RE - 48074 - Sessão: 18/10/2017 às 17:00

 

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da sentença de fls. 72-74v., que julgou improcedente a representação interposta contra PAULO AFONSO DE CAMARGO OLIVEIRA, candidato ao cargo de vereador em Cruz Alta nas Eleições 2016, em virtude da insuficiência de provas aptas ao reconhecimento da prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97).

Em suas razões, o recorrente afirma que o conjunto probatório dos autos comprova, de forma cabal, a captação ilícita de sufrágio perpetrada pelo candidato. Assevera que o recorrido entregou bens a eleitor com fim de obter-lhe o voto, bem como o de seus familiares e conhecidos. Defende estarem presentes os elementos essenciais para a configuração da conduta ilícita, sendo impositiva a aplicação das sanções previstas na Lei das Eleições. Ressaltando ter sido afetada a normalidade e a legitimidade do pleito, requer o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a sentença e julgar procedentes os pedidos formulados na inicial, com aplicação de multa e cassação do registro de candidatura (fls. 76-84).

Decorrido in albis o prazo para apresentação de contrarrazões (fl. 86v.), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 89-95).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

O apelo deve ser reputado tempestivo, embora não tenha sido aposto o carimbo de protocolo que pudesse aferir a data do recebimento da peça (fl. 76). No caso, a omissão do Cartório Eleitoral não deve ser tomada em prejuízo da parte.

Estando atendidos os demais pressupostos recursais, conheço do recurso.

Contudo, adianto que, na minha compreensão, a sentença de primeiro grau examinou com extrema acuidade os fatos, motivo pelo qual não vejo razão para a sua reforma.

O recurso versa sobre representação ajuizada pelo Ministério Público, que busca a apuração de suposta prática de captação ilícita de sufrágio, com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. A inicial narrou que:

Entre o dia 30 de agosto e o início do mês de setembro do corrente ano, à tarde, por volta das 15h30min, na Rua Manoel Alves dos Santos, em frente ao nº 08, Bairro Toríbio Veríssimo, neste Município, o representado Paulo Afonso de Camargo Oliveira doou e entregou bens ao eleitor Gilberto Souza da Luz (inscrição nº 070144480469, com domicílio eleitoral em Cruz Alta - fl. 19), com o fim de obter-lhe o voto, bem como o de seus familiares.

Na oportunidade, em plena campanha eleitoral, Paulo, conduzindo um veículo que continha propaganda eleitoral alusiva à sua candidatura a Vereador (adesivo no vidro traseiro - vide fl. 20), foi até a frente da residência de Gilberto.

Na sequência, o referido eleitor foi ao encontro do representado, que havia parado o automóvel no meio da rua. Ato contínuo, Paulo desceu do veículo, retirou duas sacolas plásticas (cujo conteúdo não foi possível apurar até o momento) do interior do carro e as entregou ao referido eleitor, fato registrado pela fotografia (fl. 20) tirada por Ana Poli Freitas (fl. 10), que, juntamente com Everton Pugliezzi, testemunhou a entrega (fls. 09 e verso).

Durante a conversa mantida entre os dois, Paulo entregou a Gilberto “santinhos” e pediu “uma força”, referindo-se à sua candidatura ao cargo de vereador, restando claro, assim, o objetivo de obtenção de voto em troca de bens (finalidade eleitoral).

A sentença entendeu ser improcedente o pedido, consignando não ter sido possível concluir, de forma inequívoca, a negociação para obtenção ilícita do voto, como narrou a inicial.

Após análise cuidadosa da prova produzida, considerei que a narrativa do suposto eleitor corrompido é deveras inconsistente.

Gilberto Souza da Luz apresentou versões colidentes acerca de como teriam ocorrido os fatos descritos pelo Ministério Público Eleitoral. Perante a Promotoria de Justiça (fl. 10), o cidadão trouxe uma explicação, no sentido de que não teria sido Paulo Afonso de Camargo Oliveira que lhe dera a sacola com compras e que apenas teria pegado carona com o candidato até sua casa.

Em juízo (áudio de fl. 61), a testemunha, de início, ratifica a versão apresentada perante o Ministério Público. Somente quando a promotora passa a arguir a testemunha é que ela muda o depoimento e afirma que foi o candidato quem levou as sacolas com víveres até a casa da testemunha para que ali (nessa residência) fosse realizada uma reunião, com o objetivo de obter o voto do eleitor. O candidato teria “pedido uma força” a Gilberto.

Em síntese, a prova é frágil, ancorada em um único testemunho (de Gilberto), que foi e voltou nas suas declarações.

A prova, pois, é inconsistente para o fim de caracterizar a conduta prevista no art. 41-A da Lei das Eleições.

A testemunha é pouco séria!

A foto da fl. 07, por si só, serve a duas versões: tanto à primeira, sustentada por Gilberto perante o Ministério Público (fl. 10) e ao início da audiência (vídeo da fl. 61), como àquela sustentada a partir do momento em que o Ministério Público Eleitoral, em audiência, passa a inquirir a testemunha.

No áudio da fl. 61, a testemunha Maria de Fátima Bertolo afirma que “não sabia se era entrega de rancho, ou não”. Além disso, fazia campanha para a agremiação contrária à do representado! Não presenciou entrega de santinhos e pedido de voto.

A testemunha Everton Pugliesi fazia campanha para outro vereador, que não o representado. Viu a entrega de sacolas e tirou a foto. Não ouviu o conteúdo da conversa entre o representado e Gilberto, e deduziu que, pela entrega das sacolas, seria realizada uma janta de pré-campanha no local. Quando o Ministério Público Eleitoral questiona, reitera que não viu entrega de santinhos, embora o carro do representado estivesse adesivado!

Contexto probatório fragilíssimo, como se percebe.

No mesmo sentido concluiu o juízo a quo, com as seguintes achegas:

Everton e Ana Laura, ambas testemunhas que afirmam ter presenciado o momento da entrega da sacola, não souberam precisar o teor do diálogo entre o representado e o eleitor, em tese vítima da captação ilícita do voto. Não viram, igualmente, o momento em que Gilberto teria recebido os “santinhos”. Seus depoimentos, portanto, não se prestam à comprovação cabal da motivação do candidato ao entregar os bens. Não há, outrossim, na circunstância de estar o carro adesivado em alusão à campanha, qualquer evidência de que aquele era um ato político, haja vista ser bastante comum que os candidatos ao pleito municipal transitem pela cidade com seus automóveis adesivados, seja em atos de campanha, seja em outros que não guardam qualquer relação com o pleito, uma vez que o intuito é conferir visibilidade à candidatura.

O depoimento de Gilberto, por outro lado, é extremamente confuso, contando com versões contrapostas que impõem dúvidas quanto à sua veracidade. Não bastasse, ambas as versões fáticas oferecidas em juízo diferem daquela sustentada à época da investigação do evento pelo órgão ministerial (fl. 10).

Ademais, a menção de Gilberto ao consumo dos alimentos na reunião vem confrontada pelo testemunho de Patrícia Araújo, sua companheira, que nega a distribuição de produtos alimentícios aos presentes na ocasião.

Assim, existindo dúvidas invencíveis quanto ao modo como os fatos efetivamente se desenrolaram, não sendo possível concluir, de forma inequívoca, tenha o representado buscado obter ilicitamente o voto como narra a inicial, deve a incerteza ser solvida em seu benefício, pelo que a improcedência da demanda é medida que se impõe.

Como se evidencia, o conjunto probatório mostra-se insuficiente para corroborar a tese do recorrente, motivo pelo qual a sentença deve ser integralmente mantida.

Consequentemente, diante da ausência de prova inequívoca da ocorrência de captação ilícita de sufrágio, não se pode, por meio de presunções, prover a pretensão do representante, de consequências sabidamente graves – cassação do registro do representado e multa.

Portanto, não vislumbro que, dos fatos narrados, possa-se concluir pela ocorrência da alegada captação ilícita de sufrágio por parte dos representados, motivo pelo qual adiro à posição externada pela magistrada sentenciante, ao concluir pela improcedência da ação.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença de primeiro grau que julgou improcedente a ação.

É como voto, Senhor Presidente.