RC - 5757 - Sessão: 13/12/2017 às 18:00

RELATÓRIO

MARCOS ANTÔNIO PASA interpõe recurso contra a decisão do Juízo da 154ª Zona Eleitoral – Arroio do Tigre, a qual rejeitou a queixa-crime por ilegitimidade ativa do querelante e determinou o arquivamento do processo, conforme o art. 43,  inc. III, do Código de Processo Penal, fls. 57-58.

Nas razões de recurso (fls. 60-66), aduz que o Ministério Público Eleitoral extrapolou o prazo que lhe cabia, e que o fundamento da rejeição não merece prosperar, pois possui legitimidade ativa relativamente à queixa-crime ocorrida em ofensa à sua honra. Requer o recebimento e o provimento do recurso.

Com contrarrazões de MARCIANO RAVANELLO (fls. 70-75) e parecer do Ministério Público Eleitoral (fl. 193 e v.), subiram os autos.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral se manifestou preliminarmente pela nulidade em razão da competência originária do Tribunal Regional Eleitoral e, no mérito, pela ausência de justa causa para a ação penal.

É o relatório.

À douta revisão.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Adiro, integralmente, ao parecer do d. Procurador Regional Eleitoral.

Em primeiro lugar, com a posse de MARCIANO RAVANELLO, querelado, no cargo de Prefeito de Arroio do Tigre, a competência, tanto para o processamento e julgamento de ações, bem como a requisição de instauração de inquérito policial, é deste Tribunal Regional Eleitoral, conforme o art. 29, inc. X, da Constituição Federal.

Note-se que a decisão de instauração do inquérito foi proferida em 29.3.2017, conforme constante à fl. 45v., ou seja, bem após a referida posse.

E, tratando-se de crime eleitoral, a formação da opinio delicti é de competência exclusiva do Ministério Público desta Justiça Especializada, pois conforme o art. 355 do Código Eleitoral, todas as ações penais eleitorais são públicas incondicionadas, “inclusive as referentes a crimes em que o bem jurídico secundariamente tutelado é a honra (arts. 324, 325 e 326)”.

A exceção é, de fato, a ação penal privada subsidiária da pública, cabível quando o titular originário não confere qualquer andamento à demanda ou às peças de informação as quais tenha conhecimento (diligências, arquivamento ou denúncia, por exemplo).

E os fatos em controvérsia – termos utilizados durante um debate entre os candidatos, veiculado pela rádio local no dia 27.9.2016, foram objeto de promoção de arquivamento pelo Ministério Público Eleitoral de 1º Grau (fl. 11).

Contudo, como evidenciado pelo d. PRE, o ato praticado pelo membro do Ministério Público Eleitoral, com atribuição na época do fato para atuar (pois RAVANELLO ainda não havia sido diplomado Prefeito), não foi submetido ao órgão de revisão e, consequentemente, não se perfectibilizou, mantendo-se a faculdade constitucional de oferecimento de queixa-crime subsidiária.

Daí, considerando-se tais circunstâncias – (1) a não perfectibilização do arquivamento, e (2) a competência deste TRE, em razão do art. 29, inc. X, da CF - é de se entender nulo o processo desde a decisão exarada em 29.3.2017 (fl. 45v.), exatamente com fundamento no dispositivo constitucional mencionado.

Tal posição traz, como efeito, o exame do mérito.

 

MÉRITO

Tal qual em relação ao tópico preliminar, acolho integralmente as razões expostas pelo d. Procurador Regional Eleitoral, as quais expressamente acolho como razões de decidir (fls. 209-211):

Consultando-se o inteiro teor do debate promovido pela Rádio Sobradinho FM no dia 27/09/2016 entre os então candidatos a Prefeito Municipal de Arroio do Tigre, PASA e RAVANELLO, com cerca de 1:40 hora de duração, não vislumbramos ofensa a nenhum bem jurídico tutelado pelos tipos penais eleitorais. De plano, descarta-se o enquadramento no art. 323 do CE pela ausência da elementar do tipo “propaganda”. Na mesma linha, descarta-se o enquadramento das falas pontuadas pelo querelante no art. 324 do CE pela ausência da elementar do tipo “fato definido como crime”. Poder-se-ia cogitar, em tese, do tipo do art. 325 ou do tipo do art. 326 do CE, já que ambos contém o elemento normativo “visando a fins de propaganda”, no qual pode ser inserido o debate eleitoral1 . Contudo, considerando que as ditas falas foram direcionadas à atuação profissional de PASA (suposta existência de expedientes de natureza cível e criminal em andamento, versando sobre a apropriação, na condição de advogado, de valores destinados a clientes), o fato amolda-se, em tese, à difamação eleitoral. Note-se que, em tal hipótese, é irrelevante a veracidade (ou não) do fato atribuído ao ofendido.

[…]

Na medida em que a honra objetiva é o foco de tutela do art. 139 do CP, sua proteção pelo art. 325 do CE aparece de forma secundária, incidental. Trata-se, em última análise, do meio empregado pelo agente (ofensa a honra objetiva de pessoa relacionada ao processo eleitoral) para violar a veracidade e correção da propaganda eleitoral (em sentido amplo), estes sim, bem jurídicos primariamente tutelados pela norma eleitoral. No caso concreto, não se vislumbra ofensa ao bem jurídico primariamente tutelado pelo art. 325 do CE na medida em que, desde o início, o debate foi focado, por ambos candidatos, no apontamento de falhas de seu oponente no exercício de mandatos políticos em curso ou anteriores (PASA: Vereador, 2013-2016; RAVANELLO: Prefeito Municipal, 2009-2012), objetivando, com isso, demonstrar que o outro não detinha a qualificação necessária para exercer mandato de gestão pública. Na terceira e quarta partes do debate, destinadas às perguntas de um candidato para o outro (e não mais do mediador), as críticas acirraram-se, e passaram a abarcar, também as atuações profissionais de um e de outro (PASA: advogado; RAVANELLO: empresário), de seus vices e, até mesmo, de familiares. Nesse contexto, surgiu o questionamento de RAVANELLO a PASA, relativo à existência de expedientes de natureza cível e criminal versando sobre a apropriação, na condição de advogado, de valores destinados a clientes (cobrança e apropriação indébita).

A cada questionamento, inclusive esse, seguiu-se réplica e tréplica, de modo que todos os assuntos versados chegaram ao corpo de eleitores com a manifestação de ambos candidatos. Especificamente em relação aos supostos expedientes de apropriação indébita e cobrança, PASA esclareceu que o primeiro consistiu em um boletim de ocorrência que foi arquivado, que qualquer um pode registrar um BO, o que não significa que o fato noticiado efetivamente aconteceu ou configura crime. No que pertine a seara cível, optou por responder com a retomada de assunto questionado anteriormente ao oponente, afirmando que o maior devedor de ICMS do município é da família RAVANELLO (o contexto integral pode ser aferido a partir de 57:18 min do áudio de fl. 13). Nesse cenário, cabe ponderar, que, conquanto fortes, contundentes, ácidos, os questionamentos e as respectivas respostas ao longo de todo o debate (inclusive as falas pontuadas na queixa-crime), não extrapolaram a crítica mordaz, nem descambaram para ofensas, concentrando-se em assuntos controversos, polêmicos porém pertinentes, em maior ou menor grau, a almejada posição de gestor público, objeto da disputa eleitoral. Daí porque não se vislumbra ofensa ao bem jurídico (primário) tutelado pela norma, sem a qual não se há falar em crime de difamação eleitoral.

Inocorrente ofensa a qualquer bem jurídico tutelado pelo direito penal eleitoral e, portanto, ausente justa causa. Os debates eleitorais, ocorrentes que são na seara política, têm em si a própria característica do embate, da crítica e do enfrentamento.

Nessa linha, a contundência de determinada fala deve, sempre, ser considerada de forma contextual – inclusive no condizente à pertinência do tema que está sendo tratado.

Foi exatamente o que ocorreu. O debate foi, sem dúvida, aguerrido: foram colocadas em xeque as posições profissionais dos candidatos, situações das respectivas vidas cotidianas, inclusive relativa a familiares. Se, de um lado, pode-se questionar se o tempo do debate poderia ser melhor utilizado mediante o emprego de propostas de gestão, é certo também que as falas não ofenderam o bem jurídico primário tutelado pelo comando do art. 325 do Código Eleitoral.

Ante o exposto, VOTO para:

a) declarar nulo o processo, a partir da decisão constante à fl. 45 e v., com fundamento no art. 29, inc. X, da Constituição Federal;

b) rejeitar a queixa-crime subsidiária, por ausência de justa causa, com fundamento no art. 395, inc. III, do Código de Processo Penal.

Determino, ainda, seja desentranhado o parecer de fls. 199-202 e disponibilizado à Procuradoria Regional Eleitoral, conforme requerido.