INQ - 5564 - Sessão: 05/09/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de inquérito policial para apurar a eventual prática dos crimes de uso de bem e/ou serviço público com finalidade eleitoral (CE, art. 346, c/c art. 377) e falsificação de documento público com finalidade eleitoral (CE, art. 350), em razão da notícia de que, no dia 22.09.2016, o então Prefeito de Harmonia e candidato à reeleição, CARLOS ALBERTO FINK, teria feito uso de veículo de pessoa jurídica prestadora de serviço junto ao executivo municipal para promover sua campanha eleitoral.

No curso da investigação, diante dos elementos coletados, a hipótese fática foi alterada para inserção de declaração inverídica ou diversa da que deveria ser escrita na prestação de contas da candidatura entregue à Justiça Eleitoral (CE, art. 350), haja vista que, ao rechaçar a notícia de fato originário, o investigado afirmou (fl. 13) e reafirmou (fl. 36) a utilização, durante a campanha eleitoral, do veículo VW Gol alugado em nome de seu filho, muito embora o bem não figure na Prestação de Contas de sua candidatura.

Conforme apurado, o único veículo informado à Justiça Eleitoral foi o “automóvel Fox 1.6 Ano 2011/2012 Placas ISN 6479”, declarado a título de receita, bem estimado proveniente de doação de Edgar Roberto Fink Neto; e correspondente despesa, baixa de estimáveis – cessão ou locação de veículo, ambas no valor de R$ 1.650,00.

Foram realizadas diligências.

A Procuradoria Regional Eleitoral requer o declínio da competência ao Juízo Eleitoral da 11ª Zona Eleitoral de São Sebastião do Caí, com jurisdição sobre o município de Harmonia (fls. 133-136v.).

É o relatório.

VOTO

Sabe-se que, por simetria, nos termos do art. 29, inc. X, da Constituição Federal, a competência originária para processamento e julgamento de ação penal por prerrogativa de foro, no caso de crime eleitoral cometido, em tese, por chefes do executivo municipal, é deste Tribunal Regional.

Contudo, no julgamento da questão de ordem da Ação Penal n. 937, proferida no mês de maio de 2018, o Supremo Tribunal Federal assentou nova interpretação a respeito do tema, para restringir a aplicação do foro por prerrogativa de função apenas aos delitos praticados no exercício do cargo e, importante: com pertinência às funções exercidas.

Isso porque o instituto, originalmente concebido como garantia da liberdade e independência de atuação, em razão da relevância do cargo ou função desempenhada, passou a sofrer notórias disfuncionalidades.

Nesse contexto, conforme o entendimento jurisprudencial inaugurado no julgamento da QO na AP n. 937, restringindo o foro por prerrogativa de função aos crimes contemporâneos ao mandato e a ele relacionados, consolidou-se que a finalidade de reeleição, por si só, não caracteriza vinculação com o exercício de mandato eletivo, sendo, por isso, insuficiente para atrair a incidência do foro por prerrogativa de função.

Na espécie, o objetivo da reeleição não implica relação entre o crime de falsidade ideológica com intuito eleitoral e o mandato em curso, sendo imprescindível averiguar, no caso concreto, a presença ou não de nexo causal entre o exercício da chefia do executivo municipal e a omissão de despesa na prestação de contas de candidatura.

Conforme os depoimentos prestados pelo investigado, CARLOS ALBERTO FINK, e por seu filho, Edgar Roberto Fink Neto, o veículo Gol locado pelo último para uso pessoal foi utilizado, esporadicamente, nos finais de semana, por seu pai em prol da campanha (quando Edgar preferia utilizar o Fox então emprestado e declarado na prestação de contas).

Dessa forma, a omissão investigada poderia ser cometida por qualquer cidadão, independente do exercício ou não de mandato de prefeito, razão pela qual se conclui que os fatos poderiam não ser realizados em virtude do ofício, mas, sim, na qualidade de candidato.

Assim, quanto aos fatos investigados nos presentes autos, deve ser reconhecida a perda superveniente do foro por prerrogativa de função de CARLOS ALBERTO FINK perante esse Tribunal Regional Eleitoral, decorrente da interpretação restritiva conferida ao instituto pelo Supremo Tribunal Federal na QO na AP n. 937, conforme entendimento sedimentado nesta Corte:

INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. ART. 324 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRERROGATIVA DE FORO. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO CARGO. CANDIDATO AO CARGO DE PREFEITO NA ÉPOCA DO FATO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

Suposta prática de crime durante debate eleitoral que antecedeu ao pleito, período em que o investigado detinha apenas a condição de candidato ao cargo de prefeito. Novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de limitar o foro por prerrogativa de função às hipóteses em que a prática delitiva ocorrer no exercício do cargo e em decorrência de suas atribuições. Alinhamento deste Tribunal à nova interpretação. Não subsiste a competência originária criminal desta Corte, reconhecida ao juízo eleitoral de primeiro grau. Acolhida a promoção ministerial.

(RE n. 3-33, julgado em 25.9.2018, Relator: Des. Federal João Batista Pinto Silveira.)

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo declínio da competência ao Juízo da 11ª Zona Eleitoral, de São Sebastião do Caí, com jurisdição sobre o município de Harmonia, a fim de que, aberta vista dos autos ao ilustre membro do MPE oficiante, adote as providências que entender cabíveis.

É o voto.