RE - 2109 - Sessão: 21/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso (fls. 36-38)  interposto por SELCIO RAILDO BRUSCH contra a sentença que desaprovou a sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2016 para o cargo de vereador.

Em suas razões, informa que “firmou contrato de cessão temporária de imóvel com a Sra. Teresa da Silva Pereira, inclusive apresentando conta de energia elétrica no nome da referida”. Alega que Teresa é proprietária do imóvel e que não houve má-fé na referida cessão, razão pela qual requer o provimento do recurso, com a aprovação das contas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, a fim de que seja observado o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15; no mérito, pela desaprovação das contas; e, de ofício, pela determinação do recolhimento do valor de R$ 800,00 ao Tesouro Nacional.

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente.

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo.

Com razão, a douta Procuradoria Regional Eleitoral ao suscitar a preliminar de nulidade da sentença.

Com efeito, o magistrado, ao reconhecer a ausência de comprovação da propriedade do imóvel cedido, enquadrando tal recurso como de origem não identificada, deveria ter determinado o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força da dicção do que dispõe o art.26 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

(...)

§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. 

(Grifei.)

Peço vênia para transcrever as razões ministeriais

Da nulidade da sentença

Apesar de ter reconhecido a irregularidade apontada no parecer conclusivo (fl. 28), qual seja o uso de bem imóvel sem comprovação da respectiva propriedade, a magistrada a quo deixou de determinar o recolhimento de tais recursos ao Tesouro Nacional, restando omisso no tocante.

Ocorre que tal entendimento negou vigência à legislação eleitoral, mais precisamente ao disposto nos arts. 19 e 26, ambos da Resolução do TSE n. 23.463/15, que assim dispõem, in litteris:

Art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

§ 1º Os bens próprios do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura. (…)

(Grifei.)

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político (…)

§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.

(Grifei.)

Tem-se que, a fim de evitar as doações ocultas – ante a declaração de inconstitucionalidade do recebimento de doações de pessoas jurídicas a partidos e a candidatos –, permitindo uma efetiva fiscalização da Justiça Eleitoral, a legislação eleitoral exige a identificação do doador dos recursos arrecadados, configurando, em caso de inobservância, doação recurso de origem não identificada, nos termos do art. 26 da Resolução do TSE nº 23.463/15.

Ademais, conforme o art. 19 da Resolução do TSE nº 23.463/15, tratando-se de bem, tem-se que somente será possível ocorrer a doação por meio de uma doação/cessão temporária e desde que o doador demonstre a efetiva propriedade do mesmo, isto é, que o bem integra o seu patrimônio.

Dessa forma, com base nos referidos dispositivos, percebe-se que a necessidade de identificação do doador e de comprovação da propriedade do bem estimado são consectários legais de norma cogente e de ordem pública, ensejando a sua inobservância o recolhimento do valor recebido ao Tesouro Nacional.

Como também, sobre a necessidade de recolhimento de valores equivalentes a arrecadações estimadas em dinheiro, assim entende a jurisprudência:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. APROVADAS COM RESSALVAS. DOAÇÃO DE BEM ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. ART. 26, § 3º, DA RESOLUÇÃO-TSE Nº 23.406/2014. DOADOR ORIGINÁRIO NÃO IDENTIFICADO. IRREGULARIDADE. APLICABILIDADE DO ART. 29 DA MENCIONADA RESOLUÇÃO. PRECEDENTES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL DO VALOR CORRESPONDENTE AOS RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

1. Os doadores de campanha eleitoral devem ser identificados, inclusive nas doações indiretamente recebidas pelos candidatos, a fim de possibilitar a fiscalização por essa Justiça Especializada, notadamente a fim de se coibir a arrecadação de recursos oriundos de fontes vedadas, nos termos do art. 26, § 3º, da Resolução-TSE nº 23.406/2014, inclusive para doação dos bens estimáveis em dinheiro.

2. O art. 29 da mencionada resolução estabelece o recolhimento ao Tesouro Nacional, pelos candidatos, partidos políticos e comitês financeiros, dos recursos de origem não identificada apurados na prestação de contas de campanha.

3. É que a mens legis de exigir a identificação dos doadores é coibir a utilização de recursos cuja origem não possa ser identificada, culminando, nesse contexto, com a edição de norma regulamentar que determina o repasse da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

4. Ademais, a simples reiteração de argumentos já analisados na decisão agravada e o reforço de alguns pontos, sem que haja no agravo regimental qualquer elemento novo apto a infirmá-la, atraem a incidência do Enunciado da Súmula nº 182 do STJ. 5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 174840, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 27.9.2016, Página 87.)

(Grifei.)

Cumpre transcrever relevante trecho do voto do Exmo. Ministro Luiz Fux:

Frise-se que os recursos oriundos de bens estimáveis em dinheiro constituem espécie de doação eleitoral com as mesmas restrições que incidem sobre os recursos financeiros recebidos pelos candidatos, comitês financeiros e partidos políticos.

Ressalto, por oportuno, que o escopo principal dos processos de prestação de contas é a fiscalização, pela Justiça Eleitoral, da lisura e regularidade das receitas movimentadas e despesas realizadas por candidatos, comitês e partidos políticos, não prescindindo, bem por isso, da identificação originária dos doadores de recursos de campanha, ex vi do ad. 26 do mencionado ato normativo, máxime para se evitar a utilização de recursos provindos de fontes vedadas pela legislação eleitoral.

Da exigência de identificação dos doadores de campanha se infere que a mens legis é coibir a utilização de recursos cuja origem não possa ser identificada, culminando, nesse contexto, com a edição de norma regulamentar que determina o repasse da quantia irregular ao Tesouro Nacional, mesmo porque se a quantia não pode ser utilizada, também não pode ficar à disposição de candidato ou partido. Nesse sentido, no REspe n° 2159-67/GO, ReI. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016, se ponderou que "a solução de deixar tais recursos no âmbito do partido nem de longe poderia ocorrer, porque isso seria suprema ilegalidade". (grifado).

Os arts. 11 e 489, §1º, ambos do CPC/15 assim disciplinam:

Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. (…)

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (…)

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

(Grifei.)

Logo, ante o afastamento da incidência do direito objetivo e da própria jurisprudência pátria, bem como por tratar-se de questão de ordem pública, impõe-se o reconhecimento de nulidade da decisão em questão.

Nesse sentido, o recente precedente desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. SENTENÇA NULA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. VÍCIO INSANÁVEL. ELEIÇÕES 2016.

Preliminar de nulidade da sentença acolhida. Silêncio da sentença com relação à penalidade de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Não operada preclusão, pois matéria de ordem pública. Vício insanável que conduz nulidade absoluta. Retorno à origem.

Nulidade.

(Recurso Eleitoral n. 31530, Acórdão de 27.6.2017, Redator para o acórdão: DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 114, Data 03.7.2017, Página 3.)

(Grifei.)

Portanto, o magistrado da 59ª Zona Eleitoral, ao considerar a importância de R$ 800,00 como de origem não identificada, pois não comprovada a identidade do proprietário do imóvel, negou vigência ao disposto no art. 26 da Resolução do TSE n. 23.463/15, ao deixar de determinar o recolhimento desse valor ao Tesouro Nacional.

ANTE O EXPOSTO, acolho a matéria preliminar, ao efeito de anular a sentença para que seja prolatada nova decisão, com a incidência do que dispõe o art. 26 da Res. TSE n. 23.463/15.

É como voto, senhor Presidente.