que a discussão ocorrida entre Marciano e Guinho foi motivada em razão de Marciano ter recebido dinheiro para tocar a música dos impugnados, mas também tocou a música dos impugnantes.

Assim, mostra-se que, novamente, o fato narrado na impugnação restou sem comprovação, não merecendo acolhida.

Conforme bem apreendido pela juíza sentenciante, apesar de o caderno probatório apresentar indícios de que tenha ocorrido compra de votos em favor dos recorridos durante a campanha eleitoral, há dúvidas e incertezas quanto à participação dos candidatos nos fatos narrados.

Além disso, conforme assevera a sentença (fl. 392), é importante não perder de vista “a parcialidade da prova produzida, sendo que no presente feito restou demonstrado nítido interesse político dos envolvidos, com evidentes incongruências e exteriorização de vontade no resultado da demanda, pois os envolvidos tinham alguma ligação com as partes, comprometendo a confiabilidade da prova”.

Com idêntica conclusão, o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 480):

Portanto, sopesados os elementos que compõem o conjunto probatório, mas persistindo dúvidas importantes que não permitem caracterizar inequivocamente a prática dos ilícitos suscitados na petição inicial, resta injustificável a aplicação de severa consequência, como a que se afigura a desconstituição do mandato, razão pela qual opino pelo desprovimento da insurgência recursal.

A ação de impugnação de mandato eletivo destina-se a desconstituir o mandato obtido nas urnas por influência na normalidade e legitimidade das eleições, na expressa dicção do nomen iuris da medida jurídica, e dos §§ 9º, 10, e 11, do art. 14 da Constituição Federal:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[…]

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n. 4, de 1994.)

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

A caracterização do abuso do poder econômico tendente a interferir na normalidade e na legitimidade das eleições não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas sobre a gravidade dos fatos. Com esse entendimento, os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. DEPUTADO FEDERAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO, CORRUPÇÃO E FRAUDE. PROVAS ROBUSTAS E INEQUÍVOCAS. AUSÊNCIA. CONDUTAS ILÍCITAS. AUTORIA E PARTICIPAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

[...]

4. A cassação de mandato é medida excepcional e que se impõe somente diante de provas robustas da existência de forças abusivas e do emprego de meios determinantes a interferir no equilíbrio do pleito.

5. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que “a cassação de diploma de detentor de mandato eletivo exige a comprovação, mediante provas robustas admitidas em direito, de abuso de poder grave o suficiente a ensejar essa severa sanção, sob pena de a Justiça Eleitoral substituir-se à vontade do eleitor” (RO nº 1919-42/AC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 8.10.2014)

6. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Ordinário n. 536, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 25.8.2017.) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FRAGILIDADE DAS PROVAS. RECURSO DESPROVIDO.

[...]

2. O art. 41-A da Lei n. 9.504/97 tutela justamente a livre vontade do eleitor, combatendo, com a razoável duração do processo, as condutas ofensivas ao direito fundamental ao voto. Exigem-se, pois, provas seguras que indiquem todos os elementos previstos naquela norma (doar, oferecer, prometer ou entregar alguma benesse, com a finalidade de obter o voto de eleitor individualizado; e a participação ou a anuência do candidato), sendo que a ausência de qualquer deles deve, obrigatoriamente, levar à improcedência do pedido.

3. As premissas que fundamentaram o voto condutor do acórdão regional revelam a fragilidade do conjunto probatório dos autos. Inviável o novo enquadramento jurídico dos fatos.

4. Decisão agravada mantida por seus fundamentos. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento nº 186684, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 24, Data 02.02.2017, p. 394-395.) (Grifei.)

Como se vê, a culta Juíza exauriu o exame da prova. Os depoimentos das testemunhas foram examinados um a um e confrontados entre si. Essa acareação também se deu frente à gravação ambiental juntada aos autos com a inicial, realizada por Márcio dos Santos Grigollo. Com firmeza e ponderação, perscrutou o acervo probatório e hauriu seu convencimento da inexistência de provas robustas capazes de sustentar a procedência da AIME, fazendo prevalecer a vontade dos eleitores e os mandatos conferidos ao prefeito, ao vice e aos vereadores nominados na ação.

Tamanho foi o zelo com que se houve a Magistrada no exercício de seu mister, que recomendo – ao que peço a anuência de meus colegas – se registre um voto de louvor à Doutora Vanessa Lilian da Luz, em reconhecimento à percuciente e exemplar sentença por ela exarada, que dignifica a magistratura riograndense.

Com essas considerações, e à míngua de demais elementos de prova a amparar o pedido de reforma da decisão recorrida, o desprovimento do recurso, com a manutenção da sentença recorrida, é medida que se impõe.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.