RE - 51378 - Sessão: 08/11/2017 às 16:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso em face da sentença que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo proposta contra OTOMAR NADIR BOBSIN, RONALDO ÉDER RECH, RONALDO OLIVEIRA DA SILVEIRA, ARNALDO JONAS DA ROSA, DAVENIR BOBSIN, LOCIR ANTÔNIO ALVES, OSCAR NOSTRANI e DILMAR DA SILVA, por considerar não comprovada a alegada fraude no lançamento de candidaturas femininas no pleito de 2016.

Em suas razões recursais (fls. 798-820), sustenta que as candidatas, lançadas de forma fictícia, possuem vínculo de parentesco com candidatos homens, e que a prova testemunhal atestou não ter presenciado qualquer ato de campanha das candidatas. Sustenta ser contraditório o testemunho de Elmira, pois afirmou ter desistido da campanha após conseguir um emprego que já possuía antes da candidatura. Argumenta não ser crível que Ana Bobsin, filha do presidente do partido, desconhecia a obrigação de desistência formal da candidatura. Assevera estar suficientemente comprovada a fraude do registro das candidaturas femininas. Requer o reconhecimento da nulidade de todos os votos conquistados pelos candidatos da coligação.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 874-881).

É o relatório.

 

 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator):

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da sentença no dia 07.8.2017 (fl. 795), e, embora o recurso não possua data de protocolo, após a sua juntada os autos foram conclusos ao juiz no dia 09 do mesmo mês (fl. 821). Assim, é certo que o recurso foi interposto dentro do prazo de 03 dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Passando ao mérito, cuida-se de ação de impugnação de mandato eletivo fundamentada no lançamento das candidaturas de Ana Caroline Bobsin, Maria da Graça Ricardo e Elmira Dalpiaz para alcançar o percentual de gênero legalmente estabelecido e viabilizar assim candidaturas masculinas.

A imposição de reserva de gênero é prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral reconheceu que a burla à proporção de gênero é apta, em tese, a caracterizar fraude e a autorizar o manejo da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Pode-se definir fraude como a conduta destinada a afastar a incidência de uma norma sobre determinada situação que estaria naturalmente sujeita a ela. Fraudulenta é a ação que atribui, artificialmente, uma aparência de legalidade a uma situação ofensiva ao ordenamento jurídico.

No mesmo sentido é a lição de José Jairo Gomes:

A fraude implica frustração do sentido e da finalidade da norma jurídica pelo uso de artimanha, astúcia, artifício ou ardil. Aparentemente, age-se em harmonia com o Direito, mas o efeito visado – e, por vezes, alcançado – o contraria. A fraude tem sempre em vista distorcer regras e princípios do Direito. (Direito Eleitoral, 13ª ed. 2017, p. 728.)

Nesse norte, o Tribunal Superior Eleitoral definiu, no julgamento do RESPE 1-49, publicado em 21.10.2015, que o termo fraude deve receber interpretação ampla, para abranger todos os atos destinados a obter “resultado proibido por lei mediante ações que aparentemente lícitas”, e ser compreendido em conformidade com o art. 14, § 9º, da CF, o qual estabelece que Lei Complementar buscará “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego”.

Transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 149, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.10.2015, Página 25-26.)

A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo da participação feminina na política, espaço ocupado quase que integralmente pelo gênero masculino e onde as mulheres não encontram muitas oportunidades.

Assim, o preenchimento fraudulento das reservas de gênero frustra o intuito da norma e, em vez de promover a participação feminina, apenas reforça a exclusão da mulher da política, em prejuízo ao pluralismo, que é pressuposto para uma democracia plena.

Na hipótese, não se verifica a realização de fraude, pois as aspirantes ao cargo confirmaram que lançaram candidatura espontaneamente e com real intenção de realizar campanha, mas acabaram abandonando, de fato, a busca por votos.

A sentença bem destacou, do depoimento das candidatas, os pontos nos quais admitem tais fatos:

A informante ANA CAROLINE BOBSIN disse que não recebeu nenhum voto. Teve participação comunitária, nas igrejas. Faz um ano e pouco que está filiada ao PMDB. Seu pai é vereador em Maquiné. Quis seguir os caminhos de seu pai na política. No meio da campanha viu que não teria muita chance, e ficou na sua. Chegou a fazer campanha. No finalzinho, desistiu da campanha. Só postou uma foto no Facebook. Não comunicou ninguém, nem seu pai, porque não o via muito. Mora junto com ele. Tem guardado em casa seu material de campanha que sobrou. Não sabe dizer a quantia total. Não sabia que tinha que renunciar formalmente. Votou nas eleições passadas. Acredita que fez visitas a umas vinte casas, durante a campanha. Comunicou alguns amigos próximos de sua desistência. Não sabe dizer se a sua candidatura favoreceria a candidatura de pessoas do sexo masculino. O seu objetivo era ser vereadora, mas acabou se decepcionando (CD da fl. 737).

[…]

A informante ELMIRA DALPIAZ disse que a convidaram para ser candidata. Uns quinze dias depois foi convidada para trabalhar no “Hotel Bassani” em Capão da Canoa. Foi candidata por cerca de quinze dias. É filiada ao PMDB. É ex-mulher do candidato ENEDIR. Estava empolgada com as eleições do Conselho Tutelar, mas viu que é outra coisa. Preferiu trabalhar. Deixou dito que não era mais candidata, lá no comitê. Isso foi final de agosto, não lembra bem. Não chegou a protocolar nenhum documento. Não lembra a quem comunicou sua desistência, o pessoa todo estava lá. Chegou a fazer algumas visita a alguma casas. Queimou seu material de campanha, não chegou a utilizar nenhum “santinho”. Quando recebeu o material já era setembro, já tinha desistido. Recebeu cerca de dois mil “santinhos” (CD da fl. 737).

A informante MARIA DA GRAÇA RICARDO disse que é prima de TANIA, que foi testemunha no processo. RONALDO DA SILVEIRA é seu cunhado, e se reelegeu, pela Coligação PP-PMDB. Uns vinte dias depois da sua candidatura, desiludiu-se. A própria depoente foi quem se lançou como candidata. Não está arrependida de ter sido candidata, valeu a experiência. Quando começou a visitar as casas, sentiu-se desiludida, os eleitores pediam cestas básicas, não era isso o que queria. Não chegou a comunicar o partido, achou que não seria necessário. Candidatou-se porque tinha vontade de ser vereadora. Chegou a conversar com umas dez a quinze pessoas. Não avisou ninguém que não era mais candidata. Na hora anulou seu voto. Fez uns papeizinhos em seu próprio computador, com seu número. O partido lhe forneceu setecentos e cinquenta reais. Não chegou a utilizar redes sociais em sua campanha. Sua candidatura não foi fictícia (CD da fl. 737).

Além dos depoimentos prestados pelas candidatas, atestando a vontade pessoal de candidatar-se e de realizar campanha, ainda que tímida, verifica-se, no sistema de divulgação de contas eleitorais, o recebimento de doações pelas candidatas.

Ana Bobsin recebeu um total de R$ 934,00 reais em doações (R$ 700,00 em recursos financeiros e R$ 234,00 em recursos estimáveis em dinheiro), Elmira Dalpiaz recebeu R$ 1.505,00 em doações (R$1.271,00 em recursos financeiros e R$ 234,00 em recursos monetariamente estimáveis). Por sua vez, Maria da Graça Ricardo recebeu R$ 750,00 (R$ 700,00 em recursos financeiros e R$ 50,00 em recursos estimáveis em dinheiro).

Houve o recebimento de considerável quantia de recursos, a maioria proveniente de suas agremiações partidárias (PMDB e PP), situação que evidencia o apoio à campanha e é incompatível com o alegado lançamento de candidaturas fictícias.

As circunstâncias suscitadas pelo recorrente não são suficientes para desconstituir essa conclusão.

Os testemunhos de Márcio Benetti e Tânia Dalpiaz, no sentido de que não notaram atos de campanha por parte das candidatas nem tiveram conhecimento de suas candidaturas, não podem ser considerados conclusivos. As candidatas afirmaram ter realizado uma campanha tímida, sem empenho, falando apenas com poucas pessoas. Natural, portanto, que algumas pessoas ignorassem suas candidaturas.

O vínculo familiar das candidatas com políticos também não demonstra a pretendida fraude. É conhecida a dificuldade de acesso a candidaturas, demandando contatos com dirigentes e empenho dentro do partido. Assim, é crível que exatamente as pessoas com vínculo familiar tenham esse acesso facilitado.

Destaca o recorrente também a contradição de Elmira, quando afirmou em juízo que desistiu de sua campanha porque resolveu aceitar um emprego no Hotel Bassani, embora tenha afirmado, perante o Ministério Público, que já trabalhava nesse hotel antes do requerimento de candidatura.

Na verdade, a alegada contradição já estava presente na fase pré-processual. Ao prestar depoimento no Ministério Público, a candidata já afirmou que não compareceu à convenção porque “estava trabalhando no Hotel Bassani”. Mais adiante, na mesma oportunidade, disse ter desistido da campanha porque “o hotel chamou a depoente para trabalhar, apesar de ser inverno” (fl. 93v.). Pelo que se pode extrair, a depoente não possuía vínculo permanente de trabalho, tanto que afirmou trabalhar no Hotel Bassani “no verão”.

Pelas evidências, é possível concluir que a candidata somente prestava serviço por períodos determinados, sendo crível que estivesse trabalhando no dia da convenção e que tenha voltado a trabalhar no mesmo local em meio à campanha eleitoral. A situação não foi esclarecida e, por si, não é capaz de afastar as provas no sentido da efetiva realização de campanha pela candidata.

O recorrente ainda sustenta ser suspeito o comportamento das candidatas de não formalizar a desistência de suas candidaturas, embora sejam parentes próximas de políticos experientes e tenham exercido cargos públicos.

De fato, esse comportamento pode gerar alguma estranheza, justificando a apuração dos fatos, mas não justifica a caracterização de fraude ao final da instrução. O equívoco no encaminhamento regular da desistência não evidencia, por si, a fraude, e pode ser atribuída à falta de orientação mais efetiva por parte da agremiação ou de seus familiares.

Todavia, a ausência dessa formalidade, passível de ser atribuída à falta de maiores orientações ou apoio, não é suficiente para caracterizar a pretendida fraude. A ausência de tratamento isonômico não é sinônimo de fraude.

Dessa forma, apurados os fatos, não restou comprovada a fraude alegada. As candidatas confirmaram sua intenção de candidatar-se e fazer campanha, além do recebimento de doações. O diminuto empenho na campanha não é suficiente para a caracterização da fraude pretendida, conforme orientação jurisprudencial:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. REGISTRO DE CANDIDATURA. FRAUDE. QUOTAS DE GÊNERO. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegada prática de fraude com o registro de candidaturas fictícias, em relação à nominata proporcional do partido, para o cumprimento da quota mínima de 30% por gênero.

2. Acervo probatório a demonstrar que as candidatas buscaram votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo seu registro como simulacro de candidatura. Precedentes no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

3. Provimento negado. (TRE/RS, Rel. Dr. Eduardo Dias Bainy, julg em 11.7.2017)

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Página 6-7.)

Assim, não caracterizada a fraude pretendida, deve ser mantida a sentença de improcedência da ação.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.