RE - 45251 - Sessão: 16/08/2017 às 17:00

(voto divergente)

Senhor Presidente, peço vênia ao ilustre relator para divergir de seu entendimento.

Tenho convicção de que o ilustre relator atendeu ao caso concreto e a suas peculiaridades, mas a minha preocupação é também com o precedente possível e sua utilização indevida em futuros casos.

O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 é expresso ao impor que doações acima de R$ 1.064,10 “só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação”.

Extraio do texto normativo a fixação de uma forma estrita e determinada de doação, e não apenas uma descrição exemplificativa, que permita analogias para admitir outras formas de doação.

O efetivo controle da arrecadação de recursos e gastos de campanha é condição imprescindível para o adequado funcionamento da democracia, como mecanismo de garantia de transparência das campanhas.

É sabido que a prestação de contas é ainda incapaz de exercer plena fiscalização sobre a origem dos recursos e da movimentação financeira, pois eminentemente declaratória.

Assim, tendo em vista a importância da transparência da movimentação financeira para a democracia, é imperioso que se adotem mecanismos tecnológicos capazes de contribuir, de forma mais efetiva, para essa transparência.

É o caso da transferência eletrônica exigida pelo art. 18, § 1º, da Resolução n. 23.463/15 do TSE. Cuida-se de uma operação direta entre instituições financeiras, sobre a qual há reduzida ou nenhuma ingerência do doador.

Considerando essa peculiaridade, não vejo o cheque como instrumento equiparável à transferência eletrônica. O cheque é título de crédito, passível de circulação antes de ser apresentado ao banco para depósito, circunstância inviável na doação por transferência eletrônica.

Ademais, extraio da Resolução TSE n. 23.463/15 essa distinção.

Ao tratar da arrecadação de recursos acima de R$ 1.064,10, determinou uma única forma de arrecadação: “transferência eletrônica” (art. 18, § 1º). Todavia, ao dispor sobre os gastos de campanha, elencou as duas formas de pagamento como viáveis: “por meio de cheque nominal ou transferência bancária” (art. 32).

O próprio diploma normativo trata a emissão de cheque e a transferência eletrônica como mecanismos distintos, para referir-se ao cheque quando possível a sua utilização, e omitindo qualquer referência a ele quando limitadas as doações à transferência bancária.

Penso, assim, que não é possível equiparar os dois meios de transferência quando são tratados de formas diferentes pelo próprio diploma normativo.

Por esses fundamentos, VOTO por negar provimento ao recurso.

 

 

Des. João Batista Pinto Silveira: Sr. Presidente, permita-me um esclarecimento. Não estabeleço essa identidade entre o cheque e a transferência eletrônica, que são realmente dois institutos diversos. No entanto, para fins de prova da procedência do recurso, sim, ou seja, a finalidade pela qual a lei criou a transferência eletrônica - afastar dúvidas quanto a origem da doação -, neste caso, é alcançada igualmente pelo cheque, preenchidos os requisitos com o cheque nominal e a comprovação do efetivo débito do valor correto na conta do candidato.

 

Des. Luciano André Losekann: Estou inclinado a acompanhar a divergência, no caso concreto. Aqui, temos que distinguir duas situações: quando o cheque é do próprio candidato, ou é de terceiro. Então, o fato de ampliarmos o conceito, ou pelo menos a possibilidade daquilo que vem previsto na Resolução n. 23.463/15 do TSE, e admitir também o cheque como forma de ingresso de recursos na campanha, criaria um grande precedente. O cheque é título de crédito eminentemente abstrato, e até o seu depósito na conta do candidato ou do partido, quando então será verificada a origem dos recursos, pode circular livremente com o valor e só no final ser endossado a quem vai descontá-lo. Então, eu estou acompanhando a divergência, até para que neste caso não se abra precedente e não se altere o escopo da resolução do TSE ao admitir tão somente a transferência eletrônica.

 

Des. Eduardo Augusto Dias Bainy: Sr. Presidente, eu também estou acompanhando a divergência.

 

Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes: Eminente Presidente, como se trata do próprio candidato, há uma aparência de que ele teria emitido cheque destinado à sua conta de campanha. O que me inquieta é realmente o precedente, porque a lei é bem clara, o direito objetivo está posto, a transferência de conta a conta. E o cheque é o título de crédito abstrato por excelência. Imaginemos que o cheque não tivesse sido emitido pelo candidato, mas por outra pessoa, em favor daquela conta, e é creditado na conta daquele candidato. Esse cheque, emitido por terceiro, pode não ter ido diretamente para a conta, pode ter sido utilizado para outro pagamento e, por fim, entregue como contribuição de campanha. Nós estaríamos chancelando um doador que, em verdade, não seria o real doador. A lei do cheque é taxativa ao estabelecer o momento em que este perde sua característica de título de crédito abstrato e transforma-se em causal. É o que preceitua o art. 28, parágrafo único, da Lei do Cheque: se o cheque indica nota, fatura, conta cambial, imposto lançado ou declarado cujo pagamento se destina, ou outra causa de sua emissão, o endosso pela pessoa a favor da qual foi emitido e a sua liquidação pelo banco sacado provam a extinção da obrigação indicada. Então, para que se pudesse ter convicção de que o cheque seria equivalente à transferência eletrônica de valores, haveria de constar, já no seu nascedouro: este cheque se destina para conta da campanha de fulano de tal; aí sim, teríamos transformado esse cheque, de abstrato, em um título causal e evidentemente afetado a um fim específico. Então, em razão do precedente que pode ser criado, com a devida vênia, eu estou votando com a divergência.

 

Des. João Batista: Sr. Presidente, acho que os colegas foram muito felizes nas suas colocações, essa é a preocupação: a legitimidade da origem dos recursos. Parece-me que essa circulação abstrata não tem um significado maior, porque, se eu emitisse um cheque ao Des. Silvio, que o entregasse a Vossa Excelência, que depois o entregasse ao Des. Bainy, esse cheque não teria cumprido seu papel, que somente é aperfeiçoado quando o cheque for depositado. O artigo lembrado pelo Des. Silvio não é essencial para que o cheque cumpra a sua finalidade. Eu posso, por uma questão de garantia, dizer que este cheque é para pagar fulano de tal, é para pagar a minha conta, e se não for para a finalidade que eu coloquei ele vai ser pago igual. Ninguém tem a obrigação de observar aquilo que está escrito no verso do cheque, e sim o que está em sua face, para quem o cheque se destina. Aí o cheque cumpriu a sua trajetória. Agora tem a figura do endosso, se o cheque está nominal pode ser endossado para fulano, que endossa para beltrano, formando-se uma cadeia de endosso onde o último é o favorecido. Estou fazendo um exercício rápido de raciocínio, sem aprofundar a questão, mas me parece que para a finalidade aqui analisada o cheque não se presta à fraude, porque ninguém teve benefício, só quem o descontou, que foi a última pessoa.

 

Des. Losekann: Por que o TSE não teria na própria resolução consagrado não apenas a transação eletrônica, mas também outros meios de pagamento? Eu acho que a interpretação foi bem restrita justamente para isso, para evitar a problemática que o cheque possa vir a trazer. A transação eletrônica é de instituição para instituição.

 

Des. João Batista: Se formos interpretar literalmente o que diz a resolução, se não for uma transação eletrônica, está fora. Então, não importa que seja provado que aquele dinheiro é idôneo, se não houve transferência eletrônica, aquele valor deverá ser recolhido ao Tesouro. Esse seria um entendimento em que não se discutiria mais a idoneidade da origem do recurso, e, sim, se foi ou não cumprida a lei. Nós fecharíamos a porta para qualquer possibilidade de prova. É nessa linha que eu argumentaria.

 

Des. Jamil: Eu pago um serviço ou uma mercadoria com o meu cheque, e aquele que o recebeu faz uma doação para a minha campanha utilizando a minha carta, ou repassa a terceiro utilizando a minha carta.

 

Des. Losekann: Seria um negócio simulado.

 

Des. Jamil: Lógico, pois na verdade ele está recebendo o pagamento pela mercadoria entregue ou vendida, por serviço prestado, e, ao mesmo tempo, em vez de utilizar-se de dinheiro dele para doar para a minha campanha, ele usa o cheque emitido por mim para fazer essa doação, simulando que não está me doando nada. Só essa hipótese me preocuparia.

 

Des. Jorge Luís Dall'Agnol: A grande questão é nós sabermos se esse artigo faz tábula rasa dos meios de demonstração se o depósito foi legítimo ou não, porque no caso concreto, que é o que nos interessa - por mais ricas que sejam as teses -, houve o cuidado, pelo eminente relator, de verificar que o cheque, emitido pelo próprio beneficiário, tinha a sua identificação pelo CPF e combinava com o extrato bancário. Quantas vezes nós, como juízes, não demos liberdade para legitimar provas que não tenham vindo pelos meios tipificados? Do contrário, estaríamos diante de um tarifamento de provas, o que nem no Direito Eleitoral é algo passível de ser aceito de uma maneira maior do que aquelas já limitadoras. O que o candidato deve mostrar é a lisura do depósito. E o legislador, que não está atento a todas as riquezas que acontecem no mundo físico, imaginou uma garantia para que pudéssemos constatar a legitimação do depósito. Como ele está limitado pela lei, está debilitado pelo tempo, não está aberto a novos mecanismos que possam demonstrar a veracidade do depósito. Se nós constatarmos a idoneidade, no caso concreto, que é o que me parece - por isso eu louvaria o pedido de vista -, não seria o caso de nós legitimarmos esse depósito?

 

Des. Jamil: Eu só queria destacar que o próprio art. 32 da Resolução n. 23.463/15 do TSE, ao mencionar os gastos de campanha, nomina a possibilidade de ser feito pagamento com cheque ou transferência, mas quando se refere à arrecadação, só cita a transferência. Então, parece-me, com a devida vênia, que houve a preocupação do normatizador em diferenciar as duas situações na mesma resolução.

 

Des. Silvio: O que me preocupa é qual valor irá prevalecer, porque a divergência partiu dessa cautela, pelo caso, pelo antecedente, mas se fosse resolvido agora que a lei passa a valer para todos, indistintamente, estaríamos fechando uma porta em relação a nossa cautela de início. Eu vou pedir vista do processo.

 

(Após votar o relator afastando a preliminar e dando provimento ao recurso, pediu vista o Des. Silvio Ronaldo. Julgamento suspenso.)