RE - 33739 - Sessão: 04/12/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por GIOVANNI GOMES STRELETCKI (fls. 52-57), contra sentença do Juízo da 97ª Zona Eleitoral (fl. 47) que desaprovou suas contas relativas às eleições de 2016, como candidato ao cargo de vereador pelo Município de Esteio.

Em suas razões, aduziu que inexistem falhas que justifiquem a reprovação das contas, pugnando pela aprovação.

Neste Tribunal, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso, mantendo-se, contudo, o juízo de desaprovação das contas (fls. 66-68v.).

É o breve relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo (fls. 48 e 52) e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

No mérito, cuida-se de prestação de contas apresentada por GIOVANNI GOMES STRELETCKI, candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2016, em Esteio.

Primeiramente, rememoro que, segundo o art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário devem ser devidamente fundamentados, sob pena de nulidade. De igual sorte, o art. 489 do Código de Processo Civil - CPC prescreve os elementos essenciais da sentença, verbis:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

[...]

(Grifei)

O sentenciante deve necessariamente apresentar fundamentação lastreada na exposição clara das razões de fato e de direito que o convenceram, bem como os dispositivos legais balizadores da sua decisão, ainda que busque a sintetização do seu julgado em razão do princípio da celeridade.

É nesse sentido a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves (em Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p.125):

(...) a motivação se presta a demonstrar a correção, imparcialidade e lisura do julgador ao proferir a decisão judicial, funcionando o princípio corno forma de legitimar politicamente a decisão judicial. Permite um controle da atividade do juiz não só do ponto de vista jurídico, feito pelas partes no processo, mas de uma forma muito mais ampla, uma vez que permite o controle da decisão por toda a coletividade.

A regularidade formal da sentença está atrelada à garantia do devido processo legal, razão pela qual exige-se do Magistrado o fiel cumprimento da lei para que o processo seja justo e equânime. Da mesma forma, vigora o princípio da persuasão racional, acolhido pelo nosso sistema, o qual exige que as partes tenham conhecimento das razões que levaram o julgador a decidir em determinado sentido.

Na espécie, após a emissão do parecer técnico conclusivo pela reprovação das contas (fls. 42-43) – por ausência de recibos eleitorais referentes a doações estimáveis em dinheiro – e de parecer do Ministério Público Eleitoral no mesmo sentido, sobreveio sentença nos seguintes termos, ipsis litteris (fl. 47):

VISTOS.

Trata o presente processo da prestação de contas eleitorais, do pleito de 2016, do candidato GIOVANNI GOMES STRELETCKI.

O candidato apresentou suas contas no prazo legal. A área técnica solicitou documentos adicionais para sanar irregularidades e estes não foram entregues. Expedido o Parecer Conclusivo (fl.42 e 43) pela desaprovação das contas, os autos foram remetidos ao Ministério Público Eleitoral, que opinou também pela “desaprovação” das mesmas. (fl.45).

DECIDO.

As contas atenderam os requisitos legais, conforme demonstrou o Parecer Técnico Conclusivo, e que foi acompanhado pelo Parecer do Ministério Público Eleitoral.

Isto posto, DESAPROVO as contas eleitorais referentes ao pleito de 2016, do candidato GIOVANNI GOMES STRELETCKI.

Registre-se. Publique-se. Intimem-se.

Transitado em julgado, arquive-se com baixa.(Grifei)

Equivale a dizer: após assentar que as contas estavam regulares, a magistrada de piso as desaprovou, em inconcebível contradição e incongruência.

Nesses moldes, tenho que a sentença é nula, por defeito invencível de ordem pública, na medida em que a fundamentação da sentença não guarda nexo lógico com a parte dispositiva.

Não desconheço que, a teor da letra do inc. IV do § 3º do art. 1.013 do CPC, a segunda instância decidirá desde logo o mérito quando deparar com “nulidade de sentença por falta de fundamentação”.

Contudo, o caso sob apreciação denota circunstância diversa, de maior gravidade, uma vez que a fundamentação lançada está absolutamente apartada da conclusão dispositiva levada a cabo pelo juízo de origem.

Noutro giro, considerando os termos da fundamentação da sentença, poder-se-ia até mesmo perquirir acerca da real intenção do julgador. Considerando a sua independência em relação ao exame técnico realizado, a decisão enseja dúvidas se efetivamente desejou desaprovar as contas ou se o equívoco está atrelado à conclusão propriamente dita.

Logo, considero impossível analisar diretamente as questões não apreciadas pelo Juízo a quo, sob pena de supressão de instância, pois a devolutividade ampla do recurso diz respeito a pontos não apreciados integralmente, e não a teses, provas e pedidos sequer mencionados na sentença.

No mesmo norte, de maneira exemplificativa, colho arestos cujo contexto fático é análogo ao do presente processo:

RECURSO ELEITORAL. EFEITO TRANSLATIVO. NULIDADE DA SENTENÇA. MOTIVO DE ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO. DISPOSITIVO. CONTRADIÇÃO.

Diante do efeito translativo do recurso, é cabível suscitar a nulidade da sentença, por motivo de ordem pública, mesmo que não tenha sido arguida pelo recorrente.

É nula a sentença que apresenta flagrante contradição entre a fundamentação e o dispositivo.

(TRE/CE - RE n. 15058 - Rel. MANTOVANNI COLARES CAVALCANTE - DJ 10.9.2009) (Grifei)

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO DE 2004. NULIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA PELO JUÍZO A QUO - REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM.

Da simples leitura de r. Sentença, evidencia-se que a mesma não pode ser aceita como ato processual válido, uma vez que afronta dispositivo constitucional pela ausência de fundamentação, além da existência de contradição em sua parte dispositiva. Sentença de primeiro grau anulada, com remessa dos autos ao juízo a quo para proferir nova sentença.

(TRE/ES – RE n. 767 – Rel. TELÊMACO ANTUNES DE ABREU FILHO – DOE 23.01.2009) (Grifei)

Recurso Eleitoral. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Uso indevido dos meios de comunicação social. Sentença de improcedência. Nulidade da sentença que não esgota a prestação jurisdicional, deixando de apreciar todas as questões da causa suscitadas pelas partes. Ausência de fundamentação precisa e dos dispositivos legais que nortearam a decisão de mérito. Arts. 93, IX da CF e 489, II e III, do CPC. Princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Matéria de ordem pública. Nulidade absoluta. Reconhecimento de ofício. Anulação da sentença, com determinação de retorno dos autos à origem.

(TRE/SP - RE n. 37856 – Rel. CLAUDIA LÚCIA FONSECA FANUCCHI - DJE 29.5.2017) (Grifei)

Igualmente, trago recentes julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no mesmo sentido e com grifos meus:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A PARTE DISPOSITIVA DA SENTENÇA. NULIDADE.

1. A contradição verificada entre a fundamentação e a parte dispositiva é causa de nulidade da sentença.

2. É nula a sentença que julga improcedentes os embargos e, ao mesmo tempo, determina a extinção da execução fiscal.

(TRF4 – APELAÇÃO CÍVEL n. 500681882.2012.4.04.7122 – Rel. Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA – J. 23.8.2017)

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. PARCELAMENTO DE APOSENTADORIA. EXTINÇAO DO FEITO EM RELAÇÃO AO IPERGS. SENTENÇA CONTRADITÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO INCOMPATÍVEL COM O DISPOSITIVO. NULIDADE INSANÁVEL.

1. É nula a sentença que apresenta contradição entre a fundamentação e o dispositivo. Hipótese em que, embora o sentenciante tenha transcrito os termos da decisão monocrática proferida no Agravo de

Instrumento que reconheceu a legitimidade passiva do IPERGS, acabou por extinguir o feito em relação à autarquia.

2. Impossibilidade de reforma do julgado em sede de apelação, com a reinclusão do IPERGS no polo passivo, sob pena de supressão de um grau de jurisdição. Vício insanável que leva à desconstituição da sentença.

PRELIMINAR DE NULIDADE ACOLHIDA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.

(TJ/RS – APELAÇÃO CÍVEL n. Nº 70072483852 (Nº CNJ: 0012500-98.2017.8.21.7000) – SEGUNDA CÂMARA CÍVEL – Rel. Des. Ricardo Torres Hermann – J. em 29.03.2017)

RECURSO INOMINADO. IPERGS - INSTITUTO DE PREVIDENCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. REVISÃO DE APOSENTADORIA. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E O DISPOSITIVO. NULIDADE INSANÁVEL.

Inegável a existência de contradição na sentença, posto que a fundamentação conclui pela improcedência da ação e o dispositivo pela procedência.

Logo, a decisão é nula, pois a conclusão não decorre logicamente da abordagem feita na fundamentação, impondo sua desconstituição, por afronta ao princípio da congruência e inobservância dos art. 93, IX, da Constituição Federal e art. 489 do CPC/2015.

PRELIMINAR ACOLHIDA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.

(TJ/RS – RECURSO INOMINADO N. 71006480776 (Nº CNJ: 0058527-90.2016.8.21.9000) – SEGUNDA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA – Rel. Drª ROSANE RAMOS DE OLIVEIRA MICHELS – J. em 24.5.2017)

Portanto, impõe-se reconhecer a sentença como nula e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que se prolate nova decisão de mérito, com apreciação integral da matéria de fundo.

Diante do exposto, nos termos do voto, declaro a nulidade da sentença e determino retorno dos autos ao juízo de origem para o devido saneamento.