RE - 35810 - Sessão: 06/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LILIAN REJANE NUNES SAMPAIO RODRIGUES contra a sentença (fls. 54-55) que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016 para o cargo de vereador no Município de Pelotas, em virtude da ausência de recursos estimáveis em dinheiro doados na forma de serviços jurídicos e contábeis, nos termos do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Nas razões (fls. 65-70), a candidata alega excessivo rigor no decisum. Informa que houve falha de digitação dos lançamentos no sistema SPCE. Aduz que as irregularidades apontadas não são insanáveis. Requer, preliminarmente, a acolhida dos novos documentos juntados. Postula, ao fim, a reforma da sentença para aprovar as contas com ou sem ressalvas, e a concessão de assessoria jurídica gratuita - AJG.

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pelo não conhecimento dos documentos que acompanham o recurso, porque intempestivamente apresentados, e, no mérito, pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

 

VOTO

Da Tempestividade

O recurso foi interposto em 30.5.2017 (fl. 65), a intimação deu-se, primeiramente, em 23.5.2017, via DEJERS (fl. 58), e novamente, em 26.5.2017, em cartório (fl. 60), devendo prevalecer a última data. Tempestivo, portanto, o apelo nos termos do art. 77 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Do pedido de assistência Jurídica Gratuita (AJG)

A AJG rege-se pela Lei n. 1.060/50 e abrange, no que se refere ao pleito ora em análise, emolumentos e custas, bem como honorários de advogado.

Diferentemente do que acontece com os processos que tramitam na Justiça Comum, nos feitos eleitorais não há condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, tendo em vista que a própria Constituição Federal dispõe, em seu art. 5°, que além do habeas corpus e do habeas data, qualquer ato necessário ao exercício efetivo da cidadania deverá ser gratuito, ou seja, não será objeto de custas, nem emolumentos.

Essa disposição constitucional foi regulamentada pela Justiça Eleitoral em 1996, por meio da Lei n. 9.265, a qual tornou gratuitos atos necessários à cidadania, como os pedidos de informações ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a denúncia de irregularidades administrativas na órbita pública; as ações eleitorais, e quaisquer requerimentos ou petições que visem as garantias individuais e a defesa do interesse público.

Assim, no que concerne às custas iniciais, não há interesse recursal tendo em vista não serem devidas na Justiça Eleitoral, inexistindo, no âmbito do TRE-RS, uma tabela prévia de custas.

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. CONDUTA VEDADA. CARACTERIZAÇÃO. PROCESSO ELEITORAL. JUSTIÇA. GRATUIDADE. INEXISTÊNCIA. REEXAME. FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. No processo eleitoral não há falar em gratuidade de justiça, porquanto não há custas processuais e tampouco condenação em honorários advocatícios em razão de sucumbência.

2. Alterar a conclusão da Corte Regional que assentou a prática de conduta vedada pela agravante demandaria o vedado reexame do acervo fático-probatório dos autos nesta instância extraordinária, em ofensa às Súmulas nos 7 do STJ e 279 do STF.

3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 148675, Acórdão de 12.5.2015, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 112, Data 16.6.2015, Página 23.)

Nestes termos, considero atendida a demanda.

Da Juntada de documentos

Quanto à prefacial de não conhecimento dos novos documentos acostados pela recorrente ao recurso, arguida pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, traço algumas considerações.

De acordo com o § 1º do art. 64 da Resolução TSE n. 23.463/15, “as diligências devem ser cumpridas pelos candidatos e partidos políticos no prazo de setenta e duas horas contadas da intimação, sob pena de preclusão”.

Contudo, este Tribunal, sempre com ressalvas apresentadas pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, tem concluído, em casos excepcionais, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, no âmbito dos processos de prestação de contas.

Tal raciocínio tem sido observado apenas quando a simples leitura da nova documentação pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica, providência que não se coaduna com a hipótese de juntada de prestação de contas retificadora.

Dessa forma, é inviável a pretensão recursal de que o Tribunal suprima a competência da primeira instância, para analisar a prestação de contas retificadora e os documentos juntados apenas com o recurso, à guisa de reforma do julgado.

A desídia do prestador durante a tramitação do feito não tem o condão de forçar a reabertura da fase de instrução processual.

Depois de sentenciado o feito, a parte não pode postular, ao órgão recursal, a realização de novo julgamento, com base em retificação de contas e em prova não submetida ao prolator da sentença, sobretudo quando não atendeu à intimação realizada pelo juízo monocrático.

Acolho a preliminar ministerial para não analisar os documentos juntados.

Mérito

A magistrada ad quo desaprovou as contas da recorrente em razão da ausência de declaração de doações estimáveis em dinheiro, na forma de serviços jurídicos e contábeis, em afronta aos arts. 18 e 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, verbis:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

§ 1º Os bens próprios do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura.

§ 2º Partidos políticos e candidatos podem doar entre si bens próprios ou serviços estimáveis em dinheiro, ou ceder seu uso, ainda que não constituam produto de seus próprios serviços ou de suas atividades.

§ 3º O disposto no § 2º não se aplica à aquisição de bens ou serviços que sejam destinados à manutenção da estrutura do partido durante a campanha eleitoral, hipótese em que deverão ser devidamente contratados pela agremiação e registrados na sua prestação de contas de campanha.

Irresignada, Lilian Rejane Nunes Sampaio Rodrigues, ao considerar excessivo rigor na sentença e a não gravidade das falhas apontadas, interpôs recurso e juntou prestação de contas retificadora, postulando seu acolhimento e a aprovação de suas contas com ou sem ressalvas.

Aqui, diferindo da sentença, impende lembrar a pacífica jurisprudência do eg. TSE no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processos jurisdicionais não são considerados gastos eleitorais de campanha, consoante ilustra o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. Desaprovação. Candidato. Deputado estadual.

1. Não houve impugnação do fundamento da decisão agravada de ausência de indicação de julgado para comprovar o dissídio jurisprudencial em relação à falha atinente à arrecadação de recursos de origem não identificada. Incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.

2. Tendo o candidato sido intimado para sanar as falhas apontadas no relatório preliminar, os documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, por incidência da regra da preclusão. Precedente: AgR-REspe nº 222-86, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.10.2015.

3. Os serviços advocatícios de consultoria prestada aos candidatos no curso das campanhas eleitorais constituem atividade-meio e, como acessórios da campanha eleitoral, devem ser contabilizados como gastos eleitorais. Precedentes.

4. Os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade relacionados com processo jurisdicional-contencioso não podem ser considerados como gastos eleitorais de campanha nem estão sujeitos à contabilização ou à limitação que possa impor dificuldade ao exercício da ampla defesa.

5. Agravo regimental que deve ser negado, pois o afastamento da irregularidade relativa à ausência de contabilização dos honorários do advogado e do contador que assinaram a prestação de contas não é suficiente para reformar a decisão que rejeitou as contas do candidato, em virtude da manutenção da irregularidade relacionada à existência de recursos de origem não identificada relativa às transferências de recursos pelo órgão partidário sem a identificação do doador originário. Agravo regimental não provido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 77355, Acórdão de 1°.3.2016. Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE- Diário de Justiça Eletrônico, Data 28.4.2016, Páginas 53-54.) (Grifei.)

Destarte, é necessário distinguir a consultoria jurídica, que constitui atividade-meio em campanhas eleitorais, da representação processual em feitos judiciais.

Nessa senda, o TSE, em 1º de março de 2016, editou a Resolução de n. 23.470, alterando a redação do § 1º e acrescentando o § 1º-A ao art. 29, de modo a consagrar a referida diferenciação, verbis:

Art. 29. (…)

§ 1º As contratações de serviços de consultoria jurídica e de contabilidade prestados em favor das campanhas eleitorais deverão ser pagas com recursos provenientes da conta de campanha e constituem gastos eleitorais que devem ser declarados de acordo com os valores efetivamente pagos.

§ 1º-A Os honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e de contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial não poderão ser pagos com recursos da campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual.

Colaciono, ainda, ementa de recente julgado deste Regional:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Contabilização de serviços advocatícios. Art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Parecer conclusivo e manifestação ministerial de piso pela rejeição das contas. Proferida sentença de desaprovação sem que tenha sido oportunizada prévia manifestação à candidata acerca das irregularidades apontadas, conforme previsão do art. 64, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Decisão consubstanciada na ausência de registro de gastos e dos respectivos recibos, referentes à contratação de serviços advocatícios durante a prestação de contas. Ainda que, nesta instância, tenha sido verificado o vício procedimental, deixa-se de reconhecer de ofício a nulidade, em virtude da possibilidade de decisão favorável quanto ao mérito, sem representar qualquer prejuízo à interessada.

Diferenciação conceitual entre o serviço advocatício prestado em processo judicial contencioso e o serviço de consultoria jurídica realizado em favor das campanhas eleitorais. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha. Situação distinta do serviço de consultoria, atividade-meio prestada durante a campanha eleitoral, paga com recursos provenientes da conta de campanha, constituindo gasto eleitoral que deve ser declarado de acordo com os valores efetivamente pagos. Inteligência do disposto no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Demonstrada a outorga da procuração no mês de outubro de 2016, excluindo a obrigação contraída do rol de despesas de campanha. Não identificada impropriedade ou irregularidade na prestação, devem ser aprovadas as contas.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 24846, Acórdão de 07.3.2017, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09.3.2017, Página 5.) (Grifei.)

Contudo, ainda que fosse acolhida a prestação de contas retificadora apresentada com o recurso e/ou aplicado o art. 29, § 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15, que versa sobre a não necessidade de declaração das doações estimáveis em dinheiro relativas a serviços jurídicos e contábeis, a sentença é de ser mantida, sobretudo porque resta pendente a juntada dos extratos bancários definitivos, ausência que impossibilita qualquer averiguação efetiva das contas da candidata, com supedâneo no art. 48, inc. II, al. a, da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 48

Ressalvado o disposto no art. 57, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta, cumulativamente:

II - pelos seguintes documentos:

a) extratos da conta bancária aberta em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário, quando for o caso, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 3º, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira;

A conta foi aberta em 26.8.2016, fl. 73, logo, os extratos devem compor desta data até o encerramento, o qual, segundo Demonstrativo de Compromissos do Banco do Brasil, tem previsão limite para o dia 06.11.2016 (fl. 98).

Corroborando, trago lição de Rodrigo Lopez Zílio (Direito Eleitoral, 5ª ed., p. 452):

Os extratos eletrônicos das contas bancárias – que devem ser padronizados conforme normas do Banco Central e devem conter o registro da movimentação financeira entre as datas de abertura e encerramento da conta – serão disponibilizados para consulta pública na página do TSE na Internet (art. 12, §§3º e 4º, da Res. nº 23.463/15).

Colaciono, ainda, ementa de julgado neste sentido:

ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. ARTS. 7º E 48 DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015. ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA. AUSÊNCIA. EXTRATOS BANCÁRIOS. NÃO APRESENTAÇÃO. PEÇAS ESSENCIAIS. IRREGULARIDADES GRAVES QUE DIFICULTAM A ANÁLISE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 68, §§ 3º E 5º, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.463/2015. (162-46.2016.603.0000. PC - PRESTAÇÃO DE CONTAS n 16246 – Macapá/AP. ACÓRDÃO n 5655 de 02.8.2017. Relator LÉO ALEXANDRO DE LIMA FURTADO. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico - TRE/AP, Tomo 144, Data 04.8.2017, Página 5.)

Nesses termos, correta a decisão que concluiu pela desaprovação das contas, pois as razões recursais não apresentam argumentos suficientes para provocar a alteração dessa convicção.

ANTE O EXPOSTO, acolho a preliminar ministerial para não conhecer dos novos documentos apresentados pela recorrente, e, no mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso.