RE - 32037 - Sessão: 04/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por PAULO ROGÉRIO SÁ DE OLIVEIRA, EVERTON MORSCHEL, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA DE ESTÂNCIA VELHA, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA DE ESTÂNCIA VELHA, COLIGAÇÃO RENOVAR PARA TRANSFORMAR, MARIA REGINA DE ASSIS DE OLIVEIRA DA SILVA e ANA RITA ANGER CARDOSO DA COSTA, fls. 216-242, contra a decisão do Juízo da 118ª Zona Eleitoral, Estância Velha, fls. 212-214, a qual julgou procedente a representação ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, entendendo caracterizada ofensa ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, e aplicou multa de 100 (cem) UFIRs aos recorrentes.

Nas razões, trazem quatro preliminares: (1) ilegitimidade do PDT e do PSDB, ambos de Estância Velha; (2) nulidade de provas, pelo fato de o inquérito ter sido conduzido por Delegado da Polícia Civil; (3) incompetência do Delegado e dos agentes para analisar prova digital; e (4) cerceamento de defesa, por negativa de prestação jurisdicional. No mérito, questionam o conteúdo das provas dos aparelhos telefônicos de Maria Regina e Ana Rita, bem como asseveram que os recorrentes Paulo Rogério Sá de Oliveira e Everton Morschel não possuíam telefones corporativos, e se encontravam em licença para concorrer aos cargos de prefeito e vereador. Trazem aspectos sobre a gravidade da conduta, bem como relativamente ao princípio da igualdade. Requer a reforma da decisão, para o afastamento da pena de multa cominada aos recorrentes.

Com as contrarrazões, fls. 244-248v., nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 252-260v.).

É o relatório.

 

VOTO

É de se entender o recurso como tempestivo.

Não há, nos autos, certidão da data de publicação do acórdão no DEJERS, mas sim da expedição da nota de expediente para tanto, em 15.5.2017 (fl. 215), uma segunda-feira.

Tudo leva a crer que a decisão foi publicada no DEJERS em 16.5.2017, motivo pelo qual conheço do recurso, pois apresentado em 19.5.2017 (fl. 216), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

Preliminares.

Os recorrentes PAULO ROGÉRIO SÁ DE OLIVEIRA, EVERTON MORSCHEL, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA DE ESTÂNCIA VELHA, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA DE ESTÂNCIA VELHA, COLIGAÇÃO RENOVAR PARA TRANSFORMAR, MARIA REGINA DE ASSIS DE OLIVEIRA DA SILVA e ANA RITA ANGER CARDOSO DA COSTA, trazem quatro preliminares: (1) ilegitimidade do PDT e do PSDB, ambos de Estância Velha; (2) nulidade de provas, pelo fato de o inquérito ter sido conduzido por Delegado da Polícia Civil; (3) incompetência do Delegado e dos agentes para analisar prova digital; e (4) cerceamento de defesa, por negativa de prestação jurisdicional.

1 – Da ilegitimidade passiva do PDT DE ESTÂNCIA VELHA e do PSDB DE ESTÂNCIA VELHA

Acolho a preliminar, para excluir as referidas agremiações do feito.

Isso porque, conforme bem indicado nas razões de recurso, o PDT DE ESTÂNCIA VELHA e do PSDB DE ESTÂNCIA VELHA concorreram, no pleito de 2016, de maneira coligada; a legitimada passiva, portanto, por ocasião do ajuizamento da ação em 30.9.2017, haveria de ser a COLIGAÇÃO RENOVAR PARA TRANSFORMAR, pois criada anteriormente - as convenções partidárias ocorreram em julho de 2016, conforme o calendário eleitoral.

Nessa linha, os candidatos concorreram pela COLIGAÇÃO RENOVAR PARA TRANSFORMAR, nos termos da legislação eleitoral – art. 6º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.455/15: a coligação terá denominação própria, devendo funcionar como um só partido político no relacionamento com a Justiça Eleitoral.

Tal posicionamento é, há muito, o do e. TSE:

Recurso especial. Representação. Partido político coligado que atua isoladamente. Ilegitimidade ad causam. Art. 6º da Lei nº 9.504/97. As coligações partidárias passam a ter personalidade jurídica a partir do acordo de vontades dos partidos que as integram.

(Ac. nº 15.529, de 29.9.98, rel. Min. Eduardo Alckmin;no mesmo sentido o Ac. nº 5.052, de 10.2.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

[...] 1. Partido integrante de coligação não possui legitimidade para atuar isoladamente no processo eleitoral, nos termos do art. 6º, § 4º, da Lei 9.504/97. Precedentes. 2. Partido político e coligação não possuem legitimidade para impugnar o demonstrativo de regularidade de atos partidários (DRAP) de coligação adversária sob o fundamento de irregularidade em convenção partidária. Precedentes. 3. Na espécie, a impugnação foi ajuizada isoladamente pelo Partido Progressista, não obstante tenha formado coligação para as Eleições 2012, sob o argumento de irregularidade na convenção de um dos partidos integrantes da coligação adversária. Ausência de legitimidade ativa do partido [...].

(Ac. de 13.11.2012 no AgR-REspe nº 36533, rel. Min. Nancy Andrighi.)

Acolho a preliminar, para entender ilegítimos o PDT DE ESTÂNCIA VELHA e o PSDB DE ESTÂNCIA VELHA do polo passivo da presente ação, extinguindo o feito sem resolução do mérito, relativamente aos dois representados.

2 - Nulidade de provas, pelo fato de o inquérito ter sido conduzido por Delegado da Polícia Civil, e não por autoridade policial federal

Afasto a preliminar. A tese defensiva não se sustenta.

Em primeiro lugar, a competência da Polícia Federal para apurar as infrações penais “contra a ordem política”, delineada no art. 144 da Constituição Federal, não é exclusiva ou, sequer, privativa.

Sabidamente, as competências exclusivas requerem reserva constitucional expressa, como bem informa a Teoria da Constituição – nessa linha, por exemplo, o inc. IV do §1º do próprio art. 144 da CF, o qual prevê competência da Polícia Federal para “IV- exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.

Ao contrário do afirmado pelos recorrentes, portanto, não há dispositivo constitucional expresso que determine competência exclusiva da Polícia Federal na apuração de ilícitos eleitorais. A própria estrutura da Justiça Eleitoral é caracterizada, historicamente, pela colaboração de inúmeras instituições estaduais e federais.

Some-se a isso o art. 2º, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.396/13 que trata da função supletiva da Polícia Civil, exatamente naqueles locais de infração nos quais não haja órgão da Polícia Federal.

Exatamente o caso do município de Estância Velha.

Afasto a preliminar de nulidade de provas por incompetência funcional da autoridade policial.

3 – Do relatório do Delegado da Polícia Civil

Os recorrentes aduzem preliminar, no sentido de que os aparelhos de telefonia celular deveriam ter sido periciados por profissional competente – técnico de informática ou afim, o que não teria ocorrido, pois “toda a análise dos aparelhos de telefone e conversas foi realizada por agentes da Polícia Civil que não possuem competência para tanto”.

Igualmente sem razão.

Aqui, há que se distinguir a análise dos aparelhos de informática em si, do conteúdo neles encontrado.

É certo que, para a análise específica de programas ou detalhamento técnico do funcionamento de equipamentos de informática, há a necessidade de perícia especializada. Contudo, nos casos em que os utensílios digitais se prestam, em verdade, apenas como uma tela, com veiculador de conteúdo que poderia constar também, por exemplo, em um documento em papel, a perícia se mostra despicienda.

Nessa linha, ao que tudo indica, a posição da própria autoridade policial relativamente à recorrente MARIA REGINA: sequer houve o indiciamento, diante da ausência de conteúdo ilegal no aparelho apreendido; o Delegado, contudo, indicou a presença de um programa, denominado “MY Xperia”, o qual teria a funcionalidade de o usuário poder apagar, de forma remota, os dados do aparelho.

De qualquer maneira, tal circunstância não caracteriza, em si, preliminar, e sim deve ser considerada no mérito da questão – ou seja, se o conteúdo encontrado, se as conversas flagradas caracterizam burla à legislação eleitoral.

Afasto a preliminar.

4 – Cerceamento de defesa pela negativa de prestação jurisdicional

Em resumo, os recorrentes aduzem que a “magistrada não analisou, ao menos, a perícia realizada nos aparelhos telefônicos”.

Tal situação foi fundamentada na decisão guerreada, fl. 213v., nos seguintes termos:

[…]

Nos termos do referido laudo, os aparelhos foram vistoriados, sendo que as informações contidas nos arquivos, bem como as imagens, foram transportadas para os DVDs que acompanharam o laudo. No entanto, não consegui abrir os referidos arquivos por serem incompatíveis com o sistema adotado pelo Poder Judiciário. Acredito que o MPE também não tenha conseguido acesso, uma vez que nenhuma menção fez sobre o conteúdo dos DVDs em suas alegações finais.

Não houve negativa de prestação jurisdicional, mas sim inviabilidade de exame da prova, o qual deve influenciar o exame de mérito da causa, e não constitui nulidade.

Analisadas as preliminares, passo ao exame do fundo da causa.

MÉRITO

Na questão de fundo, o juízo de origem entendeu caracterizada a prática de conduta vedada, prevista no art. 73, inc, I, da Lei n. 9.504/97, o qual veda o emprego de bens públicos em prol da campanha de candidatos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

Na sentença, houve a condenação a multa, no valor de 100 (cem) UFIRs, a MARIA REGINA DE ASSIS DE OLIVEIRA DA SILVA, ANA RITA ANGER CARDOSO DA COSTA, PAULO ROGÉRIO SÁ DE OLIVEIRA, EVERTON MORSCHEL, bem como aos partidos acima citados, os quais me posicionei pela exclusão do feito.

E tal uso em benefício de candidato teria se consubstanciado na utilização, por MARIA REGINA e ANA RITA, de dois aparelhos de telefonia celular, de propriedade da Prefeitura Municipal de Estância Velha.

Transcrevo trecho da sentença:

[…]

Maria Regina Assis Oliveira da Silva também possuía aparelho corporativo o qual estava vinculado ao grupo whatsapp, sendo que utilizou o pacote de dados custeado pela Prefeitura Municipal para se comunicar com os demais integrantes do aludido grupo, visando fins eleitorais. Além disso, a investigada apagou remotamente os dados do aparelho, conforme relato policial, a fim de eximir sua participação nas práticas apuradas.

Ana Maria era namorada ou companheira do então candidato a vereador Everton Morschel pelo PSDB e o investigado Paulo Rogério Sá de Oliveira concorria ao cargo de Prefeito Municipal pelo PDT, sendo que ambos os partidos faziam parte da coligação Renovar para transformar. Todos os envolvidos no grupo de whatsapp estavam fazendo campanha eleitoral para a coligação, motivo pelo qual os candidatos Paulo Rogério e Everton foram indiretamente beneficiados mediante a utilização dos telefones funcionais para a marcação dos eventos, reuniões e articulações de campanha, utilizando-se da máquina pública em benefício da aludida coligação.

O recurso merece provimento, para absolver os recorrentes da prática de conduta vedada, em razão da insuficiência de provas.

Explico.

A revolução digital, que ocorre na sociedade, exige a adaptação de todos os envolvidos – e não é novidade que há, de parte das instituições estatais, uma maior inércia no que concerne ao referido amoldamento às novas realidades.

O caso dos autos se trata exatamente disso.

É certo que consta, entre as fls. 32-78, uma série de transcrições de conversas de telefones celulares, via aplicativo de comunicação Whatsapp, cujo conteúdo foi obtido em ação de busca e apreensão autorizada pela MM. Magistrada da 118ª ZE.

Ocorre que o contexto probatório não logrou ultrapassar a linha dos indícios. Falta robustez de prova para uma condenação, em resumo.

Primeiramente, atenho-me ao relatório do d. Delegado de Polícia Civil, fls. 92-94, o qual afirma:

[…]

No que tange ao telefone corporativo de Maria Regina Assis de Oliveira da Silva, verificou-se que no aparelho existem instalados apenas programas, sem que nenhum dado estivesse armazenado nos mesmos.”

E, nessa linha, a autoridade policial sequer indiciou MARIA REGINA, “por não existir indícios de autoria e materialidade referentes ao cometimento de crime eleitoral ou ato de improbidade”.

O Ministério Público Eleitoral, na sequência (fl. 198, por exemplo) alega que MARIA REGINA teria apagado os dados, o conteúdo do aparelho celular, de forma remota, e a sentença assim também entendeu.

Ocorre que não há prova de tal ato de parte de MARIA REGINA.

Há uma mera suposição – a de uso do aplicativo My Xperia, o qual tem recursos de bloqueio e localização de aparelhos celulares em caso de roubo, conforme reportagem juntada à fl. 89.

Não há prova, contudo, do efetivo uso de MARIA REGINA do referido aplicativo.

O representante, no caso o Ministério Público Eleitoral, haveria de ter previamente se desincumbido da tarefa de fazer constar, nos autos, o conteúdo do ato tido como ilícito. Há mídias, DVDs, que acompanham os laudos, mas são inacessíveis – fato indicado pela própria Magistrada sentenciante (fl. 213v.).

Ademais, dos testemunhos havidos – Anderson dos Santos Ermel afirma que o celular de Maria Regina não possuía o aplicativo Whatsapp, e Miriam Hofmann Weber afirma que um dos agentes da Polícia Civil (Tiago) teria referido “esse aqui tá dizendo uma mensagem, este objeto foi objeto de roubo”, e Paulo Ricardo Bazzo Hotsuta declara que “não tem como afirmar se o técnico também apagou o aplicativo Whatsapp ou se realmente ela não possuía o aplicativo”.

Ou seja, não há como atribuir a MARIA REGINA ASSIS DE OLIVEIRA DA SILVA, nestes autos, a prática de conduta vedada.

Referente à suposta prática de conduta vedada de parte de ANA RITA ANGER CARDOSO DA COSTA, o destino não é diverso. O conjunto não é de comprovação. O testemunho de Anderson dos Santos Ermel seria o de informação de uma exclusão de ANA RITA de um grupo do Whatsapp, e as circunstâncias indiciárias mais citadas são (1) relação marital com EVERTON MORSCHEL, e (2) um suposto gasto do “pacote de dados” pago pela Prefeitura de Estância Velha igualmente não restou comprovado – vide, por exemplo e meramente como argumento, a possibilidade de uso de redes de internet wi-fi, particulares, e não do pacote de dados contratado pela Prefeitura, para comunicação.

Dessa forma, apenas presentes indícios, o provimento do recurso é medida que se impõe.

DIANTE DO EXPOSTO, voto para acolher a preliminar de ilegitimidade passiva, extinguindo o processo sem julgamento de mérito no relativo ao PDT DE ESTÂNCIA VELHA e ao PSDB DE ESTÂNCIA VELHA; para afastar as demais preliminares; e, no mérito, para dar provimento ao recurso, para afastar as multas impostas a PAULO ROGÉRIO SÁ DE OLIVEIRA, EVERTON MORSCHEL, MARIA REGINA ASSIS DE OLIVEIRA e ANA RITA ANGER CARDOSO DA COSTA, nos termos da fundamentação.