RE - 85623 - Sessão: 08/11/2017 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da sentença do Juízo da 94ª Zona Eleitoral que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) movida em desfavor de ADILSON LUIZ WOLFF, CESAR FRASSÃO (vereador), CLAUDIA DOS SANTOS, ELOI ANTONIO SARI, ERNI POZZEBON (vereador), ISAIAS ALVES, LENOIR MACHADO, LUCIANE DA SILVA REDEL, MAGALI DE ASSIS DOS SANTOS, MARCOS ANTONIO ANTUNES (vereador), MARCOS ANTONIO DAUERNHEIMER, MARLI DOS SANTOS CAVALHEIRO, MARGARETE STRAESSER PEREIRA, ROBERTO SILVEIRA (vereador), VILSON STEFFEN (vereador) e COLIGAÇÃO VICENTE DUTRA NÃO PODE PARAR (PMDB - PR - PSB), por entender não demonstrada a fraude ao processo eleitoral pela suposta inobservância da regra contida no § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97, nas eleições proporcionais de 2016, no Município de Vicente Dutra/RS.

Em suas razões, o recorrente alega que o conjunto probatório dos autos comprova o caráter fictício das candidaturas de CLAUDIA DOS SANTOS, que não recebeu qualquer voto, e de MAGALI DE ASSIS e LUCIANA REDEL, que receberam apenas 1 voto, sequer votadas pelos respectivos núcleos familiares. Argumenta que a COLIGAÇÃO recorrida apenas levou as ditas candidatas a registro para cumprir FORMALMENTE a quota de gênero de 30% destinada à participação nas eleições proporcionais, o que caracteriza fraude. Pede a reforma da sentença.

Com contrarrazões, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo, motivo pelo qual dele conheço.

Antes de adentrar no mérito, de ofício, suscito a ilegitimidade passiva daqueles que não possuem mandato eletivo, diante dos exatos termos do § 10 do art. 14 da CF:

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Nesse sentido, a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). CARGO MAJORITÁRIO. SUBSTITUIÇÃO. CANDIDATO. PRAZO. FRAUDE. OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA.

DESPROVIMENTO.

1. As coligações partidárias têm legitimidade para a propositura de ação de impugnação de mandato eletivo.

2. A ação de impugnação de mandato eletivo pressupõe a existência de diploma expedido pela Justiça Eleitoral, que poderá ser desconstituído por abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, a teor do art. 14, § 10, da Constituição Federal.

[...]

9. Agravo regimental desprovido e prejudicada a Ação Cautelar nº 453-64/SP.

(Agravo de Instrumento n. 1211, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 17.11.2016, Página 20.) (Grifei.)

Assim, em sede de AIME, somente pode figurar no polo passivo o candidato eleito, detentor de mandato eletivo.

Dessa forma, julgo extinta, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ad causam para figurar no polo passivo da ação os seguintes recorridos: ADILSON LUIZ WOLFF, CLAUDIA DOS SANTOS, ELOI ANTONIO SARI, ISAIAS ALVES, LENOIR MACHADO, LUCIANE DA SILVA REDEL, MAGALI DE ASSIS DOS SANTOS, MARCOS ANTONIO DAUERNHEIMER, MARLI DOS SANTOS CAVALHEIRO e MARGARETE STRAESSER PEREIRA, forte no art. 485, inc. VI, do CPC.

Ao mérito.

Ressalto que, a partir do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 1-49, em 04.8.2015, o Tribunal Superior Eleitoral assentou que a Ação de Impugnação de Mandado Eletivo é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral.

Naquele feito, foi submetida a julgamento questão semelhante à dos autos, qual seja, a suposta existência de fraude na formalização do requerimento de registro de candidatura, apenas levado a efeito com o escopo de preencher os percentuais de gênero.

Naquela ocasião, disse o relator, Ministro Henrique Neves da Silva:

Recorde-se, por oportuno, a clássica lição de Pontes de Miranda, no sentido de que "a fraude à lei consiste, portanto, em se praticar o ato de tal maneira que eventualmente possa ser aplicada outra regra jurídica e deixar de ser aplicada a regra jurídica fraudada. Aquela não incidiu, porque incidiu essa; a fraude à lei põe diante do juiz o suporte fático, de modo tal que pode o juiz errar. A fraude à lei é infração à lei, confiando o infrator em que o juiz erre. 0 juiz aplica a sanção, por ser seu dever de respeitar a incidência da lei (=de não errar)" (Tratado de Direito Privado, Ed. Bookseller, 1ª ed., 1999, vol. 1, pág.98).

Do mesmo modo, o respeitado doutrinador lembra que na fraude à lei "usa-se irregularmente a autonomia privada", enquanto no abuso de direito "exerce-se, irregularmente, o direito" (ob. cit. pág. 96).

Na perspectiva do recorrente, o registro de CLAUDIA DOS SANTOS, MAGALI DE ASSIS e LUCIANA REDEL teria configurado candidaturas fictícias, visando apenas induzir o juízo eleitoral a erro e, mediante fraude, preencher a proporção mínima do gênero feminino.

O cerne da questão está em examinar se houve a demonstração, modo inequívoco, da alegada fraude.

Compulsando os autos, verifico que, embora as candidatas do sexo feminino – CLAUDIA DOS SANTOS, MAGALI DE ASSIS e LUCIANA REDEL –  tenham recebido inexpressivo número de votos (ou mesmo nenhum, como ocorreu em relação a CLAUDIA), tal fato não permite a inferência de que houve fraude eleitoral, máxime o fato de nenhuma delas ter renunciado à candidatura após o deferimento do registro.

Nessa medida, colho na bem-lançada sentença as razões de meu convencimento:

Trata-se de ação de impugnação de mandato eletivo proposta pelo Ministério Público, sob o argumento de fraude no preenchimento do percentual mínimo de 30% das cotas para cada gênero.

Da análise dos autos, verifico que não merece prosperar o pedido formulado na presente demanda.

Com efeito, o art. 10, §3, da Lei n. 9.504/97, com redação dada pela Lei n 12.034/09, assim dispõe sobre a reserva de gênero:

[…]

Desse modo, depreende-se que a legislação buscou, por meio da obrigatoriedade do preenchimento de um percentual mínimo de registros de candidatura de cada sexo, a inclusão da mulher, ainda tímida, no processo eleitoral.

Contudo, ainda que louvável e necessária a política afirmativa trazida pelo atual regramento eleitoral, o reconhecimento de eventual prática de atos ilícitos deve vir sobejamente comprovada no caderno processual, não sendo possível a prolação de um decreto condenatório com fulcro em presunções ou mera probabilidade, sendo necessário um juízo de certeza acerca da existência do fato imputado.

[…]

Na hipótese dos autos, a alegação da candidatura fictícia ou fraudulenta tem ter por escopo, precipuamente, no fato de três das candidatas registradas pela coligação terem recebido nenhum ou somente um voto, bem como ter empregado, conforme indicação do Ministério Público, ínfimos recursos financeiros na sua campanha eleitoral.

Contudo, importante destacar que o mero fato de a candidata ter alcançado singela quantidade de votos, por si só, não traduz prova suficiente para caracterizar a fraude apontada na peça inicial.

[…]

Ademais, com relação à suposta ausência de campanha eleitoral, notadamente pelo emprego de baixos recursos financeiros, da mesma forma, inexiste comprovação cabal nos autos.

Com efeito, pelo exame dos documentos acostados pelo Ministério público por ocasião da propositura da ação, verifica-se que as candidatas investiram quantia não elevada em sua campanha. Porém, tão somente esse motivo não permite ser possível declarar, com segurança, que tais valores sejam ínfimos e denotadores de que a candidatura foi fraudulenta.

Sinalo, por oportuno, que a legislação eleitoral não obriga aos candidatos a adoção de um sistema específico para realização de campanha eleitoral, com uso padronizado de quaisquer propagandas eleitorais, comícios ou outras formas que sejam de alto custeio. Ao contrário, os candidatos são livres para formular suas campanhas da melhor maneira que lhes aprouver.

Dessa forma, malgrado os argumentos trazidos pelo Ministério Público, entendo que o conjunto probatório formado aos autos não foi suficiente para comprovar, com a certeza necessária, a fraude no registro de candidatura dos demandados com relação ao preenchimento do percentual mínimo de 30% das cotas para cada gênero.

Esta Corte já se pronunciou no sentido de o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral, ou ainda oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não são condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, cito os seguintes precedentes:

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Página 6-7.)

 

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012.

Representação julgada improcedente no juízo de origem.

Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 41743, ACÓRDÃO de 07.11.2013, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14.11.2013, Página 5.)

Mais recentemente, trago o seguinte precedente:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRECLUSÃO. FRAUDE NO REGISTRO DE CANDIDATURA. QUOTAS DE GÊNERO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Ilegitimidade passiva. Reconhecimento no juízo de primeiro grau. Matéria não objeto de recurso. Preclusão.

2. O Tribunal Superior Eleitoral assentou que a AIME é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral, e não apenas aos casos referentes ao processo de votação. Alegada ocorrência de candidatura fictícia, visando induzir o juízo eleitoral em erro, a fim de preencher a proporção mínima do gênero feminino.

3. As quotas de gênero, como mecanismo de política afirmativa, buscam estabelecer um equilíbrio mínimo entre o número de candidaturas masculinas e femininas. Ausente prova robusta de que as candidatas tenham sido registradas com vício de consentimento, ou tenham promovido a campanha de terceiros. Acervo probatório a demonstrar a busca de votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo os registros exclusivamente como simulacros de candidaturas. Realização de campanha sem o auxílio de doadores financeiros, sem o apoio de correligionários eleitorais e sem a utilização de redes sociais na internet, não se extraindo dessas circunstâncias, desguarnecidas de elementos probatórios complementares, a presunção de ilicitude. A circunstância de uma das candidatas não ter obtido votação não denota a artificialidade da candidatura diante das peculiaridades do caso concreto, em que a mesma confirmou a dificuldade que teve por ocasião da votação. Este Tribunal já se pronunciou no sentido de que o recebimento de pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral e a renúncia no curso da campanha eleitoral não são condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Provimento negado.

(RE 2-77.2017.6.21.0099, julgado em 01.8.2017, Relator: Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy.)

Feitas tais considerações, não havendo prova robusta, concreta e coerente de que as candidatas tenham sido registradas com vício de consentimento, de que tenham promovido a campanha de terceiros, ou de que não tenham atuado efetivamente em sua própria propaganda, dentre outras situações passíveis da configuração de fraude na observância do percentual de gênero, há de se preservar a acertada sentença pela improcedência da ação.

Ante o exposto, de ofício, preliminarmente, julgo extinta a ação, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ad causam para figurar no polo passivo, em relação a ADILSON LUIZ WOLFF, CLAUDIA DOS SANTOS, ELOI ANTONIO SARI, ISAIAS ALVES, LENOIR MACHADO, LUCIANE DA SILVA REDEL, MAGALI DE ASSIS DOS SANTOS, MARCOS ANTONIO DAUERNHEIMER, MARLI DOS SANTOS CAVALHEIRO e MARGARETE STRAESSER PEREIRA, forte no art. 485, inc. VI, do CPC.

No mérito, pelo desprovimento do recurso.