RE - 54206 - Sessão: 14/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

MARIA CLECI DROBOT, MARA REGINA BARBOSA DOS REIS, JAMILE RITA SOARES DOS SANTOS, LUANA CARVALHO MORETTO, SONIA MARIA PINHEIRO DA SILVA, VALMIR DALL'AGNOL, VOLNEI FERREIRA DA SILVA, VALDIR JOSÉ DIEHL e JOEL LEANDRO interpõem recurso em face da sentença que julgou procedente a ação de impugnação de mandato eletivo proposta pelo MINISTÉRIO PUBLICO ELEITORAL, considerando comprovado o lançamento de candidaturas femininas de forma fraudulenta, apenas para viabilizar maior número de candidaturas masculinas.

Em suas razões recursais (fls. 350-367), MARIA DROBOT, MARA DOS REIS, JAMILE DOS SANTOS, LUANA MORETTO E SÔNIA DA SILVA argumentam que as candidaturas impugnadas foram levadas a efeito de forma espontânea, e que, por diferentes motivos pessoais, esclarecidos perante o juízo, desistiram de realizar campanha. Expõem entendimento jurisprudencial no sentido de que a ausência de voto e atos de campanha não demonstram fraude no preenchimento das quotas de gênero. Requerem a improcedência da ação.

VALMIR DALL'AGNOL, VOLNEI DA SILVA, JOEL LEANDRO E VALDIR DIEHL (fls. 369-382) sustentam que a ação de impugnação de mandato eletivo requer prova contundente dos fatos e demonstração de desequilíbrio do pleito, argumentando que eventual fraude no preenchimento de vagas não produziu efeitos sobre a eleição dos recorrentes. Requerem a improcedência da ação.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (fls. 394-403).

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são tempestivos. A sentença foi publicada no dia 27.7.2017 (fl. 346v.), e os recursos foram interpostos nos dias 27 (fl. 350) e 28 do mesmo mês (fl. 369), ou seja, no prazo de 03 dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Passando ao mérito, cuida-se de ação de impugnação de mandato eletivo fundamentada no lançamento da candidatura fictícia de Maria Cleci Drobot, Mara Regina Barbosa dos Reis, Jamile Rita Soares dos Santos, Luana Carvalho Moretto e Sônia Maria Pinheiro da Silva para alcançar o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim candidaturas masculinas.

A imposição de reserva de gênero é prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral reconheceu que a burla à proporção de gênero é apta, em tese, a caracterizar fraude e autorizar o manejo da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Pode-se definir fraude como a conduta destinada a afastar a incidência de uma norma sobre determinada situação que estaria naturalmente sujeita a ela. Fraudulenta é a ação que atribui, artificialmente, uma aparência de legalidade a uma situação ofensiva ao ordenamento jurídico.

No mesmo sentido é a lição de José Jairo Gomes:

a fraude implica frustração do sentido e da finalidade da norma jurídica pelo uso de artimanha, astúcia, artifício ou ardil. Aparentemente, age-se em harmonia com o Direito, mas o efeito visado – e, por vezes, alcançado – o contraria. A fraude tem sempre em vista distorcer regras e princípios do Direito. (Direito Eleitoral, 13ª ed. 2017, p. 728.)

Nesse norte, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral definiu, no julgamento do RESPE 1-49, publicado em 21.10.2015, que o termo fraude deve receber interpretação ampla, para abranger todos os atos destinados a obter “resultado proibido por lei mediante ações que aparentemente lícitas”, e ser compreendido em conformidade com o art. 14, § 9º, da CF, o qual estabelece que Lei Complementar buscará “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego”.

Transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 149, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 21.10.2015, Página 25-26.)

A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo da participação feminina na política, espaço ocupado quase que integralmente pelo gênero masculino e onde as mulheres não encontram muitas oportunidades.

Assim, o preenchimento fraudulento das reservas de gênero frustra o intuito da norma e, ao invés de promover a participação feminina, apenas reforça a exclusão da mulher da política, em prejuízo ao pluralismo, que é pressuposto para uma democracia plena.

Na hipótese, não se verifica a realização de fraude, pois as concorrentes confirmaram que lançaram candidatura espontaneamente, e com real intenção de realizar campanha, mas acabaram abandonando, de fato, a busca por votos.

A sentença bem destacou do depoimento das candidatas os pontos nos quais admitem tais fatos:

Maria Cleci Drobot: pensei, bom, já que eu entrei, vamos conversar com o pessoal da terceira idade, mas daí tu vê que não é bem o que as pessoas falam assim, tu acha que é amigo mas não é amigo, né [...] aí eu pensei não vai dar certo, mas fiquei um pouco, vou tentar, mas aí o partido não ajudou em nada, não deu apoio [...] aí eu pensei então vou pular fora, eu dinheiro não tenho...vou ficar na minha.

Mara Regina Barbosa dos Reis: tive pouco tempo [...] não tive apoio do partido, não tive apoio dos próprios amigos porque meu esposo foi candidato e eu achei, como foi convidada e ser mulher, eu achei que tinha uma chance, meu esposo foi bem votado [...] José Paulo, e eu fui convidada, né, eu achei que eu poderia sim, contando com os votos que meu marido tinha feito, com os amigos, mas…

Jamile Rita Soares dos Santos: vim movida pela política, eu gosto, vim até assessorando um deputado, enfim. Eu tô na política já há cinco anos e nessas últimas eleições eu decidi que queria concorrer [...] Assim, me candidatei, o que aconteceu foi que meu marido é totalmente contra, odeia política, e no decorrer da campanha teve algumas brigas feias lá em casa, do tipo ou a política ou aqui em casa, porque a política, a gente sabe, tem muita janta, muitos eventos à noite depois do horário e ele não aceitou. Então, eu tenho um filho pequeno, de três anos, e as brigas se tornaram, ali no auge da campanha, ele pediu que eu parasse, eu fui desistindo, eu vi que…

Luana Carvalho Moretto: eu sempre estive no meio da política, minha vida sempre esteve presente na política. Os meu pais, os meus avós, então sempre houve uma, como eu vou lhe dizer, uma esperança de ir me candidatar, pra tentar fazer alguma coisa pelo meu município. Houve essa oportunidade, porém, eu me deparei com inúmeras, já de início, inúmeras dificuldades, exatamente, com que eu fizesse que eu não, me fez enxergar que eu não teria possibilidade, assim logo de início, mas a vontade ainda permanece.

Sônia Maria Pinheiro da Silva: Eu sou muito da política, muito ativa na política, eu sempre tive muita vontade. Quando surgiu essa oportunidade eu abracei. Eu disse, não, eu acho que agora é a hora de eu ir, é o momento. Sempre quis, sempre tive vontade, as pessoas diziam: “porque tu não vai?”, “porque tu não vai?”, e eu sempre dizia: “não é minha hora”, “não é minha hora”. E agora senti essa vontade, essa certeza que daria certo e iria até o fim. Por isso me candidatei.

Além dos depoimentos prestados pelas candidatas, atestando a vontade pessoal de candidatar-se e a realização de campanha, ainda que tímida, verifica-se, no sistema de divulgação de contas eleitorais, o registro de doações estimáveis em dinheiro no valor de R$ 63,00 a todas as candidatas, evidenciando a realização de módica campanha eleitoral.

A sentença registra o comportamento uniforme das candidatas, que alegam ter desistido da campanha sem encaminhar pedido formal ao partido, a discrepância dos valores doados a candidatos do gênero masculino e a disparidade do número de votos realizados por eles frente aos obtidos pelas mulheres (zero votos, à exceção de Sônia Maria da Silva, que obteve um voto).

De fato, o comportamento uniforme das candidatas pode gerar alguma estranheza, justificando a apuração dos fatos, mas não justifica a caracterização de fraude ao final da instrução. O equívoco no encaminhamento regular da desistência não evidencia, por si, a fraude e pode ser atribuído à inexperiência das candidatas ou até mesmo a falta de orientação mais efetiva por parte da agremiação.

Ademais, Jamile dos Santos e Luana Moretto afirmaram ter comunicado a desistência verbalmente a dirigentes partidários.

Da mesma forma, a discrepância entre os valores recebidos do partido e os votos conquistados não levam à conclusão da ocorrência de fraude.

Por certo que o tratamento recebido pelas candidatas não foi isonômica, mas tal desigualdade não é sinônimo de fraude. A distribuição de recursos para campanha é uma escolha interna da agremiação e certamente varia conforme o prestígio e o empenho dos candidatos, refletindo no resultado do pleito.

Tanto o reduzido valor recebido quanto a inexistente ou inexpressiva votação obtida podem ser reflexo do desencanto das candidatas com a falta de apoio de familiares e amigos e das dificuldades verificadas na campanha.

Dessa forma, apurados os fatos, não restou comprovada a fraude alegada. As candidatas confirmaram sua intenção de candidatar-se e fazer campanha, além de terem recebido doações. A modicidade do investimento e o diminuto empenho na campanha não são suficientes para a caracterização da fraude pretendida, conforme orientação jurisprudencial:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. REGISTRO DE CANDIDATURA. FRAUDE. QUOTAS DE GÊNERO. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI n. 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegada prática de fraude com o registro de candidaturas fictícias, em relação à nominata proporcional do partido, para o cumprimento da quota mínima de 30% por gênero.

2. Acervo probatório a demonstrar que as candidatas buscaram votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo seu registro como simulacro de candidatura. Precedentes no sentido de que o fato de candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, ou não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não é condição suficiente para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

3. Provimento negado. (TRE/RS, Rel. Dr. Eduardo Dias Bainy, julgado em 11.7.2017.)

 

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n 76677, ACÓRDÃO de 03.06.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.06.2014, Páginas 6-7.)

Assim, não caracterizada a fraude pretendida, deve ser reformada a sentença, para julgar improcedente a ação.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento dos recursos, para julgar improcedente a ação.