E.Dcl. - 11954 - Sessão: 26/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pela ASSOCIAÇÃO DE RÁDIO DIFUSÃO COMUNITÁRIA HARMONIA em face do acórdão das fls. 65 a 66v., que não conheceu do recurso interposto contra a sentença, por intempestivo.

Em suas razões, o embargante sustenta ser advogado dativo, nomeado pelo juízo de primeiro grau para a defesa do embargante. Argumenta ser omisso o acórdão na medida em que não reconhece ao defensor as mesmas prerrogativas da defensoria pública, notadamente a contagem do prazo recursal em dobro. Requer sejam atribuídos efeitos infringentes aos embargos, para ser conhecido o recurso e analisado seu mérito.

Em razão do requerimento de efeitos infringentes, foi concedido prazo à parte contrária, nos termos do art. 1.023, § 2º, do CPC, o qual transcorreu sem manifestação.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Nulidade da intimação e tempestividade recursal:

Os embargos buscam modificar a conclusão do acórdão que não conheceu do recurso interposto contra a sentença, em razão da sua intempestividade.

O embargante sustenta que atua como defensor dativo, nomeado pelo juízo de primeiro grau para promover a defesa da Associação de Rádio Difusão Comunitária de Harmonia; no entanto, o acórdão embargado omitiu-se em reconhecer a ele a prerrogativa da contagem do prazo recursal em dobro.

Sem razão o embargante.

Embora o defensor dativo, nomeado pelo juízo, exerça a atividade em substituição à Defensoria Pública, é pacífica a jurisprudência no sentido de que a ele não se aplica a prerrogativa de contagem do prazo em dobro, conferida exclusivamente ao órgão público, por força da insuficiência estrutural para o elevado volume de demandas. Nesse sentido, cite-se a seguinte ementa:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO APRESENTADO FORA DO PRAZO LEGAL. DEFENSOR DATIVO. PRAZO SIMPLES PARA RECORRER.

PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça já firmou o posicionamento de que o prazo em dobro para recorrer, previsto no art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50, não se estende aos defensores dativos, ainda que credenciados pelas Procuradorias-Gerais dos Estados via convênio com as Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil.

2. Agravo interno não provido.

(STJ, AgInt no AREsp 781.285/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07.3.2017, DJe 16.3.2017.)

Todavia, embora o defensor dativo não tenha direito à contagem do prazo em dobro, é assegurada a ele a prerrogativa de ser intimado pessoalmente para a prática dos autos processuais, como se extrai da seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE. DEFENSOR DATIVO. NULIDADE DO ATO. INTIMAÇÃO PESSOAL.

PREJUÍZO À PARTE. ART. 5º, § 5º DA LEI Nº 1.060/50.EQUIPARAÇÃO A DEFENSOR PÚBLICO.

1. O Defensor dativo faz jus às mesmas prerrogativas do Defensor Público, qual a da intimação pessoal, prevista no art. 5º §5º da Lei 1.060/50, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem dispositio.

2. Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Federal na qual a defesa do requerido restou prejudicada à falta de intimação do defensor dativo na fase de alegações finais.

3. Esta Corte já firmou posicionamento no sentido de que a necessidade de intimação pessoal dos defensores públicos, prevista no art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50, estendem-se àqueles que exerçam cargo equivalente, in casu, o defensor dativo, sob pena de nulidade absoluta. Precedentes: HC 61745/SP, DJ 18.12.2006; HC 59419 /SP, DJ 16.10.2006; HC 55438/SP; DJ 20.11.2006.

4. Recurso especial desprovido. (REsp 793.362/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03.5.2007, DJ 11.6.2007, p. 272.)

Tendo presente tal prerrogativa, verifica-se que a embargante foi intimada da sentença por meio de publicação no Mural Eletrônico (fl. 42), deixando-se de promover a intimação pessoal do defensor dativo.

Dessa forma, não se pode considerar a aludida intimação como válida, pois ofensiva ao contraditório, e passível de ser reconhecida a qualquer momento, por se tratar de nulidade absoluta.

Assim, os embargos merecem ser acolhidos, embora por fundamento distinto, para decretar a nulidade da intimação e reconhecer que o referido ato não produziu o efeito de dar início ao prazo recursal da parte.

Como consequência, deve-se conhecer do recurso interposto contra a sentença, pois não há que se falar em intempestividade recursal, diante da invalidade do ato de intimação.

 

Multa por pesquisa eleitoral irregular:

Modificado o acórdão embargado, para conhecer do recurso, passa-se ao enfrentamento de mérito da irresignação.

A sentença julgou procedente a representação ajuizada contra a Associação de Rádio Difusão Comunitária Harmonia, por realização e pesquisa eleitoral sem registro, condenando-a ao pagamento de multa no valor de R$ 53.205,00, conforme prevista no art. 17 da Resolução TSE n. 23.453/15:

art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais).

Entretanto, considerando as circunstâncias fáticas, não se pode concluir que a rádio comunitária tenha realizado pesquisa eleitoral no sentido empregado pela norma.

No dia 24 de setembro de 2016, o locutor abriu espaço para 10 telefonemas de ouvintes, em que o interlocutor deveria apenas dizer o número de seu candidato: “onze, quinze ou treze” (fl. 30). Foram atendidas as 10 ligações e contabilizadas as preferências.

Ao final da interativa, o locutor contabilizou os votos e fez questão de registrar que o resultado nada representava de efetivo sobre a preferência do eleitorado [sic]: “...o povo não se esquece que são dez pessoas, a gente abriu o telefone, num mundo de quarenta e, quarenta mil pessoas, trinta e oito, trinta e nove mil pessoas, são dez pessoas, dez pessoas não chega uma família, não se esquece disso aí tem muita coisa pela frente...” (fl. 30).

As pesquisas eleitorais possuem um forte poder de influência sobre os eleitores, como termômetro das intenções de voto da população, especialmente pelo grau de idoneidade do complexo trabalho realizado pelas entidades de pesquisa de opinião pública.

Por conta dessa complexidade e de seu potencial de influência, a legislação eleitoral impõe às empresas de pesquisa o prévio registro da metodologia de trabalho, a fim de viabilizar controle público e judicial das pesquisas, como se pode extrair do art. 33, caput, da Lei n. 9.504/97:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

I - quem contratou a pesquisa;

II - valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III - metodologia e período de realização da pesquisa;

IV - plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro;

V - sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI - questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII - nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal.

As características de uma pesquisa eleitoral, sustentada por rigor técnico dos seus dados, impõem o rigoroso controle pela legislação e a elevada penalidade pecuniária fixada para a hipótese de afronta aos requisitos legais.

As circunstâncias justificadoras da penalidade por divulgação de pesquisa eleitoral irregular evidenciam que o caso dos autos se distingue de forma clara das situações que a norma tem por finalidade evitar.

A singela interatividade com os ouvintes, o insignificante número de eleitores escutados e a destacada advertência realizada pelo interlocutor – de que as opiniões colhidas eram incapazes de representar a totalidade do eleitorado – afastam qualquer possibilidade de transmitir aos eleitores a impressão de que se tratava de uma pesquisa eleitoral, sendo incapaz, portanto, de influenciar o eleitorado local.

O Tribunal tem se manifestado nesse mesmo sentido, afastando a aplicação da multa por divulgação indevida de pesquisa eleitoral quando o fato evidentemente não se confunde com a seriedade e o rigor técnico próprios dos levantamentos de opinião pública:

Recurso. Representação. Pesquisa eleitoral. Facebook. Art. 33 da Lei n. 9.504/97. Parcial procedência. Eleições 2016.

Veiculação, no Facebook, de matéria relativa a intenções de voto, desprovida de qualquer dado técnico, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices, entre outros. Não obstante informar que os dados foram extraídos de uma pesquisa eleitoral, nem sequer foi citado o instituto responsável pela elaboração. Postagem desacompanhada de dados técnicos não equivale à pesquisa eleitoral propriamente dita. A norma proibitiva trazida no art. 17 da Resolução TSE n. 23.453/15 é dirigida aos protagonistas do pleito, aos institutos de pesquisas e grupos midiáticos que auferem ganhos diretos e indiretos com a produção, contratação e divulgação das pesquisas eleitorais. Situação diversa do caso concreto. Sentença reformada. Multa afastada.

Provimento.

(TRE-RS, RE 149-65, Rel. Dr. Jamil Bannura, 10.02.2017.)

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PESQUISA ELEITORAL. INTERNET. FACEBOOK. PRELIMINAR. ACOLHIMENTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. COLIGAÇÃO. LEI N. 12.891/13. ART. 241 DO CÓDIGO ELEITORAL E § 5º DO ART. 6º DA LEI N. 9.504/97. SOLIDARIEDADE RESTRITA A CANDIDATO E RESPECTIVO PARTIDO. ART. 96, § 11, DA LEI N. 9.504/97. EXIGÊNCIA. COMPROVAÇÃO DO PARTIDO NO ILÍCITO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ART. 33, § 3º DA N. LEI 9.504/97. INTEPRETAÇÃO RESTRITIVA. MÉRITO. ART. 33 DA LEI N. 9.504/97. REQUISITOS LEGAIS. AUSÊNCIA. SITUAÇÃO QUE POSSA LEVAR O ELEITOR A ERRO. INEXISTÊNCIA. ENQUETE OU SONDAGEM. CARACTERIZADA. MULTA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

[...]

2. Mérito. Inexiste nos autos elementos que possam inferir a contratação de entidade ou empresa profissional para a realização de pesquisa eleitoral dotada de um mínimo rigor metodológico, nos termos do art. 10 da Resolução TSE n. 23.453/15. A publicação deu-se na rede social Facebook, sem menção aos critérios técnicos adotados a uma pesquisa técnica específica. Ao revés, partiu de eleitores como simples manifestação de apoio e de superioridade de seu candidato. Tal situação não pode ser equiparada àquela que o legislador visou coibir com a aplicação de severa penalidade pecuniária. Caracterizada a conduta como divulgação de enquete ou sondagem, prevista no art. 23, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.453/15. Embora consista em prática vedada, incabível a aplicação de multa, em razão da ausência de previsão legal.

Provimento (TRE-RS, RE 467-75, Rel. Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julg. Em 12.7.2017.)

 

Dessa forma, no mérito, deve ser reformada a sentença, a fim de julgar improcedente a representação, afastando a sanção pecuniária imposta.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por acolher os embargos de declaração, conferindo-lhes efeitos infringentes para conhecer do recurso interposto e dar-lhe provimento, a fim de julgar improcedente a representação.