INQ - 8854 - Sessão: 17/12/2018 às 13:30

RELATÓRIO

Trata-se de inquérito policial instaurado por requisição do Juízo da 4ª Zona Eleitoral de Espumoso que, acolhendo promoção do Ministério Público Eleitoral de 1º grau, determinou fosse apurado o possível exercício do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral durante a campanha das eleições de 2016 no Município de Campos Borges/RS, por parte de EVERALDO DA SILVA MORAES, ALTAMIRO TRENHAGO, RODRIGO DOS SANTOS VIEIRA, ANTONIO MOREIRA e JOCILMARA IGNÁCIO TRAMONTINI, esta última também pela prática do delito tipificado no art. 342 do Código Penal (falso testemunho), supostamente cometido durante a fase instrutória de processo judicial que tramitou perante esta Justiça Especializada.

A determinação constou da sentença prolatada pelo Juízo da 4ª Zona Eleitoral de Espumoso nos autos da Representação por Captação Ilícita de Sufrágio n. 329-50.2016.6.21.0004, a qual foi ajuizada pelo Ministério Público de 1º grau contra os investigados EVERALDO DA SILVA MORAES e ALTAMIRO TRENHAGO, respectivamente, atuais Prefeito e Vice-Prefeito de Campos Borges/RS, aos quais foi atribuída a prática da conduta vedada do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 durante a campanha do pleito municipal de 2016.

Fixada a competência deste Tribunal para o processamento da investigação, com fundamento no art. 29, inc. X, da Constituição Federal, uma vez que o investigado EVERALDO DA SILVA MORAES encontra-se no exercício do cargo de Prefeito (fl. 575).

Concluído o inquérito com o indiciamento de JOCILMARA IGNÁCIO TRAMONTINI como incursa na conduta descrita no art. 339 do Código Penal – denunciação caluniosa - (fl. 685), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou (a) pelo declínio da competência ao Juízo Eleitoral da 4ª Zona Eleitoral de Espumoso quanto aos fatos que podem, eventualmente, configurar o crime de corrupção eleitoral (CE art. 299), em razão da recente interpretação restritiva conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao instituto do foro por prerrogativa de função; e (b) pelo declínio da competência para a Justiça Federal de Carazinho quanto ao fato que pode, eventualmente, configurar o crime de falso testemunho em processo eleitoral (CP art. 342).

É o relatório.

VOTO

Conforme relatado, o presente inquérito teve origem em representação eleitoral, em cuja sentença constou a determinação para instauração de procedimento investigatório com o intuito de apurar a possível prática do crime de corrupção eleitoral - art. 299 do Código Eleitoral – por parte de EVERALDO DA SILVA MORAES, ALTAMIRO TRENHAGO, RODRIGO DOS SANTOS VIEIRA, ANTONIO MOREIRA e JOCILMARA IGNÁCIO TRAMONTINI, e falso testemunho – art. 342 do Código Penal - por parte de JOCILMARA IGNÁCIO TRAMONTINI.

Encerrada a instrução do inquérito, a autoridade policial concluiu não ter sido possível apurar a prática do crime eleitoral previsto no art. 299 da Lei n. 4.737/65 (Código Eleitoral), restando, todavia, demonstrada a prática do crime de denunciação caluniosa previsto no art. 339 do Código Penal por parte de JOCILMARA IGNÁCIO TRAMONTINI.

No que concerne à prática da conduta delituosa tipificada no art. 299 do Código Eleitoral, em sua manifestação (fls. 721-728v.), a Procuradoria Regional Eleitoral requer a declinação de competência ao Juízo da 4ª Zona Eleitoral deste Estado, sob o seguinte fundamento, in verbis:

(...)

No caso concreto, a despeito do investigado EVERALDO DA SILVA MORAES encontrar-se no execício do mandato de Prefeito Municipal de Campos Borges desde janeiro de 2017, os fatos objeto da investigação (oferecimento de dinheiro a eleitores em troca dos seus votos e dos votos dos seus familiares na sua candidatura ao pleito de 2016) foram praticados antes do início do mandato e não guardam relação com o seu exercício. Logo, diante da interpretação restritiva conferida ao foro por prerrogativa de função pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal n. 937 e do princípio da parametricidade, conclui-se que esta Procuradoria Regional Eleitoral não mais detém atribuição para a formação da opinio delicti em relação ao crime eleitoral objeto da investigação, devendo os autos serem declinados à primeira instância da Justiça Eleitoral. (Grifos no original.)

O foro por prerrogativa de função ou, simplesmente, “foro privilegiado” é um dos modos de se fixar a competência penal. Com esse instituto jurídico, o órgão competente para julgar ações penais contra determinados agentes é estabelecido levando-se em conta o cargo ou a função que eles ocupam, de modo a proteger a função e a coisa pública.

O instituto está previsto em diversas disposições da Constituição Federal de 1988.

No caso de Prefeitos, a prerrogativa encontra-se disciplinada no art. 29, inc. X, do texto constitucional, in verbis:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(…)

X- julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;

Em se tratando do cometimento de crimes eleitorais, sob a ótica da simetria, a competência para processar e julgar o titular do executivo municipal é do Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado:

Habeas corpus. Art. 350 do Código Eleitoral. Prefeito municipal. Inquérito policial instaurado por requisição do Ministério Público Eleitoral sem supervisão do TRE. Procuradoria-Geral Eleitoral opina pela concessão da ordem. Ordem concedida. 1. Compete ao Tribunal Superior Eleitoral processar e julgar habeas corpus contra ato supostamente ilegal praticado por procurador regional eleitoral. Precedentes do TSE. 2. A instauração do inquérito policial para averiguar suposto crime praticado por prefeito depende de supervisão do Tribunal Regional Eleitoral competente para processar e julgar o titular do Poder Executivo municipal nos crimes eleitorais. Precedentes do TSE e do STF. 3. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para a defesa de interesses de titulares de cargos relevantes, mas para a própria regularidade das instituições. Se a interpretação das normas constitucionais leva à conclusão de que o chefe do Executivo municipal responde por crime eleitoral perante o respectivo TRE, não há razão plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial daquele órgão. 4. Ordem concedida".

(Ac. de 8.4.2014 no HC no 42907, rel. Min. Gilmar Mendes.)

A questão posta pelo Procurador Regional Eleitoral nestes autos trata dos critérios para a definição de tal competência.

Argumenta o ilustre representante do Parquet nesta Corte em sua manifestação (fls. 721-728v.) que, na AP 937/RJ, o Supremo Tribunal Federal definiu o contexto de aplicação do foro por prerrogativa de função, restringido sua incidência a crimes cometidos durante o mandato e em função dele.

Com efeito, no dia 03 de maio do corrente ano, o Plenário do Supremo Tribunal Federal conferiu nova interpretação ao art. 102, inc. I, als. “b” e “c”, da CF, assentando a competência da Corte Suprema para processar e julgar os membros do Congresso Nacional exclusivamente quanto aos crimes praticados no exercício e em razão da função pública.

O tema foi levantado por meio de Questão de Ordem suscitada pelo eminente Ministro Luiz Roberto Barroso em voto proferido no julgamento da AP n. 937, cujo acórdão restou assim ementado:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO DE ORDEM EM AÇÃO PENAL. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO AOS CRIMES PRATICADOS NO CARGO E EM RAZÃO DELE. ESTABELECIMENTO DE MARCO TEMPORAL DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA.

I. Quanto ao sentido e alcance do foro por prerrogativa 1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na interpretação até aqui adotada pelo Supremo Tribunal Federal, alcança todos os crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art. 102, I, b e c da Constituição, inclusive os praticados antes da investidura no cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício. 2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa. 3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções - e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade - é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo. A experiência e as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, causando indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo. 4. A orientação aqui preconizada encontra-se em harmonia com diversos precedentes do STF. De fato, o Tribunal adotou idêntica lógica ao condicionar a imunidade parlamentar material - i.e., a que os protege por suas opiniões, palavras e votos - à exigência de que a manifestação tivesse relação com o exercício do mandato. Ademais, em inúmeros casos, o STF realizou interpretação restritiva de suas competências constitucionais, para adequá-las às suas finalidades. Precedentes. II. Quanto ao momento da fixação definitiva da competência do STF 5. A partir do final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais - do STF ou de qualquer outro órgão - não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de prorrogação de competências constitucionais quando necessária para preservar a efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional. Precedentes. III. Conclusão 6. Resolução da questão de ordem com a fixação das seguintes teses: "(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo''. 7. Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e demais juízos com base na jurisprudência anterior. 8. Como resultado, determinação de baixa da ação penal ao Juízo da 256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao cargo de Deputado Federal e tendo em vista que a instrução processual já havia sido finalizada perante a I a instância.

Na decisão, fica clara a necessidade da análise de dois critérios para a definição da aplicação do foro por prerrogativa de função: o cometimento de crime durante a investidura em cargo público e a relação entre as funções exercidas no cargo e a ação criminosa.

Embora o precedente da Corte Suprema tenha sido proferido em contexto atinente ao cargo de Deputado Federal, o próprio STF, no julgamento do Inq n. 4703 de relatoria do Min. Luiz Fux, julgado em 12.6.2018, afirmou que o entendimento vale também para Ministros de Estado.

Desde então, vários tribunais do país, tomando o acórdão como orientação, passaram a aplicar a mesma linha interpretativa para outras hipóteses de foro privilegiado.

Foi o que decidiu, por exemplo, a Corte Especial do STJ que, seguindo a linha de raciocínio adotada pelo STF, limitou a amplitude do art. 105, inc. I, al. “a”, da CF/88 e estabeleceu que a restrição do foro deve alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais (STJ. Corte Especial. AP n. 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20.6.2018).

Este Regional também aderiu ao posicionamento da Corte Excelsa, conforme demonstram as ementas abaixo reproduzidas:

INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. ART. 324 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRERROGATIVA DE FORO. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO CARGO. CANDIDATO AO CARGO DE PREFEITO NA ÉPOCA DO FATO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

Suposta prática de crime durante debate eleitoral que antecedeu ao pleito, período em que o investigado detinha apenas a condição de candidato ao cargo de prefeito. Novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de limitar o foro por prerrogativa de função às hipóteses em que a prática delitiva ocorrer no exercício do cargo e em decorrência de suas atribuições. Alinhamento deste Tribunal à nova interpretação. Não subsiste a competência originária criminal desta Corte, reconhecida ao juízo eleitoral de primeiro grau. Acolhida a promoção ministerial.

(TRE/RS – Inq n. 333 - Rel. Des. Eleitoral Fed. João Batista Pinto Silveira – J. Sessão de 25.9.2018)

INQUÉRITO POLICIAL. SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO, USO DE BEM E/OU SERVIÇO PÚBLICO E FALSIDADE IDEOLÓGICA, TODOS COM FINALIDADE ELEITORAL. ARTS. 299, 346 C/C 377 E 350, TODOS DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO ELEITO. PRERROGATIVA DE FORO. NOVA INTERPRETAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

O Supremo Tribunal Federal assentou nova interpretação para restringir a aplicação do foro por prerrogativa de função apenas aos delitos praticados no exercício do cargo e com pertinência às funções exercidas. Suposta prática delitiva quando o investigado detinha apenas a condição de candidato ao cargo de Prefeito, sem qualquer relação com o exercício do mandato. Por esse motivo, não subsiste a competência criminal originária, por prerrogativa de foro, perante o Tribunal Regional Eleitoral. Acolhimento da promoção ministerial.

Declínio da competência.

(TRE/RS – Inq n. 4753 - Rel. Des. Eleitoral Luciano André Losekann – J. Sessão de 8.11.2018.)

No caso destes autos, o crime de corrupção eleitoral foi cometido, em tese, durante a campanha relativa ao pleito de 2016.

Assim, forçoso reconhecer que o delito, cuja prática se atribui ao então candidato ao cargo de Prefeito de Campos Borges, EVERALDO DA SILVA MORAES, não foi cometido durante o exercício do cargo e, por conseguinte, conforme bem observado pelo n. Procurador Regional Eleitoral, não guarda relação com o seu exercício.

Dessa sorte, com base nas definições apontadas pelo STF sobre a matéria e na linha do entendimento recentemente adotado por este Tribunal, impõe-se determinar a baixa dos autos ao Juízo da 4ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, tendo em vista que o crime imputado a EVERALDO DA SILVA MORAES não foi cometido quando este ocupava o cargo de Prefeito de Campos Borges ou em razão dele.

No que concerne à tipificação da conduta imputada, em tese, à JOCILMARA IGNÁCIO TRAMONTINI, destaco, inicialmente, a existência de desarmonia entre as conclusões alcançadas pela autoridade policial condutora do inquérito e o entendimento esposado pela Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 721-728v.).

Com efeito, em que pese à autoridade condutora da investigação tenha indiciado JOCILMARA pela prática do crime de denunciação caluniosa, tipo previsto no art. 339 do Código Penal (fl. 685), o ilustre representante do órgão ministerial junto a esta Corte, alinhando-se à posição do magistrado da 4º Zona Eleitoral na sentença proferida nos autos da Representação n. 329-50 (fls. 556-562), encaminha parecer no sentido da configuração, em tese, do crime de falso testemunho capitulado no art. 342 do CP.

Há que se ter em mente, entretanto, que o inquérito policial serve tão somente como peça informativa para a propositura da ação penal, devendo ser respeitado o livre convencimento do Parquet, o qual, por não estar adstrito à capitulação legal e às conclusões exaradas pela Autoridade Policial em seu relatório final, pode oferecer ou não denúncia com entendimento totalmente diverso.

Nesse sentido, a jurisprudência:

HABEAS CORPUS. ATROPELAMENTO. DELITO DE TRÂNSITO. INQUÉRITO POLICIAL QUE CONSTATOU CRIME CULPOSO. DENÚNCIA QUE IMPUTA AO PACIENTE O CRIME PREVISTO NO ART. 121, CAPUT, DO CP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. VÍCIOS. TRANCAMENTO DA AÇÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE DENÚNCIA E INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. MATERIALIDADE PROVADA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

- A eventual desarmonia entre inquérito policial e denúncia, não desqualifica a peça acusatória, posto não restar evidenciado a atipicidade do crime imputado.

- A inépcia da denúncia só pode ser conhecida quando ficar demonstrada ausência de tipicidade ou então, ficar patente que paciente não participou do fato descrito no termo acusatório.

(TJ/MA - HC n. 025767-2008 - Rel. Milton de Souza Coutinho – J. Sessão de 9.02.2009.) (Grifei.)

Esse é, precisamente, o caso verificado nos presentes autos.

Dito isso, adianto que estou acolhendo o requerimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral também neste ponto, motivo pelo qual peço vênia para transcrever trecho do bem-lançado parecer, cujos fundamentos incorporo ao voto e adoto, desde já, como razões de decidir, de forma a evitar desnecessária tautologia:

Conforme já referido, a Representação n. 329-50.2016.6.21.0004 foi ajuizada pelo MPE a partir de notícia de fato e arquivos de áudio e vídeo apresentados por Valdir Ribeiro. Segundo o noticiante, a existência dos arquivos lhe foi informada por Jocimara Inácio Tramontini, eleitora que teria gravado os vídeos, um dos quais envolvendo a si própria.

Ocorre que, durante a instrução processual da RP 329-50, Jocimara Inácio Tramontini, ouvida na qualidade de testemunha compromissada, afirmou, em relação ao vídeo diurno, no qual figura como eleitora corrompida, que as notas de dinheiro sacudidas em frente à câmera eram de sua propriedade e já estavam na sua mão quando o então candidato a Prefeito Municipal, EVERALDO DA SILVA MORAES, se despediu com um aperto de mãos.

A contradição entre a imagem e a fala da testemunha levou a Juíza Eleitoral a requisitar a abertura de investigação acerca da eventual prática do crime de falso testemunho em processo eleitoral.

Todavia, inexiste conexão entre o crime de corrupção eleitoral e este, o qual trata-se de crime comum, capitulado no art. 342 do Código Penal, mesmo quando perpetrado em instrução de processo eleitoral.

O bem jurídico tutelado é a administração da Justiça Eleitoral, de natureza federal. Logo, a formação da opinio delicti recai sobre membro do Ministério Público Federal, devendo a competência ser declinada à primeira instância da Justiça Federal.

A jurisprudência da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça corrobora esse entendimento conforme exemplifica a seguinte ementa:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. FALSO TESTEMUNHO. CRIME PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar infração penal de falso testemunho praticada em detrimento da União, que tem interesse na administração da justiça eleitoral.

2. A circunstância de ocorrer o falso depoimento em processo eleitoral não estabelece vínculo de conexão para atrair a competência da Justiça Eleitoral.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal, ora suscitante.

(CC 106.970/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2009, DJe 22/10/2009)

No âmbito deste TRE-RS, o julgado mais recente encontrado sobre o tema contempla o mesmo entendimento:

Recursos Criminais. Falsidade ideológica para fins eleitorais. Art. 350 do Código Eleitoral. Obtenção de documento falso para fins eleitorais. Art. 354 do Código Eleitoral. Corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Falso testemunho. Art. 342, caput, do Código Penal. Eleições 2012. Preliminares afastadas. 1) Idoneidade da prova obtida mediante interceptação telefônica deferida por autoridade judicial e objeto do contraditório. 2) Eventual arguição de nulidade não pode ser feita por quem lhe der causa, conforme disposto no art. 565 do Código de Processo Penal. Declarada, de ofício, a incompetência absoluta para julgamento do crime de falso testemunho previsto no Código Penal e sem equivalente na legislação especial. Crime contra a Administração da Justiça Eleitoral, supostamente consumado em audiência de instrução de processo judicial eleitoral, evidenciando o interesse da União e a consequente competência da Justiça Federal. Tipicidade das condutas relativas à falsidade ideológica e à obtenção de documento falso. Ainda que a utilização do falso não tenha sido dirigida à eleição, mas sim à produção de prova falsa para uso em processo judicial eleitoral, resta configurada a finalidade eleitoral e a relevância jurídica da conduta a afetar a transparência e a fé pública eleitoral. Alteração jurisprudencial do TSE neste sentido. Anulação parcial da sentença com relação ao julgamento do delito tipificado no art. 342 do Código Penal. Readequação da dosimetria da pena. Provimento negado aos recursos.

(Recurso Criminal n 277, ACÓRDÃO de 16/04/2015, Relator(a) LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 70, Data 24/04/2015, Página 4-5)

Em face do acima exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL requer: (1) o declínio da competência para o Juízo Eleitoral da 4ª Zona Eleitoral – Espumoso, com jurisdição sobre o município de Campos Borges, quanto aos fatos que podem, eventualmente, configurar o crime de corrupção eleitoral (CE, art. 299); e (2) o declínio da competência para a Justiça Federal de Carazinho, com jurisdição sobre o município de Campos Borges, quanto ao fato que pode, eventualmente, configurar o crime de falso testemunho em processo eleitoral (CP, art. 342).

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo acolhimento da promoção ministerial para:

a) no que respeita à prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, declinar da competência ao Juízo da 4ª Zona Eleitoral – Espumoso/RS, para que, encaminhados os autos ao Promotor Eleitoral oficiante, adote as medidas que entender cabíveis; e

b) declinar da competência à Justiça Federal de Carazinho/RS, com jurisdição sobre o Município de Campos Borges, em relação à conduta imputada exclusivamente a JOCILMARA IGNÁCIO TRAMONTINI.