RE - 280 - Sessão: 12/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CLÁUDIO RENATO GUIMARÃES DA SILVA, reeleito vereador do Município de Porto Alegre no pleito municipal de 2016, contra a sentença (fls. 411-419) que julgou procedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME – ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para o fim de determinar a perda do mandato e a declaração da inelegibilidade, por prática de abuso de poder econômico mediante divulgação de 40 outdoors, sendo 23 em Porto Alegre e os demais em municípios da região metropolitana, no período de 13.04.2016 a 26.04.2016, manifestando palavras de apoio ao impeachment presidencial ocorrido no Brasil em 2016.

Nas razões recursais (fls. 443-452), o recorrente reitera as preliminares de: a) nulidade de citação e cerceamento de defesa por falta de acesso à prova dos autos; b) inépcia da inicial e ausência de causa de pedir; c) violação ao art. 14, § 10, da Constituição Federal por ajuizamento da ação fora do prazo legal, e decadência por não inclusão do partido Solidariedade na lide; d) ilegitimidade passiva. No mérito, sustenta que, por ser fundador do partido Solidariedade e único detentor de mandato eletivo da agremiação nesta Capital, veiculou sua imagem nas publicidades impugnadas. Conforme orientação repassada pelo diretório nacional da legenda, havia necessidade de informar a posição do partido em relação ao impeachment presidencial. Afirma que o mesmo tema foi publicado na propaganda partidária, por meio de inserções de TV e rádio durante o primeiro semestre do ano da eleição. Alega não ter interferido na liberdade de voto dos eleitores nem desrespeitado os demais candidatos ao pleito. Defende a ausência de abuso de poder econômico ou fraude. Invoca o princípio in dubio jus honorum e assevera não ter sido observado o princípio da gravidade das circunstâncias. Aponta que a sentença é contraditória, omissa, obscura, e que violou os arts. 1º, inc. I, letra “d”, e art. 22, inc. XVI, ambos da LC n. 64/90. Postula a reforma e o afastamento da condenação.

Com as contrarrazões (fls. 457-467), os autos foram remetidos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso e extração de cópia dos autos (fls. 471-482).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

A matéria preliminar reprisada no recurso foi devidamente enfrentada pelo juízo a quo, e o apelo não ataca os fundamentos expostos na sentença. Há mera reiteração dos argumentos apresentados na peça defensiva e nas alegações finais, em dissintonia com o princípio da dialética recursal.

Ainda assim, passo ao enfrentamento das prefaciais suscitadas, nos seguintes termos:

a) nulidade de citação e cerceamento de defesa por falta de acesso à prova dos autos

O recorrente foi citado por carta dirigida ao endereço constante do seu registro de candidatura. Embora o AR tenha sido assinado por terceira pessoa, e não pelo candidato (fl. 91), o impugnado constituiu advogado, juntou procuração aos autos (fl. 93), apresentou defesa de mérito (fls. 96-106), acompanhada de documentos (fls. 108-223), e arrolou testemunhas.

Não há prejuízo na forma utilizada para o ato citatório, sendo aplicável a hipótese prevista no § 1º do art. 239 do CPC: “O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação”.

A defesa técnica do candidato teve pleno acesso aos autos durante toda a tramitação, participou de audiências, inquiriu testemunhas e produziu todas as peças necessárias à contestação da ação.

Ausente mácula à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, rejeita-se a prefacial.

b) inépcia da inicial e ausência de causa de pedir

A inicial, igualmente, não é inepta.

A causa foi expressamente denominada de ação de impugnação de mandato eletivo, e ajuizada com arrimo no art. 14 da Constituição Federal (fls. 02-14v.). O pedido de desconstituição do mandato eletivo foi proposto pelo Ministério Público Eleitoral, acompanhado de fundados indícios de prática de abuso de poder econômico contidos em procedimento preparatório eleitoral (fls. 15-85). Nos requerimentos, o impugnante solicitou a aplicação de rito adequado, a tramitação em segredo de justiça, a realização de diligências e a produção de diversas provas, inclusive arrolando testemunhas.

Portanto, a inicial é válida e regular, merecendo ser afastada a preliminar.

c) violação ao art. 14, § 10, da Constituição Federal por ajuizamento da ação fora do prazo legal, e decadência por ausência de inclusão do Partido Solidariedade na lide

A ação foi tempestivamente ajuizada em 09.01.2017 (fl. 02), considerando que o candidato foi diplomado em 16.12.2016 (fl. 90), e que o prazo decadencial de 15 dias para a propositura de AIME, previsto no art. 14, § 10, da CF, prorroga-se para o primeiro dia útil seguinte aos feriados instituídos pelo art. 62, inc. I, da Lei n. 5.010/66.

Conforme resposta apresentada por este Tribunal à Consulta n. 128-70 (acórdão de 09.08.2017, Rel. Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez), o prazo final para a propositura de ações de impugnação de mandato eletivo relativas às eleições 2016 encerrou-se em 09.01.2017, justamente na data de ajuizamento da presente ação:

Consulta. Ministério Público Eleitoral. Questionamento sobre o modo de contagem dos prazos para interposição do Recurso Contra Expedição de Diploma, da Representação por Captação e Gastos Ilícitos de Recursos e da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Art. 262 do Código Eleitoral, art. 30-A da Lei n. 9.504/97 e art. 14, § 10, da Constituição Federal, respectivamente. Indagação elaborada de modo genérico e por autoridade pública. Requisitos objetivo e subjetivo atendidos, conforme o art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral. Atual posicionamento deste Regional pelo conhecimento de consultas durante o período eleitoral, quando presentes questões de relevo para a competição eleitoral. Aparente conflito das regras que prescrevem os prazos para ajuizamento das referidas ações eleitorais, considerando as disposições sobre a suspensão de prazos processuais previstos no art. 220 do Novo Código de Processo Civil e os feriados instituídos pelo art. 62, inc. I, da Lei n. 5.010/66 – recesso forense. Aplicação, no âmbito da Justiça Eleitoral, da suspensão dos prazos de natureza processual no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro, conforme regra inserta no art. 10 da Resolução TSE n. 23.478/16. Considera-se, no entanto, o primeiro dia útil após os feriados determinados pelo art. 62, I, da Lei n. 5.010/66, como válido para os prazos não processuais, dentre os quais se encontram os correspondentes às referidas ações, por possuírem natureza decadencial. Assim, deverão ser prorrogados para o dia 09 de janeiro de 2017 os prazos para ajuizamento do Recurso Contra Expedição de Diploma, da Representação por Captação e Gastos Ilícitos de Recursos e da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Conhecimento.

(TRE-RS, CTA 128-70, Rel. Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, DJE 12.08.2016.) – Grifei.

Além disso, não há irregularidade por ausência de inclusão, como litisconsortes passivos, do Solidariedade, partido ao qual o recorrente é filiado, ou da Coligação Novas Ideias, pela qual concorreu, pois é pacífico o entendimento jurisprudencial do TSE, expresso no enunciado da sua Súmula n. 40, no sentido de que “o partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos nos quais esteja em jogo a perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral” (AgR-AI n. 1307-34, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 25.4.2011).

Destarte, afasto a preliminar.

d) ilegitimidade passiva

O candidato Cláudio Renato Guimarães da Silva é legitimado ad causam para figurar no polo passivo da ação, uma vez que a ele é imputada prática de abuso de poder econômico tendente a interferir na legitimidade do pleito em que concorreu à reeleição ao cargo de vereador.

A ação de impugnação de mandato eletivo se destina a desconstituir o mandato obtido nas urnas por influência na normalidade e legitimidade das eleições, na expressa dicção do nomen iuris da medida jurídica, e dos §§ 9º, 10, e 11 do art. 14 da Constituição Federal:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(…)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

A propósito, a abalizada jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). CARGO MAJORITÁRIO. SUBSTITUIÇÃO. CANDIDATO. PRAZO. FRAUDE. OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA.

DESPROVIMENTO.

1. As coligações partidárias têm legitimidade para a propositura de ação de impugnação de mandato eletivo.

2. A ação de impugnação de mandato eletivo pressupõe a existência de diploma expedido pela Justiça Eleitoral, que poderá ser desconstituído por abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, a teor do art. 14, § 10, da Constituição Federal.

(...)

9. Agravo regimental desprovido e prejudicada a Ação Cautelar nº 453-64/SP.

(Agravo de Instrumento n. 1211, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 17.11.2016, Página 20.) – Grifei.

Dessa forma, em sede de AIME, deve figurar no polo passivo o candidato eleito, detentor de mandato eletivo.

Rejeito a preliminar.

Afastadas as prefaciais suscitadas, passo ao enfrentamento das razões de reforma.

Discute-se nos autos a caracterização de prática de abuso de poder econômico na veiculação de 40 outdoors (23 na capital e 17 na região metropolitana), contendo a imagem do candidato à reeleição como vereador de Porto Alegre, Cláudio Renato Guimarães da Silva, nome de urna Cláudio Janta, juntamente com os dizeres: O Solidariedade é a favor do Brasil, do emprego e dos direitos sociais. Contra a inflação e a corrupção Impeachment Já! Cobre de seu Deputado. Solidariedade - 77 - Rio Grande do Sul. Cláudio, Janta Radialista e Vereador, Presidente Estadual do Solidariedade/RS. (fl. 27).

Segundo o juízo a quo, o fato caracteriza abuso de poder econômico por meio de utilização de recursos financeiros do partido Solidariedade para promoção da futura candidatura, ao custo total de R$ 17.500,00, valor que sequer constou da prestação de contas de campanha. Também configura propaganda eleitoral antecipada, acarretando situação de desequilíbrio entre os demais candidatos, com evidente gravidade, comprometedora da lisura do pleito, devido à exibição da propaganda no período de 13.04.2016 a 26.04.2016, pouco tempo antes do início da campanha eleitoral de 2016 (15.08.2016).

O recorrente, por sua vez, sustenta que a questão cingiu-se a mero exercício de direito à divulgação de propaganda partidária, sem interferência no pleito, e negou qualquer prática abusiva. Além disso, enalteceu a vitória nas urnas, com obtenção da reeleição, o pouco tempo de divulgação do material (13 dias), seu baixo custo, e a ausência de gravidade das circunstâncias para a cassação do mandato popular.

O tema posto em litígio coloca em foco a divulgação de propaganda partidária, no ano da eleição, por instrumento não permitido para a publicidade eleitoral, os outdoors, e a possibilidade de enquadramento do fato como propaganda eleitoral antecipada e abuso de poder econômico, devido ao custo da propaganda.

Entendo que a questão deva ser resolvida pela análise do reflexo da publicidade na campanha eleitoral, consideradas as peculiaridades do caso concreto e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Enquanto a propaganda eleitoral dispõe de uma série de normas regulamentadoras, que a cada reforma legislativa tem, paulatinamente, restrição de custos em prol de campanhas eleitorais mais isonômicas e modestas, a propaganda partidária possui parca regulação, reservada especificamente para as mídias no rádio e na televisão – permitidas até 31 de dezembro de 2017 – ou para a divulgação de filiados que disputarão escolha para pré-candidaturas entre correligionários.

A publicidade partidária tem por finalidade divulgar assuntos de interesse das agremiações. De acordo com o art. 45 da Lei n. 9.096/95 (revogado pela Lei n. 13.487, de 6 de outubro de 2017, que extinguiu a propaganda partidária no rádio e na televisão a partir de 1º de janeiro de 2018), seu objetivo é difundir os programas partidários, transmitir mensagens sobre eventos e atividades dos congressistas, divulgar a posição do partido em relação a temas político-comunitários, promover e difundir a participação política feminina.

Também é preciso ressaltar que o art. 36, §§ 1º e 3º, da Lei n. 9.504/97 prevê que ao postulante de candidatura a cargo eletivo “é permitida a realização, na quinzena anterior à escolha pelo partido, de propaganda intrapartidária com vista à indicação de seu nome, vedado o uso de rádio, televisão e outdoor”.

Por sua vez, o art. 39, § 8º, da Lei das Eleições estabelece ser “vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos".

Na hipótese dos autos, o recorrente, à guisa de anúncio sobre o posicionamento do Solidariedade, partido do qual é presidente, sobre tema de interesse político-comunitário – o apoio ao impeachment de Dilma Rousseff da Presidência da República –, divulgou 23 outdoors com seu nome e imagem, justamente na cidade de Porto Alegre, onde figurava como pré-candidato à reeleição como vereador.

Por certo, se durante o período permitido para a propaganda eleitoral é proibida a veiculação de outdoors, tais aparatos não podem ser utilizados pelos candidatos no momento anterior, quando estão em pré-campanha.

Todavia, analisado o conteúdo da imagem em questão, não se verifica qualquer conotação eleitoral no texto e fotografia divulgados no outdoor, mas tão somente informação de caráter político-comunitário de interesse da agremiação e de seus filiados.

De acordo com entendimento do TSE firmado em diversos julgados da Corte, antes do início da propaganda eleitoral, é permitido que partidos políticos divulguem atividades e ações que guardem pertinência com as atribuições dos respectivos órgãos e/ou que se insiram nos assuntos de interesse político-comunitário que tenham o objetivo de orientação educacional, informação ou comunicação social.

Caso os conteúdos divulgados não tenham essas características e revistam-se de caráter eleitoreiro, o ato pode ser considerado propaganda antecipada.

Para verificar a realização de propaganda antecipada, devem ser consideradas as hipóteses permissivas previstas no art. 36-A da Lei das Eleições. Esse dispositivo legal, incluído na Lei n. 9.504/97 pela Lei n. 13.165/15, que instituiu a Reforma Eleitoral de 2015, expressamente estabelece a possibilidade de pré-candidatos realizarem uma série de atos que não configuram publicidade extemporânea, apenas vedando o pedido explícito de votos. Veja-se:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

(Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

(Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

(Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

(Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

(Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.

(Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.

(Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

§ 1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social.

(Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

(Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 3º O disposto no § 2o não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão.

Considerando que os outdoors impugnados em momento algum fazem pedido de votos, apenas divulgando o posicionamento da agremiação sobre tema político-comunitário de interesse do partido e de filiados (o Solidariedade é a favor do Impeachment), ou mesmo a divulgação de posicionamento pessoal do candidato Cláudio Janta sobre questão política (ser favorável ao Impeachment), conforme faculta o inc. V do art. 36-A da Lei das Eleições, não é possível considerar no conteúdo do aparato a natureza de propaganda eleitoral.

Em verdade, o tema posto nos outdoors tem cunho efetivamente partidário. O recorrente trouxe aos autos extenso material demonstrando que já em 2015 o Solidariedade anunciou campanha popular pelo impeachment de Dilma Rousseff. Há farta prova extraída de diversos sites de internet, de redes sociais e de publicações jornalísticas noticiando que o presidente nacional da sigla, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical, lançou um abaixo-assinado para coleta de assinaturas a favor do impedimento (fls. 108-223).

O apoio do Solidariedade ao afastamento da Presidente foi divulgado pela legenda por toda a forma de mídia: televisão, jornais, pronunciamentos de seus parlamentares, material impresso, internet. Há no canal do partido na rede social Youtube uma série de vídeos das lideranças partidárias dando conta da campanha pelo afastamento da presidente. Na condição de presidente da agremiação no Estado do Rio Grande do Sul, a conduta do recorrente não destoa desse contexto.

No caso dos autos, a propaganda foi exibida entre 13 e 26 de abril de 2016, em data distante do pleito ocorrido em outubro, justamente após a comissão especial da Câmara dos Deputados publicar, no dia 12 de abril, o relatório favorável ao impedimento da então Presidente Dilma, o qual foi submetido à aprovação do plenário do órgão legislativo em 17 de abril.

Nesse cenário, não é suficiente para a caracterização de desvirtuamento o fato de ter sido exibido o nome e a imagem do recorrente, pois o pré-candidato ostentava, concomitantemente, a condição de presidente da agremiação e porta-voz da mensagem divulgada.

Propaganda partidária. Alegação de desvio de finalidade. Crítica. Administrações anteriores. Ausência. Destinatário individualizado. Discussão. Temas político-comunitários. Improcedência. Representação. 1. Na linha da jurisprudência desta Corte, é admissível o lançamento de críticas em propaganda partidária ainda que desabonadoras ao desempenho de administrações anteriores, sem destinatário individualizado, desde que observado o limite da discussão de temas de interesse político-comunitário, vedada a divulgação de ofensas pessoais ao governante ou à imagem de partido político, a exaltação de qualidades da responsável pela propaganda em detrimento de agremiação opositora [...]

(Ac. de 11.11.2014 na Rp n. 37337, rel. Min. João Otávio de Noronha.)

 

Propaganda partidária. Alegação de desvio de finalidade. Promoção pessoal. Filiado. Pré-candidato. Preliminares. Incompetência. Corregedoria-geral. Exame. Propaganda eleitoral antecipada. Ilegitimidade passiva. Improcedência. 1. É possível o exame, pela Corregedoria-Geral, das representações por alegada propaganda eleitoral antecipada em horário de propaganda partidária em conjunto com o suposto desvirtuamento das regras previstas no art. 45 da Lei nº 9.096, de 1995. 2. Não há configuração de propaganda eleitoral antecipada no espaço destinado ao programa partidário quando ausentes pedido de voto ou divulgação, ainda que dissimulada, de candidatura, de ação política que se pretenda desenvolver, de razões que levem a inferir que o beneficiário seja o mais apto para a função pública e/ou referência, mesmo que indireta, ao pleito. Precedentes. 3. A apresentação das posições relativas a temas político-comunitários por lideranças de expressão da agremiação responsável pela veiculação da publicidade partidária é admissível, conforme precedentes deste Tribunal Superior. [...] 

(Ac. de 11.11.2014 na Rp n. 66267, rel. Min. João Otávio de Noronha; no mesmo sentido quanto ao item 3 o Ac. de 11.9.2014 na Rp nº 68717, rel. Min. Laurita Vaz, red. designado Min. Luciana Lóssio e quanto aos itens 2 e 3 o Ac. de 11.11.2014 na Rp nº 66607, rel. Min. João Otávio de Noronha.)

Outra questão a ser ponderada é relativa ao custo da publicidade e à caracterização de abuso do poder econômico, infração que, consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, caracteriza-se pelo uso desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura.

Entendo que a questão deve ser resolvida pela análise do reflexo da publicidade na campanha eleitoral, consideradas as peculiaridades do caso concreto.

Durante a tramitação, o Ministério Público Eleitoral, na origem, e a Procuradoria Regional Eleitoral, nesta instância, fizeram referência ao aparente subfaturamento de preço dos 40 outdoors contratados pelo candidato, dada a apresentação de duas notas fiscais indicando preço inferior ao estabelecido no mercado, no valor total de R$ 17.500,00 (fls. 39-40 – R$ 12.000,00 - e fl. 830 do volume 5 do apenso 1 – R$ 5.500,00), alegando que o custo mínimo de mercado das publicidades é de R$ 76.000,00.

Porém, de fato, não foi trazida aos autos nenhuma prova concreta da inveracidade desses dados, sendo certo que as notas fiscais contidas nos 13 volumes do Apenso são insuficientes para um juízo de certeza de que o valor declarado para o serviço contratado de impressão e exibição dos quarenta cartazes por duas semanas foi subfaturado.

A caracterização do abuso do poder econômico tendente a interferir na normalidade e na legitimidade das eleições não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas sobre a gravidade dos fatos.

A respeito de eventual fraude no valor das propagandas, não foram produzidas outras provas, de razoável simplicidade, como a tomada de depoimentos de outros clientes da empresa responsável pela publicidade - LZ Comunicação Visual –, verificação de outras notas existentes no mesmo talonário, consulta a dados fiscais, oitiva dos dirigentes e funcionários da empresa, etc.

Conforme precedentes do TSE, a ilicitude não pode ser simplesmente presumida, sob pena de se considerar ilícito aquilo que a lei considera lícito:

ELEIÇÕES 2012. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. O Tribunal Regional Eleitoral, por maioria, manteve parcialmente a sentença que julgou procedente ação de investigação judicial eleitoral para cassar os diplomas do prefeito e do vice-prefeito do Município de Santa Adélia/SP, de três vereadores e de um suplente de vereador por entender configurado o abuso do poder econômico decorrente da distribuição de valescombustível no período eleitoral. 2. A ausência de informação sobre gastos eleitorais na prestação de contas parcial não é, por si, suficiente para a caracterização do abuso do poder econômico, pois o efetivo controle e a fiscalização da movimentação financeira das campanhas são realizados a partir da análise da prestação de contas final, admitindo-se, inclusive, que eventual omissão seja sanada em prestação de contas retificadora. 3. A caracterização do abuso do poder econômico não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas que demonstrem a gravidade dos fatos. Precedentes. 4. O uso de combustíveis nas campanhas eleitorais é, em princípio, lícito a teor do que dispõe o inciso IV do art. 26 da Lei nº 9.504/97. Para que se possa afirmar a prática de abuso do poder econômico, é necessário que seja demonstrada a massiva e repetitiva distribuição generalizada de combustíveis a eleitores que não fazem parte da campanha dos candidatos ou, eventualmente, a cabos eleitorais e apoiadores (de forma fraudulenta e/ou à margem da prestação de contas), a demonstrar a utilização excessiva de recursos econômicos e a gravidade do ato abusivo, nos termos do inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90. 5. A circunstância peculiar de a chapa dos recorrentes ter sido a única a concorrer nas eleições municipais, sem que houvesse candidaturas adversárias, também se mostra relevante e, junto com as demais circunstâncias verificadas, permite in casu que se reconheça a ausência de gravidade do alegado abuso. Recursos especiais providos para julgar improcedente a ação de investigação judicial em relação a todos os investigados condenados. Ação cautelar proposta julgada procedente.

(TSE - REspe: 51896 SP, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Data de Julgamento: 22.10.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 211, Data 09.11.2015, Página 87.)

 

Eleição 2010. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Abuso do poder econômico. Não configuração. 1. A contratação de prestadores de serviços, locação de veículos e compra de combustível são, em princípio, gastos lícitos de campanha a teor do que dispõe o art. 26, incisos IV e VII, da Lei nº 9.504/97. 2. Para que determinada despesa lícita possa ser enquadrada como abuso de poder econômico, não basta indicar sua realização, sendo necessário demonstrar que o respectivo pagamento se deu de forma indevida, seja por não ter sido eventualmente prestado o serviço que caracteriza a contraprestação, seja por eventual divergência do valor de mercado, ou ainda, por qualquer outra razão que demonstre a ilicitude do fato. 3. A ilicitude não pode ser simplesmente presumida, sob pena de se considerar ilícito aquilo que a lei considera lícito. 4. O número de contratações, locações e compra de combustível, no caso, são compatíveis com a extensão da circunscrição da eleição estadual. 5. O exame da potencialidade lesiva das condutas não parte da constatação de que os recorridos perderam o segundo turno por expressiva diferença de votos (125.033), pois o resultado do pleito, em si, não é fator que revele a prática ou não do abuso de poder econômico. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - AgR-RO: 288605 RO, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Data de Julgamento: 25.06.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 142, Data 04.08.2014, Página 49.)

Assim, o valor declarado nos autos, de R$ 17.500,00 deve ser considerado para o julgamento do feito, no mesmo sentido que concluiu a douta magistrada a quo (fl. 416):

A contratação de impressão e exibição dos outdoors foi paga com recursos do partido Solidariedade, como mostra a nota fiscal nº. 018581, que foi emitida pela LZ Comunicação Visual, em abril de 2016, no valor de R$ 12.000,00, para pagamento parcelado (fl.40). Apesar da afirmação do Ministério Público Eleitoral de ter havido subfaturamento do preço, o que parece efetivamente ter ocorrido, pelo senso comum do que se sabe desse mercado, fato é que não há prova segura neste sentido. De fato, a testemunha André Luiz Beck, ligada à empresa do mesmo ramo afirmou que pratica o preço de R$ 640,00, para o tipo de serviço, mas que em determinados períodos e circunstâncias envolvendo o mercado, é possível haver contratação com preços diferenciados para este tipo de serviço e que tem conhecimento de contratações a preços semelhantes ao que foi cobrado pela empresa LZ Comunicação Visual. Ainda, não pode deixar de ser considerado o relato feito pela testemunha Andreia Sarmanho de que houve também a contratação da empresa Ativa para o serviço, o que gerou um custo de mais R$ 5.500,00, de acordo com documento de fl. 830.

Tal montante gasto com esses recursos não se afigura desproporcional se considerarmos as informações do registro de candidatura e da prestação de contas do recorrente, disponibilizadas ao público pelo TSE por meio da internet (TSE. Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais. Disponível em: <http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2016/2/88013/210000024646> Acesso 23 out 20117).

De acordo com esses dados oficiais, o candidato Cláudio Janta obteve R$ 125.824,81 de Total de Recursos Recebidos durante a campanha, e seu limite de gastos era de R$ 429.376,34. O total de despesas realizadas alcançou o patamar de R$ 113.289,52. Nessa esteira, ainda que fosse considerado um gasto eleitoral, o valor que envolve a publicidade impugnada, R$ 17.500,00, não se mostra abusivo para acarretar a conclusão de que interferiu de forma determinante na legitimidade do pleito.

Por fim, entendo que, no caso concreto, não se mostra razoável ou proporcional acolher o pedido de impugnação do mandato eletivo obtido por intermédio do voto popular colhido nas urnas, uma vez que a propaganda partidária foi divulgada somente no primeiro semestre do ano da eleição, e por apenas duas semanas ou 14 (quatorze dias) – 13 a 26 de abril de 2016 –, cerca de apenas seis meses antes do pleito.

Essas circunstâncias mitigam a gravidade e o desvalor da conduta em si, assim como a sua capacidade para interferir na normalidade e na legitimidade do pleito, bens jurídicos tutelados pela ação de impugnação de mandato eletivo.

Demais disso, o caso retratado nos autos não revela, a meu sentir, qualquer intenção além do aspecto de informação sobre o posicionamento adotado pelo Solidariedade e por seu presidente regional neste estado, in casu, o ora recorrente, sobre tema de relevante cunho político e social.

Nesse cenário, tenho que a impugnação do mandato é medida extremada para a hipótese específica do caso em apreço, merecendo ser reformada a sentença recorrida, a fim de ser julgada improcedente a ação.