RE - 85890 - Sessão: 06/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso, fls. 165-176, em face da sentença, fls. 158-160, a qual julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo ajuizada contra DILVANO DALLASTRA, ELIANE MILANI, LUCÍDIO PEDON, ALEXANDRE CENTENARO, MARLENE DALLA VALLE, RAQUEL JOHANN PREZNISKA, ROSICLEIA ALBARELLO, RUDINEI BRIDI, TELMO JOSÉ CHIELE, VALDECIR ZANATTA, VALDOMIRO RODRIGUES DA SILVA, COLIGAÇÃO UNIDOS POR VISTA ALEGRE, e CLEBER ALCINDO ALBARELLO, ao entender não comprovado o lançamento de candidaturas femininas de forma fraudulenta, com o intuito de obedecer à proporção fixada na norma de regência.

Nas razões recursais, argumenta inicialmente que há prova documental, presente nos autos, apta a comprovar o caráter fictício de uma das quatro candidaturas femininas lançadas pela coligação recorrida, pois a candidata pertencente à coligação recebeu apenas um voto, além de apontar a ocorrência de gastos ínfimos na campanha eleitoral, os quais entende terem ocorrido apenas para dar aparência de verdade à candidatura fraudulenta. Aponta, ainda, as votações das outras três candidaturas femininas lançadas pela coligação, as quais obtiveram 106, 29 e 16 votos. Salienta que, conforme dados do TSE, o quantitativo de mulheres com votação zerada é oito vezes maior que o relativo aos homens. Indica doutrina e jurisprudência, para se posicionar no sentido de que o DRAP da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VISTA ALEGRE é ideologicamente falso, e confeccionado mediante ato de abuso de poder. Requer o conhecimento e o provimento do apelo, para julgar procedente a ação da impugnação de mandato eletivo.

Com as contrarrazões (fls. 179-195), os autos vieram para esta instância, e a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 199-202).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

A sentença foi publicada no dia 21.7.2017 (fl. 162), e o recurso foi interposto no mesmo dia (fl. 165).

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço da irresignação, até mesmo porque, a partir do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 1-49, em 04.08.2015, o Tribunal Superior Eleitoral assentou que a Ação de Impugnação de Mandado Eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral. Até então, a Corte admitia seu manejo apenas em caso de fraude ao processo de votação.

Contudo, e adentrando ao mérito da questão, saliento não ser possível - ainda que em tese e como deseja o recorrente -, analisar os fatos sob a ótica do abuso de poder. Extraio da lição de José Jairo Gomes (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. pp. 2-3):

Por poder compreende-se o fenômeno pelo qual um ente (pessoa ou grupo) determina, modifica ou influencia decisivamente o comportamento de outrem. Varia o fundamento do poder conforme a cultura e os valores em vigor. Nesse sentido, repousará na força física, na religião, em juízos ético-morais, em qualidades estéticas, dependendo do apreço que a comunidade tenha por tais fatores. Assim, o poder estará com quem enfeixar os elementos mais valorizados. Encontrando-se pulverizadas na sociedade, as relações de poder são sempre relações sociais, e, pois, travadas entre pessoas.

Assim, a par do político, diversos outros poderes coexistem na sociedade, entre os quais se destacam o poder econômico e o ideológico. Aquele se funda na propriedade ou posse de bens economicamente apreciáveis, os quais são empregados como meio de influir ou determinar a conduta de outras pessoas. Já o poder ideológico se firma em informações, conhecimentos, doutrinas e até códigos de conduta, que são usados para influenciar o comportamento alheio, de sorte a induzir ou determinar o modo individual de agir.

Ou seja, o caso dos autos deve aqui ser enfrentado sob a perspectiva de fraude à lei, visto que a suposta conduta de registro de “candidatas fictícias” não configura exercício de poder.

Sigo por examinar a alegação prática de fraude no registro de candidatura da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VISTA ALEGRE, em relação à sua nominata de candidaturas à Câmara de Vereadores no pleito de 2016, no tocante ao cumprimento da quota mínima de 30% por gênero.

Consoante aduz o Parquet Eleitoral em sua insurgência, houve apresentação à Justiça Eleitoral de lista de candidatos à eleição proporcional, formada por oito homens e quatro mulheres, atendendo o percentual mínimo de 30% de cada gênero, conforme impõe o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, obtendo, assim, o deferimento do respectivo Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP).

A imposição de reserva de gênero tem os seguintes termos legais:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Na ótica do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, recorrente, o registro de RAQUEL JOHANN PREZNISKA teria configurado candidatura fictícia e, mediante fraude, objetivou preencher a proporção mínima do gênero feminino.

A questão central a se examinar, então, é se houve simulação de candidatura.

Ocorre que andou bem a sentença. Os elementos dos autos não podem levar à conclusão firme de que tenha havido fraude.

Transcrevo trecho da sentença, por elucidativo:

Na hipótese dos autos, a alegação da candidatura fictícia ou fraudulenta tem ter por escopo, precipuamente, no fato de uma das candidatas registradas pela coligação - Raquel Johann Prezniska - ter recebido somente um voto, bem como ter empregado, conforme indicação do Ministério Público, ínfimos recursos financeiros na sua campanha eleitoral.

Contudo, importante destacar que o mero fato de a candidata ter alcançado singela quantidade de votos, por si só, não traduz prova suficiente para caracterizar a fraude apontada na peça inicial.

[…]

Ademais, com relação à suposta ausência de campanha eleitoral, notadamente pelo emprego de baixos recursos financeiros, da mesma forma, inexiste comprovação nos autos.

Com efeito, pelo exame dos documentos acostados pelo Ministério público por ocasião da propositura da ação, notadamente a divulgação da candidatura e contas eleitorais (fls. 27-28), verifica-se que a candidata investiu R$ 1.300,00 em sua campanha, tendo recebido ainda, quantias de doadores e de fornecedores, não sendo possível declarar, com segurança, que tais valores sejam ínfimos, mormente em relação a possibilidade financeira da candidata, a qual declarou ser agricultora.

Sinalo, por oportuno, que a legislação eleitoral não obriga aos candidatos a adoção de um sistema específico para realização de campanha eleitoral, com uso padronizado de quaisquer propagandas eleitorais, comícios ou outras formas que sejam de alto custeio. Ao contrário, os candidatos são livres para formular suas campanhas da melhor maneira que lhes aprouver.
Dessa forma, malgrado os argumentos trazidos pelo Ministério Público, entendo que o conjunto probatório formado aos autos não foi suficiente para comprovar, com a certeza necessária, a fraude no registro de candidatura dos demandados com relação ao preenchimento do percentual mínimo de 30% das cotas para cada gênero.

Como se percebe, de fato, a campanha eleitoral da recorrida RAQUEL não produziu o resultado que deseja qualquer candidato: ela logrou apenas 1 (um) voto para o cargo de vereador.

Contudo, dados trazidos nas contrarrazões (fls. 187-188) dão conta de que a referida candidata gastou o total de R$ 2.064,00, valor maior que o da ampla maioria de toda a nominata – maior que o de muitos candidatos do gênero masculino, aliás. Nessa linha, a candidata Andreia Piaia, apenas a título de exemplo, teve gastos eleitorais de R$ 1.377,00, e obteve 198 votos, ao passo que o candidato “Nelsinho” dispendeu R$ 1.392,00, e recebeu 145 votos.

Ou seja, inexiste relação direta entre os gastos realizados e a votação obtida. O total de despesas não indica que tenha havido a candidatura fictícia de RAQUEL, ao contrário. Ela talvez tenha sido apenas malsucedida, e tal dúvida há de militar em favor dos recorridos.

Assim, tenho que o acervo probatório demonstra que a candidata buscou votos, ainda que de forma não exitosa, aliás é de se admitir que RAQUEL laborou sua candidatura em circunstâncias realmente pouco favoráveis ao sucesso - família dividida politicamente, conforme fl. 142, e companheiro eleitor de cidade vizinha (fl. 143).

Este Tribunal já se pronunciou assentando que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, não realizarem propaganda eleitoral ou oferecerem renúncia no curso das campanhas, não configura, por si só, condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, cito os seguintes precedentes:

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Página 6-7.)

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012.

Representação julgada improcedente no juízo de origem.

Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 41743, ACÓRDÃO de 07.11.2013, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14.11.2013, Página 5.)

Reste claro, contudo, que a pouca representatividade das mulheres na política é fenômeno bem diagnosticado, sendo pertinentes e elogiáveis as medidas que buscam fomentar o exercício feminino dos direitos políticos passivos.

Na doutrina, Adriana Campos Silva e Polianna Pereira dos Santos apontam que “as leis de cotas surgem com a finalidade de efetivar esse direito intrinsecamente relacionado à democracia: a igualdade e a participação de adultos – homens e mulheres – nas tomadas de decisões da vida política” (Participação política feminina e a regulamentação legal das cotas de gênero no Brasil: breve análise das eleições havidas entre 1990 e 2014. In: Adriana Campos Silva; Armando Albuquerque de Oliveira; José Filomeno de Moraes Filho (Org.). Teorias da democracia e direitos políticos. 1 ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, vol. 1, p. 427-448).

É cediço ainda que o mecanismo de promoção da participação feminina na política tem encontrado resistência desde sua positivação no Brasil, mas é possível vislumbrar que a eventual postura dos partidos de lançar candidatas de forma fraudulenta apenas para viabilizar outras, do sexo masculino, vem encontrando eco na jurisprudência.

Como exemplo, é possível apontar recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral, de relatoria do Ministro Henrique Neves da Silva, em cuja ementa constou:

Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências.

(Recurso Especial Eleitoral n. 24342, Acórdão de 16.8.2016.)

Faço tal apontamento para estabelecer que, embora no caso em exame não tenha sido reconhecida a fraude à lei, mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas tendem a aumentar a exigência em relação ao aparelhamento pessoal e material das candidatas para as eleições vindouras.

Contudo, no caso dos autos, não há prova robusta, concreta, de que a candidata tenha sido registrada com vício de consentimento, de que tenha promovido a campanha de terceiros, ou ainda de que não tenha efetivamente atuado em sua própria propaganda.

Há de se preservar a acertada sentença pela improcedência da ação.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença recorrida pelos próprios fundamentos.