RE - 56073 - Sessão: 18/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos pela representante COLIGAÇÃO FRENTE TRABALHISTA POPULAR E SOCIALISTA (PT - PTB - PPS) e pelos representados ORLEI GIARETTA, VANDERLEI LUCIANO ZANELLATO, COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA PROGRESSISTA (PP - PMDB - PDT - DEM), ODACIR MALACARNE e GLEISON GIARETTA em face da sentença de fls. 252-255, que julgou improcedente o pedido de cassação dos diplomas de ORLEI GIARETTA, ODACIR MALACARNE, GLEISON GIARETTA e VANDERLEI LUCIANO ZANELLATO pelo uso de veículo de pessoa jurídica; gasto com cessão de uso de veículo não incluído na prestação de contas; utilização de “caixa dois”; transporte de eleitores no dia da eleição; e captação ilícita de sufrágio, em razão da ausência de prova robusta; mas reconheceu o recebimento de recursos de origem vedada por todos os demandados, compreendendo, todavia, que a referida conduta não foi apta a configurar abuso de poder econômico, razão pela qual apenas os condenou, solidariamente, ao recolhimento de R$ 2.550,00 (dois mil quinhentos e cinquenta reais) para a conta única do Tesouro Nacional, forte no § 4º do art. 24 da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões, a recorrente COLIGAÇÃO FRENTE TRABALHISTA POPULAR E SOCIALISTA (PT - PTB - PPS) alega que os representados receberam doação de pessoa jurídica e praticaram as demais condutas descritas na inicial, devendo, em seu entendimento, ter seus diplomas cassados. Sustenta que os representados realizaram 17 comícios em salões comunitários pertencentes a entidades religiosas sem efetuar o pagamento da locação dos imóveis nos quais ocorreram os eventos. Assevera que tal prática é vedada pelo art. 24 da Lei n. 9.504/97, sendo tais recursos considerados como de origem vedada. Ademais, a recorrente aduz que os representados utilizaram veículo de pessoa jurídica em sua campanha eleitoral – caminhonete da empresa Maximus Fertilizantes –, o que teria restado comprovado pela prova testemunhal colhida na instrução. Ao fim, requer o provimento do recurso, com a cassação dos diplomas dos representados e a aplicação de multa pecuniária (fls. 271-281).

Por sua vez, os recorrentes ORLEI GIARETTA, VANDERLEI LUCIANO ZANELLATO, COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA PROGRESSISTA (PP - PMDB - PDT - DEM), ODACIR MALACARNE e GLEISON GIARETTA alegam que o juízo singular equivocou-se ao reconhecer o recebimento de recursos de origem vedada pelos demandados. Sustentam a regularidade das reuniões de campanha em salões comunitários, equiparados a espaços de natureza pública, não havendo nos autos provas de que tais locais pertencem à Mitra Diocesana de Erechim, tal como alegado pelos representantes. Asseveram que os espaços não foram utilizados de forma gratuita, mas sim remunerados indiretamente pela renda obtida pela copa e cozinha ali existentes (que comercializava bebidas e comidas durante o evento), o que foi objeto de acordo entre os representados e os responsáveis pelos locais. Assim, referem não ter havido recebimento de doação de pessoa jurídica decorrente da utilização de tais espaços comunitários. Requerem o provimento do recurso, sendo julgada totalmente improcedente a ação (fls. 257-269).

Com contrarrazões de ambas as partes (fls. 284-294 e 296-311), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou, preliminarmente, pela anulação da sentença, ante a deficiência de fundamentação, e, no mérito, pelo parcial provimento dos recursos, a fim de que seja reconhecida a configuração do art. 30-A em relação a ORLEI GIARETTA e ODACIR MALACARNE, que foram, respectivamente, eleitos prefeito e vice-prefeito do Município de Floriano Peixoto/RS, e determinada a cassação de seus diplomas, bem como seja mantida a sua condenação de recolhimento do montante ilícito arrecadado, afastando-se essa dos representados GLEISON GIARETTA, VANDERLEI LUCIANO ZANELLATO e COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA PROGRESSISTA (fls. 314-324v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

1. Admissibilidade

1.1. Da nulidade da sentença por deficiência de fundamentação

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita a nulidade da sentença em virtude de suposta fundamentação deficiente quanto à ocorrência de captação ilícita de sufrágio prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, ou seja, segundo o ente ministerial, a sentença não analisou os fatos sob a ótica do art. 30-A.

Consequentemente, o Ministério Público Eleitoral entende que a sentença deve ser anulada, nos termos do art. 11 c/c 489, §1º, inc. IV, ambos do CPC/15, com retorno dos autos à origem, reabrindo-se a instrução, para que sejam analisados os fatos sob a ótica do dispositivo mencionado.

Contudo, em que pese a argumentação ministerial, não vejo razões para que a sentença seja anulada.

Em breve análise da inicial (fls. 02-20), verifico que a autora, de fato, ingressou com a presente ação com base no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 c/c o art. 30-A e 41-A da Lei n. 9.504/97.

A ação tem como argumentos as seguintes práticas: (a) recebimento de doação de pessoa jurídica; (b) gasto com cessão de uso de veículo não incluído na prestação de contas; (c) utilização de caixa dois; (d) captação ilícita de sufrágio; e (e) transporte de eleitores no dia da eleição.

Todavia, ao contrário do afirmado pelo órgão ministerial, compreendo que a sentença examinou, sim, os fatos sob a perspectiva da pretensa ocorrência do art. 30-A da Lei das Eleições.

O aludido art. 30-A da LE assim dispõe:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. (Redação dada pela Lei n 12.034, de 2009)

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, no que couber. (Incluído pela Lei n. 11.300, de 2006)

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

[…] 

No dizer de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12 ed. São Paulo: Ed. Atlas. p. 714), a referida norma tem como desiderato “sancionar a conduta de captar ou gastar ilicitamente recursos durante a campanha”. Segundo referido autor, o “objetivo central dessa regra é fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente, dentro dos parâmetros legais”.

Por conseguinte, extrai-se que o bem tutelado é a higidez da campanha e a igualdade da disputa eleitoral.

Verifica-se ainda, nos termos do § 2º do citado artigo, que uma vez comprovados a captação ou gastos ilícitos de recursos, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se o mesmo já houver sido outorgado.

No caso sob análise, a pretensa captação ilícita de recursos foi devidamente analisada pela magistrada sentenciante, a qual entendeu pela ocorrência da realização, durante a campanha eleitoral, de comícios em salões comunitários/paroquiais pela requerida, sem a necessária contraprestação e o registro contábil. Segundo a magistrada, tais espaços são vinculados a entidades religiosas, pessoas jurídicas com CNPJ próprio, razão pela qual a sua utilização não poderia ser gratuita, pois tal cessão é vedada pela lei eleitoral.

Entretanto, a magistrada compreendeu que referida conduta, em que pese sua ilicitude, não foi potencialmente nociva à legitimidade do pleito; não influiu na vontade popular dos eleitores ou na igualdade entre os candidatos.

Transcrevo o ponto da decisão no qual a questão foi abordada (fl. 254v.):

Nesse contexto, ainda que considere a conduta acima referida ilícita, entendo que não foi potencialmente daninha à legitimidade do pleito nem foi apta a influir sobre a vontade popular ou na igualdade entre os candidatos. A uma, porque a coligação adversária, ora requerente, também realizou comícios eleitorais em salões comunitários/paroquiais – tendo pago o aluguel correspondente e prestado as devidas contas. A duas, porque não violou a finalidade do acordão prolatado na ADIn 4.650-DF. Em assim sendo, impor pena de cassação de diploma é deveras exacerbado, uma afronta ao Princípio da Razoabilidade.

Verifica-se, portanto, que a decisão analisou adequadamente a captação ilícita de recursos sob a ótica do art. 30-A da Lei das Eleições, reconhecendo a prática da conduta, mas entendendo desproporcional a aplicação da sanção de cassação dos diplomas dos representados.

Ante o exposto, a preliminar de nulidade da sentença deve ser rejeitada.

1.2. Tempestividade

Os recursos são tempestivos. A sentença foi publicada no DEJERS em 14.6.2017 (fls. 256), e os recursos foram interpostos em 19.6.2017 (fls. 257 e 271), restando observado o prazo previsto pelo art. 258 do Código Eleitoral.

Por conseguinte, interpostos os recursos no prazo legal, deles conheço.

Passo à análise do mérito.

2. Mérito

A inicial imputa a Orlei Giaretta (prefeito eleito), Gleison Giaretta, Vanderlei Luciano Zanelatto e à Coligação União Democrática Progressista a prática das seguintes condutas: (a) recebimento de doação de pessoa jurídica; (b) gasto com cessão de uso de veículo não incluído na prestação de contas; (c) utilização de caixa dois; (d) captação ilícita de sufrágio; e (e) transporte de eleitores no dia da eleição.

A sentença julgou improcedente o feito quanto às últimas quatro condutas (itens “b” a “e”), por entender que a requerente não se desincumbiu do ônus de demonstrar os fatos narrados.

Por outro lado, entendeu comprovado o recebimento de recursos de pessoa jurídica consistente na utilização gratuita de salões comunitários/paroquiais pela parte requerida, prática vedada pela lei eleitoral.

Como já mencionado no relatório, embora tenha reconhecido a ocorrência do recebimento de recursos de pessoa jurídica, a magistrada deixou de aplicar a sanção de cassação de diploma, mas determinou o recolhimento de R$ 2.550,00 ao Tesouro Nacional, de forma solidária entre os requeridos.

A recorrente COLIGAÇÃO FRENTE TRABALHISTA POLPULAR E SOCIALISTA (PT - PTB - PPS) alega que os representados receberam doação de pessoa jurídica e praticaram as demais condutas descritas na inicial, devendo, em seu entendimento, ter seus diplomas cassados. Sustenta que os representados realizaram 17 comícios em salões comunitários pertencentes a entidades religiosas sem efetuar o pagamento da locação dos imóveis nos quais ocorreram os eventos. Assevera que tal prática é vedada pelo art. 24 da Lei n. 9.504/97, sendo tais recursos considerados como de origem vedada. Ademais, a recorrente aduz que os representados utilizaram veículo de pessoa jurídica em sua campanha eleitoral (caminhonete da empresa Maximus Fertilizantes), o que teria restado comprovado pela prova testemunhal colhida na instrução. Ao fim, requer o provimento do recurso, com a cassação dos diplomas dos representados e a aplicação de multa pecuniária (fls. 271-281).

Por sua vez, os recorrentes ORLEI GIARETTA, VANDERLEI LUCIANO ZANELLATO, COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA PROGRESSISTA (PP - PMDB - PDT - DEM), ODACIR MALACARNE e GLEISON GIARETTA alegam que o juízo singular equivocou-se ao reconhecer o recebimento de recursos de origem vedada pelos demandados. Sustentam que realizaram reuniões de campanha em salões comunitários, equiparados a espaços de natureza pública, não havendo, nos autos, provas de que tais locais pertenceriam à Mitra Diocesana de Erechim, tal como alegado pelos representantes. Asseveram que os espaços não foram utilizados de forma gratuita, mas sim remunerados indiretamente pela renda obtida pela copa e cozinha ali existentes, que comercializava bebidas e comidas durante o evento, o que foi objeto de acordo entre os representados e os responsáveis pelos locais. Assim, referem não ter havido recebimento de doação de pessoa jurídica decorrente da utilização de tais espaços comunitários. Requerem o provimento do recurso, sendo julgada totalmente improcedente a ação (fls. 257-269).

Adianto que a sentença analisou com acuidade o conjunto probatório reunido aos autos, razão pela qual resta imprescindível a subsistência da decisão de primeiro grau em quase sua totalidade. A ressalva que faço é quanto à determinação de que os requeridos recolham, de forma solidária, o valor de R$ 2.550,00 ao Tesouro Nacional, como se explicita mais à frente.

Pois bem.

Quanto à alegação da recorrente COLIGAÇÃO FRENTE TRABALHISTA POPULAR E SOCIALISTA (PT - PTB - PPS) de que os representados utilizaram veículo de pessoa jurídica em sua campanha eleitoral (caminhonete Fiat Strada da empresa Maximus Fertilizantes), constituindo tal prática ilícito eleitoral, tenho que não merece prosperar.

Registro que inexiste nos autos qualquer prova que vincule o uso do referido veículo à campanha dos representados.

Embora a coligação autora tenha juntado aos autos fotos (fls. 75-78) nas quais se pode ver um veículo Fiat Strada adesivado com a Logomarca da empresa Maximus – que estaria sendo dirigido em um momento pela esposa do candidato Orlei Giaretta (fl. 75) e noutro pelo irmão deste (fl. 76) –, tais imagens não comprovam de forma inconteste o uso deste veículo para fins eleitorais. De igual modo, o testemunho de Ademir Karpinski, dando conta de que tal veículo circulou durante o dia do pleito a serviço dos representados, carece de corroboração, não sendo apto a comprovar as alegações da autora. Portanto, foi bem a sentença ao afastar tal imputação.

Por outro lado, a sentença reconheceu o uso de salões comunitários/paroquiais para comícios dos representados, sem que esses tivessem locado tais espaços e registrado-os na prestação de contas de campanha.

Andou bem a magistrada ao assim concluir, pois, em que pese às alegações dos demandados no sentido de que não há prova nos autos de que tais locais pertenceriam à Mitra Diocesana de Erechim, bem como de que os espaços não foram utilizados de forma gratuita, mas, sim, remunerados indiretamente pela renda obtida pela copa e pela cozinha ali existentes (que comercializavam bebidas e comidas durante o evento), o que foi objeto de acordo entre os representados e os responsáveis pelos locais. Tais circunstâncias não afastam o dever do competente registro na prestação de contas de campanha.

Contudo, como já consignado na análise da preliminar ministerial, a magistrada entendeu que tais condutas não feriram a igualdade da disputa eleitoral nem trouxeram danos à legitimidade do pleito, razão pela qual apenas condenou os representados a recolherem, de forma solidária, o valor de R$ 2.550,00 ao Tesouro Nacional, consoante o previsto no art. 24 da Lei n. 9.504/97.

E este também é o meu entendimento, pois compreendo que a igualdade e a legitimidade do pleito não restaram abaladas pela falha apontada. Nesse sentido, cabe registrar que, tal como consignado pela magistrada na sentença (fl. 254v.), a coligação adversária também realizou comícios eleitorais em salões comunitários/paroquiais.

Todavia, vejo a necessidade de adequar a decisão no que se refere ao recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. Digo isto porque o presente instrumento trata de uma Ação de Investigação Judicial cumulada com representações pelos arts. 30-A e 41-A da Lei n. 9.504/97, não havendo possibilidade, no presente caso, de se determinar devolução de valores ao Tesouro Nacional, na forma procedida pela magistrada. Registro que tal determinação deveria ocorrer no bojo da prestação de contas de campanha, o que não ocorreu.

Saliento que o art. 30-A da Lei n. 9.504/97 prevê como única pena aplicável em caso de condenação a negação do diploma ou sua cassação, se já outorgado, não sendo, desse modo, cabível a determinação do recolhimento de valores.

Portanto, merece parcial provimento o recurso dos requeridos, unicamente para o fim de ser afastada a obrigação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pela COLIGAÇÃO FRENTE TRABALHISTA POPULAR E SOCIALISTA (PT - PTB - PPS); e pelo parcial provimento do recurso aviado por ORLEI GIARETTA, VANDERLEI LUCIANO ZANELLATO, COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA PROGRESSISTA (PP - PMDB - PDT - DEM), ODACIR MALACARNE e GLEISON GIARETTA, unicamente para afastar a obrigação de recolhimento do valor de R$ 2.550,00 ao Tesouro Nacional.

É como voto, Senhor Presidente.