RE - 45268 - Sessão: 08/11/2017 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por CRISTINA DE FÁTIMA CORRÊA MENDES ALVES referente à campanha eleitoral de 2016 contra sentença (fls. 23-26) que julgou desaprovadas suas contas em face das irregularidades identificadas, com fundamento no art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, e determinou o recolhimento de R$ 497,00 ao Tesouro Nacional.

Nas razões (fls. 29-31), indica que o pequeno valor apontado decorre de atividades autônomas, faxinas realizadas como complementação à renda familiar, bem como que desconhece valores dispendidos com publicações em seu nome, uma vez que não recebeu aportes financeiros da agremiação pela qual concorreu. Requer a reforma da sentença, para aprovar as contas, ainda que com ressalvas .

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do apelo (fls. 35-39).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada em 26.7.2017 (fl. 27v.), e o recurso, apresentado em 28.7.2017 (fl. 29).

No mérito, o órgão técnico identificou a existência de irregularidades nas contas – relativas a recursos próprios aplicados em campanha – que superam o valor do patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura, o que caracterizaria: (1) recebimento de recursos de origem não identificada – art. 3º, inc. I, e art. 14, inc. I, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15, e (2) gasto omitido na prestação de contas, relativo à publicação em empresa jornalística (fl. 17 e v.), no valor de R$ 250,00.

Merece parcial provimento o recurso, para aprovar as contas com ressalvas e afastar a ordem de recolhimento.

Isso porque a incompatibilidade entre o patrimônio da recorrente – declarado por ocasião do registro de candidatura – e os recursos financeiros próprios empregados na campanha totalizaram a soma de R$ 497,00.

De um lado, a diferença foi de R$ 497,00 porque a recorrente não tem patrimônio; de outro, gastou apenas R$ 497,00 no decorrer de toda a sua campanha eleitoral.

Logo, à míngua de outros elementos probatórios, não se mostra factível sugerir que o referido montante, de expressão reduzidíssima, teria o condão de revelar a utilização de recursos de origem não identificada.

Utilize-se, por exemplo, o valor de R$ 1.064,10 – piso relativo à obrigatoriedade de transferência bancária de valores indicado no art. 18, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15 – para se entender o valor sob exame de baixa monta.

É certo que o parecer técnico, na origem, tem a obrigação funcional de apontar as dissonâncias contábeis ocorridas, diante do caráter objetivo que permeia a análise a ser realizada.

Todavia, a análise judicial permite, em casos extremos como o que aqui se apresenta, a ponderação da legislação às circunstâncias do caso concreto: CRISTINA DE FÁTIMA não possui patrimônio e labora em situação de informalidade forçada, realizando faxinas para complementar a renda familiar – situação de milhões de brasileiros, por motivos amplamente conhecidos.

Portanto, penso que a manutenção da sentença, a qual determina o recolhimento do valor total de recursos utilizados na campanha ao Tesouro Nacional, refletiria em sanção demasiado grave àquela que, de maneira extremamente humilde, colocou seu nome à disposição do eleitorado, exercendo, aliás, direito político fundamental que a Constituição de 1988 assiste.

Os valores são irrisórios, e a recorrente, nitidamente pobre.

Com frequência, as dicções legais e regulamentares têm seus efeitos ajustados aos casos de enorme repercussão – vide, por exemplo, a guinada hermenêutica havida, no Tribunal Superior Eleitoral, por ocasião do julgamento conjunto da AIJE n. 194359, da AIME n. 761 e da Rp n. 846, ainda que por maioria.

No caso posto, penso que, ainda com mais razão, é caso de afastamento tópico da legislação, pelo fato de que a recorrente é mulher e de classe humilde, e bem sabemos das circunstâncias que, algumas vezes, permeiam as candidaturas aos cargos proporcionais para obediência às quotas de gênero.

Daí, entendo cabível aqui o posicionamento do Ministro Luiz Fux: “[...] acredito que este Tribunal não pode prescindir de algum pragmatismo jurídico quando de seus pronunciamentos. […] De acordo com Richard Posner, esta postura repudia a tomada de decisões ad hoc e livre de amarras legais, máxime porque geraria instabilidade e insegurança jurídica aos jurisdicionados, mas, ao revés, exige a atenção às cognominadas consequências sistêmicas das soluções alvitradas”. (Novos Paradigmas de Direito Eleitoral: FUX, Luiz, e FRAZÃO, Carlos Eduardo. Editora Fórum. Belo Horizonte, 2016, pg. 290.)

Em resumo: as contas estão claras o suficiente para uma aprovação com ressalvas. A candidata, pobre, não possui patrimônio a declarar, e gastou em sua campanha R$ 497,00 reais, que obteve realizando faxinas, e desconhece o motivo pelo qual o partido emitiu nota fiscal em seu nome, no valor de R$ 250,00, relativo à publicidade eleitoral.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, reformando a sentença de 1º grau para aprovar as contas com ressalvas e afastar a ordem de recolhimento de R$ 497,00 ao Tesouro Nacional.