RE - 11381 - Sessão: 14/11/2017 às 17:00

 RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por ALDA TEREZINHA VENDRAME FOGAÇA contra sentença do Juízo da 136ª Zona Eleitoral (fls. 44-46), que desaprovou suas contas referentes à Campanha Eleitoral de 2016 e determinou, na forma do art. 26, caput, da Resolução TSE n. 23.463/15, o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 1.085,00, em face do recebimento de doação mediante depósito bancário em espécie.

Em suas razões (fls. 47v.-50), a candidata aduz que a doação acima do limite legal se deu de forma identificada, com recursos próprios, ultrapassando minimamente o permissivo legal e sem prejuízo à análise das contas. Alega ser inconstitucional o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, devendo a quantia retornar ao doador. Requer, ao final, o provimento do recurso para que as contas sejam aprovadas e  a concessão de assistência judiciária gratuita – AJG (fl. 47).

Nesta instância, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 57-60v.).

É o breve relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo.

Preliminarmente, examino o pedido de AJG e a alegada inconstitucionalidade do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

A AJG rege-se pela Lei n. 1.060/50 e abrange, no que diz com o pleito ora em análise, emolumentos e custas, bem como honorários de advogado.

Diferentemente do que acontece com os processos que tramitam na Justiça Comum, nos feitos eleitorais não há condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, tendo em vista que a própria Constituição Federal dispõe, em seu art. 5°, que além do habeas corpus e do habeas data, qualquer ato necessário ao exercício efetivo da cidadania deverá ser gratuito, ou seja, não vai ser objeto de custas ou emolumentos.

Essa disposição constitucional foi regulamentada pela Justiça Eleitoral em 1996, por meio da Lei n. 9.265, a qual tornou gratuitos atos necessários à cidadania, como os pedidos de informações ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a denúncia de irregularidades administrativas na órbita pública; as ações eleitorais, e quaisquer requerimentos ou petições que visem às garantias individuais e à defesa do interesse público.

Assim, no que concerne às custas iniciais, não há interesse recursal, tendo em vista não serem devidas na Justiça Eleitoral, inexistindo, no âmbito do TRE-RS, uma tabela prévia de custas.

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. CONDUTA VEDADA. CARACTERIZAÇÃO. PROCESSO ELEITORAL. JUSTIÇA. GRATUIDADE. INEXISTÊNCIA. REEXAME. FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. No processo eleitoral não há falar em gratuidade de justiça, porquanto não há custas processuais e tampouco condenação em honorários advocatícios em razão de sucumbência.

2. Alterar a conclusão da Corte Regional que assentou a prática de conduta vedada pela agravante demandaria o vedado reexame do acervo fático-probatório dos autos nesta instância extraordinária, em ofensa às Súmulas nos 7 do STJ e 279 do STF.3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 148675, Acórdão de 12.05.2015, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Tomo 112, Data 16.06.2015, Página 23.)

Quanto à alegada inconstitucionalidade da devolução dos valores, doados indevidamente, ao Tesouro Nacional, não assiste razão ao recorrente.

Aqui, como razão de decidir, adiro ao parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, o qual, para evitar tautologia, transcrevo:

O objeto do julgamento de prestação de contas é garantir a regularidade do processo democrático, sendo norteado pelos princípios da transparência, veracidade, publicidade e legalidade. Diante disto, o TSE, no exercício de seu poder regulamentar, incluiu no texto da Resolução TSE nº 23.463/2015 norma prevendo o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores arrecadados de origem não identificada.

O art. 26 da citada Resolução visa a dar efetividade ao disposto na Lei nº 9.504/97, não se podendo falar em confisco, visto não se tratar, verdadeiramente, de uma sanção. Nesse sentido, destaco trecho do voto do Exmo. Ministro Henrique Neves da Silva nos autos do Recurso Especial Eleitoral n. 2481-87:

A regra do art. 29 da Res.-TSE n° 23.406, ao contrário do considerado pelo acórdão regional e pelo parecer da d. Procuradoria-Geral Eleitoral, não constitui, em si, a aplicação de uma sanção. Ao contrário, o dispositivo permite - independentemente da caracterização da infração - que a interminável pesquisa sobre a origem do recurso por parte da Justiça Eleitoral e dos próprios candidatos e partidos políticos possa ser substituída pela devolução dos respectivos recursos aos cofres públicos, evitando-se, assim, longos períodos de suspensão da distribuição das quotas do Fundo Partidário. Nesse aspecto, não há falar em extrapolação da função normativa secundária deste Tribunal ao editar a Res.-TSE n° 23.406 ou em violação ao art. 105 da Lei n° 9.504/97. (…) Nessa linha, reconhecer que os candidatos e partidos políticos somente podem utilizar recursos financeiros cuja origem esteja devidamente identificada e não podem usar aqueles provenientes de fontes vedadas, e, ao mesmo tempo, permitir que tais recursos – não identificados - permaneçam à disposição dos candidatos ou dos partidos políticos revelaria, no mínimo, um gigante contrassenso, em manifesto desrespeito ao ordenamento jurídico vigente, retirando por completo da decisão judicial qualquer efeito prático no que tange à impossibilidade de utilização de tais recursos. Daí é que, além de constituir uma garantia para as agremiações contra a interminável suspensão da distribuição de quotas do Fundo Partidário, por força do art. 36, 1, da Lei n° 9.096/96, as disposições previstas no art. 29 da Res. -TSE n° 23.406, de 2013, também servem à padronização da prestação jurisdicional ao dispor que os recursos de origem não identificada devem ser destinados ao erário, evitando-se, assim, que cada magistrado brasileiro, com o propósito de assegurar o resultado efetivo do processo e da prestação jurisdicional, decida de forma diversa sobre a destinação de tais valores. Desse modo, o dispositivo indicado - reiterado e aperfeiçoado há várias eleições - não contém obrigação que não derive diretamente da Constituição da República, das leis eleitorais e da prestação jurisdicional por parte da Justiça Eleitoral, por isso está em plena consonância com a atividade de organização e fiscalização do financiamento dos pleitos eleitorais. (grifou-se)

 

Nesse sentido caminha a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. IDENTIFICAÇÃO. DOADOR ORIGINÁRIO. RECURSO ESTIMÁVEL. ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO. TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO. 1. A determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, de recursos cuja origem não tenha sido identificada destina-se a conferir efetividade à regra que proíbe o recebimento de recursos de fonte vedada. 2. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, "nos termos do art. 29 da Res.-TSE nº 23.406, os recursos de natureza não identificada verificados nas prestações de contas de campanha devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, em face da manifesta ilegalidade de sua utilização pelos candidatos ou pelos partidos políticos" (REspe nº 2134- 54/GO, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 25.2.2016). 3. Toda a sistemática decorrente da ordem constitucional e de todo o sistema legal leva à conclusão prevista no art. 29 da Res.-TSE nº 23.406/2014. 4. A pretensão que objetiva o afastamento da irregularidade por ausência de indicação do doador originário não pode ser conhecida, pois apresentada apenas em agravo regimental de decisão que deu provimento a recurso da parte adversa. Havendo sucumbência e não interposto o recurso com a irresignação, está preclusa a matéria. Precedente. 5. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 234408, Acórdão de 03.05.2016, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 16.09.2016, Página 57.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Nos termos do art. 29 da Res.-TSE nº 23.406, os recursos de natureza não identificada verificados nas prestações de contas de campanha devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, em face da manifesta ilegalidade da sua utilização pelos candidatos ou pelos partidos políticos. 2. "A determinação de recolhimento aos cofres públicos do valor correspondente aos recursos recebidos pelo candidato de fonte vedada ou de origem não identificada, prevista no § 3º do art. 26 da Res.-TSE nº 23.406, atende aos princípios e às regras constitucionais que regem a prestação de contas, a transparência do financiamento eleitoral e a normalidade e legitimidade das eleições." (REspe nº 1224-43, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 5.11.2015). 3. "O TSE não se excedeu em seu poder regulamentar ao aprovar a regra prevista no art. 29 da Res.-TSE nº 23.406/2014, segundo a qual os recursos de origem não identificada devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional." (AgRREspe nº 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 11.3.2016). Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 209472, Acórdão de 07.04.2016, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 19.04.2016, Página 19.) (grifou-se.)

Portanto, não prospera a preliminar.

Mérito

As contas foram desaprovadas em razão da incontroversa irregularidade na arrecadação de recursos financeiros pela candidata, porquanto recebida doação financeira de valores superiores a R$ 1.064,10, realizadas por meio de depósito em espécie em sua conta-corrente de campanha.

O ilícito configurou-se no depósito, pela recorrente - enquanto pessoa física, em sua conta pessoa jurídica, voltada exclusivamente para eleição - da importância de R$ 1.085,00, em espécie, afrontando o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, verbis:

Art. 18 As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II – doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. (Grifei.)

Em manifestação, a candidata informa que realizou o depósito com recursos próprios, ultrapassando minimamente o valor autorizado pela norma vigente e de forma identificada (fls. 11-12), tratando-se de mera irregularidade que não contamina a prestação de contas, sem indicação de má-fé.

Ainda, colacionou legislação - art. 23, § 4º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 - que autoriza o depósito em espécie, desde que identificado, e jurisprudência sobre a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A exigência normativa de realização de doação de campanha por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como o recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas e a desobediência aos limites de doação, mantendo a paridade de armas entre os candidatos durante o pleito.

Compulsando os autos, à míngua de qualquer prova material a comprovar a origem do valor doado, ou a justificar o depósito, a recorrente não logrou êxito em corroborar a verossimilhança de suas alegações. Nesses casos, a título de exemplo, a candidata poderia ter juntado extrato bancário de sua conta pessoal, com saque no valor da doação e depósito, no mesmo dia, em sua conta campanha. O documento unilateral da fl. 12 indica apenas o depositante, não demonstrando a origem do recurso.

Assim, apesar dos combativos argumentos da defesa, foram eles incapazes de infirmar os fundamentos do decisum. Dessarte, por consectário lógico, adequado o recolhimento dos valores arrecadados em campanha, por infringência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE nº 23.463/15.

Segue, por oportuno, entendimento firmado por esta Corte no sentido da necessidade de seu repasse integral ao Tesouro Nacional:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegação de omissão e de contradição no acórdão que, por maioria, aprovou as contas de candidato.

2. Omissão no exame da origem da quantia depositada em espécie, R$ 6.050,00, sem a transferência eletrônica exigida para valor igual ou superior a R$ 1.064,10. Acolhimento.

A decisão colegiada procedeu à análise da origem dos recursos impugnados por meio da apreciação dos comprovantes de depósito, que limitam-se a descrever a forma utilizada – em dinheiro - e a identificar o próprio candidato como depositante. Interpretação que nega eficácia ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, ao permitir que as doações sejam dissimuladas por meio do repasse de valores em espécie, posteriormente depositados pelo próprio beneficiário em sua conta de campanha. Declaração de bens do candidato entregue à Justiça Eleitoral demonstrando apenas a propriedade de dois automóveis, inexistente registro de posse de dinheiro em espécie ou em conta bancária.

3. Contradição existente no decisum que considerou regular o depósito em espécie, de R$ 6.050,00, realizado diretamente na conta do candidato. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não faz distinção entre eleitores e candidatos. Por tratar-se de modalidade de doação de pessoa física, valores repassados pelo próprio candidato à sua campanha também devem observar a exigência normativa de transferência eletrônica. A finalidade é justamente coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Irregularidade que representa 78% do total da arrecadação e transcende em mais de 5 (cinco) vezes o valor de referência a partir do qual a disciplina legal afirma a compulsoriedade de transferência eletrônica. Falha grave, que repercute na confiabilidade das informações e impede a efetiva fiscalização das contas ofertadas.

4. Embargos acolhidos. Atribuição de efeitos infringentes. Contas desaprovadas. Recolhimento de R$ 6.050,00 ao Tesouro Nacional.

(E.Dcl. no RE 203-27.2016.6.21.0092, Relator Des. Jorge Luís Dall'Agnol, Sessão de 26.7.17.)

Em respeito ao precedente e buscando dar aplicação ao disposto no art. 926 do Código de Processo Civil, em relação à estabilização da jurisprudência dos tribunais, anoto que a irregularidade no valor de R$ 1.085,00 representa 22,17% do total das receitas de campanha (R$ 4.892,65 - fl. 34), não se revestindo a falha em mera formalidade, tampouco cabendo aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em conta o elevado percentual que representa.

Nesse trilhar, a despeito da alegada boa-fé, a recorrente não logrou êxito em demonstrar, com segurança, a origem dos recursos ou justificar seu depósito, em afronta à norma de regência, devendo ser mantida a decisão de piso.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas de ALDA TEREZINHA VENDRAME FOGAÇA, referentes à Campanha Eleitoral de 2016, e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 1.085,00.