E.Dcl. - 32950 - Sessão: 05/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pela Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 691-699).

Em suas razões, a embargante sustenta haver três contradições, a saber: (1) quanto ao enquadramento de efetiva gravação ambiental como interceptação sujeita à reserva judicial; (2) quanto à conclusão de inexistência de negociação de voto; e (3) no que concerne à conclusão de que os fatos teriam contornos de remuneração por trabalho realizado por cabos eleitorais.

Vieram conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

Cabe afirmar a tempestividade dos embargos de declaração. A Procuradoria Regional Eleitoral foi intimada no dia 14.8.2017 (fl. 689v.), e os embargos foram opostos no dia 17.8.2017 (fl. 691).

Tempestivos, portanto.

Mérito

No mérito, a embargante sustenta haver contradições no acórdão:

(1) quanto ao enquadramento de efetiva gravação ambiental como interceptação sujeita à reserva judicial;

(2) quanto à conclusão de inexistência de negociação de voto; e

(3) quanto à conclusão de que os fatos teriam contornos de remuneração por trabalho realizado por cabos eleitorais.

Os embargos não merecem ser acolhidos.

Explico.

Isso porque há insurgência contra valoração das circunstâncias fáticas comprovadas, não havendo contradição intrínseca nas razões de julgamento, situação que ensejaria o acolhimento de eventual oposição, até mesmo porque “a contradição que autoriza a oposição dos declaratórios é a existência no acórdão embargado de proposições inconciliáveis entre si, jamais com a lei nem com o entendimento da parte” (ED-RHC n. 127-81, rel. Min. Laurita Vaz, DJE 2.8.2013).

Senão, vejamos.

(1) o tratamento conferido à gravação “movi002.avi”, entendido como ilícito pelo acórdão, deu-se em virtude de que Jocimara não participou como interlocutora no diálogo gravado. Há clareza, no vídeo, da ausência de Jocimara, até mesmo por impossibilidade física do recinto, e também porque toda a conversa transcorre apenas entre Antônio, Everaldo e Altamiro, estes dois últimos os candidatos, sem qualquer manifestação ou, sequer, referência física à presença de mais alguém no local, restando nítidos os contornos de interceptação, a qual não se restringe às conversas mantidas via telefone, como o embargante sustenta.

A situação retratada caracteriza interceptação ambiental, consistente na captação de sons ou imagens, feita por terceira pessoa (no caso, Jocimara), de duas ou mais pessoas, sem que estas saibam que estão sendo monitoradas ou vigiadas.

Tal espécie de registro é reservado às investigações autorizadas judicialmente, como ressaltado na legislação. Indico que a interceptação ambiental é ato investigatório previsto no art. 3º, inc. II, da Lei n. 12.850/13, o qual dispõe, in verbis:

Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

[...]

II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos.

Ora, Antônio, Everaldo e Altamiro não sabiam da gravação, e Jocimara, repete-se, ausenta-se do recinto, agravando-se a situação por não se tratar de feito criminal – note-se que o simples fato da ausência de Jocimara retira, dela, a característica de interlocutora, de maneira que o precedente indicado pelo embargante, o RE n. 583.937, do Supremo Tribunal Federal, tem sua aplicabilidade inviabilizada.

Nessa linha, o direito à intimidade dos interceptados é de ser prestigiado, como foi no acórdão embargado, não podendo importar a circunstância, isolada, de que a gravação ocorreu na casa de Jocimara. A intimidade de Jocimara apenas poderia configurar elemento da situação acaso ela estivesse presente. Tratando-se de pessoa estranha ao diálogo, sua intimidade sequer há de ser posta em causa.

Afasto a oposição, no ponto. Inexistente contradição.

(2) Quanto à conclusão de inexistência de negociação de voto.

No relativo ao segundo item, igualmente inocorrente a contradição alegada.

Isso, fundamentalmente, porque a d. embargante apenas discorda da valoração dada à prova constante nos autos. Ocorre que apresenta, nos embargos, aqueles trechos que dariam ensejo à condenação, descartando, contudo, passagens de todo dúbias, que retiram do contexto probante a contundência exigida para um juízo condenatório.

Nessa linha, fez-se presente no acórdão embargado o seguinte trecho:

[...]

O panorama exposto é, infelizmente, comum a algumas eleições municipais. A extrema polarização, sobremodo em pequenos municípios, muitas vezes produz um ambiente permeado por ações nada éticas, despidas de conteúdo moral - “chantagem” é, por exemplo, um termo usado por Jocimara com naturalidade.

E não escapa à percepção deste Juízo que o município de Campos Borges possui, infelizmente, precedentes similares ao caso dos autos: eleições ferrenhas, repletas de manobras escusas, defesas estritas de interesses individuais, em situações nada condizentes com um desejado e saudável ambiente democrático.

Contudo, na espécie, a prova não é forte o suficiente para que se afirme, com a firmeza necessária, a ocorrência de captação ilícita de sufrágio. Há, é certo, uma zona bastante cinzenta no acervo probatório deste feito, e exatamente tal circunstância está a exigir o provimento do recurso, pois os diálogos licitamente gravados não dão conta, a rigor, da ocorrência de compra de votos.

Note-se que um dos precedentes citados na própria sentença condenatória do juízo de origem, o RE n. 399-41.2016.6.21.0045, teve, neste TRE-RS, a minha relatoria, e a sentença condenatória foi mantida, por unanimidade, pela Corte. Naquele caso, houve a gravação ambiental de diálogo, como aqui. A colheita da prova foi considerada lícita, novamente, como aqui. Contudo, o diálogo, naquele caso, teve conteúdo bem mais contundente, muito mais claro que o verificado nestes autos, de forma que o Tribunal entendeu, lá, caracterizada a ilicitude.

Voltando ao caso posto, a audiência de inquirição de testemunhas, realizada em 03.02.2017, conforme mídia audiovisual acostada à fl. 396, igualmente não socorre a manutenção da sentença. Para além do clima tenso das oitivas e do extremo aguerrimento do agente ministerial, restam as negativas de todos os ouvidos – tanto os representados EVERALDO DA SILVA MORAES, prefeito, quanto ALTAMIRO TRENHAGO, vice-prefeito – negam as acusações -, destacando que a questão girou em torno de uma circunstância não esclarecida: um suposto repasse de dinheiro, de parte de EVERALDO, a Jocimara.

O testemunho de Jocimara, aliás, é pouquíssimo elucidativo. A verve assertiva que possuía no “áudio importante” foi substituída por respostas curtas e lacônicas – “conversas sobre política” –, tendo negado a ocorrência de propostas de compra de votos, mesmo quando advertida, pelo magistrado, de que poderia incorrer em falso testemunho, pois compromissada. Afirma que já estava com o dinheiro na mão, por ocasião do vídeo “movi0003.avi”; ou seja, o valor não teria sido repassado por EVERALDO. Relata ameaças que estava sofrendo sem, contudo, indicar especificamente os autores.

Note-se que, devidamente compromissada por ocasião de seu testemunho, Jocimara nada disse. Não referiu ser cabo eleitoral, e também não referiu ter vendido seu voto – negou a ocorrência de propostas. Novamente: com a devida vênia da embargante, o sopesamento pontual da prova dos autos resta inviável para o acolhimento de embargos de declaração.

Também aqui, repete-se, o quadro probatório restou insuficiente, de forma que a valoração de determinado trecho de diálogo, em detrimento de todo o contexto, faria ignorar que se tratou de manobra de Jocimara para se valorizar perante ambas as candidaturas, circunstância, aliás, por demais clara no desfecho da demanda. Os propósitos e as falas de Jocimara, nas gravações, foram nitidamente predeterminados e, não vindo a confirmar qualquer irregularidade por ocasião de seu testemunho, não há como valorar diferente e isoladamente determinada fala, mormente para a construção de um juízo condenatório.

(3) Quanto à conclusão de que os fatos teriam contornos de remuneração por trabalho realizado por cabos eleitorais.

Em que pese a percepção da embargante, convém salientar que a situação de prestação de trabalhos, de parte de Jocimara, aos candidatos Everaldo e Altamiro, consubstancia o evento menos obscuro de todo o panorama probatório. Isso porque, para o entendimento do “trabalho” de Jocimara pelos candidatos, basta o longo depoimento da senhora que, supõe-se, venha a ser a mãe de Jocimara, no vídeo “movi003.avi”, como já asseverado em trecho do acórdão:

No vídeo ("movi003.avi"), o candidato EVERALDO adentra a residência de Jocimara indicando que a visita presta-se a “pedir voto e apoio”, ao que a interlocutora (supostamente “Dona Maria”, mãe de Jocimara) demonstra descontentamento por não ter sido visitada anteriormente.

Há, ainda, outra contrariedade de parte desta interlocutora. A partir dos quarenta segundos do vídeo, esta senhora, de nítido vínculo com Jocimara, mostra indignação com alguém que teria recebido créditos pelo trabalho de Jocimara, classificando-o como “mentiroso” e “sem-vergonha”, e afirmando que “quem trabalha honestamente fica sempre para trás”.

A interlocutora segue em sua fala, praticamente um monólogo, pois recebe apenas comentários rápidos, de concordância, de parte de EVERALDO. Ela indica que Jocimara “ganhava as pessoas pra ti” e que vinha trabalhando pela candidatura, conseguindo votos para os candidatos; ao passo que essa outra pessoa (Sérgio) estaria colhendo “os frutos” desse trabalho. Ainda acrescenta (01:15) que “no fim, vai ficar sem direito a nada, e o mentiroso ali que fica numa boa?!”.

Nessa linha, ela relata (03:12) que eleitores solicitaram dinheiro: “Vou querer uns troquinhos aí pra mim poder  [sic] votar, senão não vou votar”. Depois, referindo-se ao segundo candidato a adentrar – Altamiro – (03:50), afirma que “esse aqui ó, tudo nós vão [sic passim] votar pra ele, tudo nós” [...] “desde o começo, desde o primeiro dia que ele veio aqui, nós se combinemo [sic]… tudo nosso voto é dele; ele merece”. Comentam que Jocimara vai ser “levada” quando os candidatos “estiverem lá”, pois ela é muito esforçada, e “ela correu” em favor da candidatura.

Na sequência, ao que tudo indica, EVERALDO pode ter entregado dinheiro para esta senhora (08:55) e também para Jocimara (10:06), muito embora as imagens não permitam essa afirmação de maneira definitiva.

Daí, ainda que se considere a entrega de dinheiro (pouco clara nas imagens, frise-se, e negada por Jocimara em seu testemunho) por parte do recorrente EVERALDO, a situação – é inevitável admitir – tem muitos contornos de remuneração pelo trabalho realizado na obtenção de apoio político, por pessoas que declaradamente trabalharam como cabos eleitorais em prol da candidatura dos recorrentes.

Daí, além de não se evidenciar, na decisão embargada, a existência das contradições apontadas, nota-se inconformidade com o resultado do julgamento, não cabendo, em sede de embargos, a pretensão de ver a decisão novamente analisada, conforme decidido por esta Corte:

Embargos de declaração. Registro de candidatura. Candidato. Art. 1.022 do Código de Processo Civil. Eleições 2016.

Aclaratórios opostos contra acórdão que negou provimento a recurso, por meio do qual se buscava modificar a decisão que indeferiu o registro de candidatura do embargante.

Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição passíveis de serem sanadas. Decisão atacada com fundamentação jurídica suficiente a justificar a conclusão adotada.

Rejeição.

(ED no RE n. 145-83. Julgado em 21.9.2016. Relatora Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja. Unânime.)

A rejeição dos embargos é, portanto, medida impositiva.

Diante do exposto, ausentes os vícios elencados, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.