RE - 34071 - Sessão: 26/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Considerando que as Representações 202-07 e 340-71 versam sobre o mesmo fato – manifestações ocorridas em comício realizado pela Coligação Rosário Pode Mais, no bairro Santa Luiza, em 27 de setembro de 2016 –, é cabível a reunião para julgamento conjunto das demandas, tal como o fez o magistrado de primeiro grau. Entendo conveniente, da mesma forma, a apreciação de ambos os pedidos no mesmo voto, de forma que passo a relatar cada ação separadamente para, posteriormente, analisar cada um dos pedidos.

 

RE 202-07.2016.6.21.0039

Trata-se de recurso interposto em face da sentença de fls. 164-169v. que julgou improcedente a representação eleitoral interposta pela COLIGAÇÃO UNIÃO PELA MUDANÇA contra a COLIGAÇÃO ROSÁRIO PODE MAIS, ZILASE ROSSIGNOLLO CUNHA e RAFAEL DA SILVA PINTO, prefeita e vice-prefeito de Rosário do Sul/RS, eleitos no pleito de 2016, e NEWTON CLÁUDIO CHERON, Oficial do Registro de Imóveis da Comarca, por entender não configurada a conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões (fls. 173-178), a recorrente argumenta que o Oficial Registrador do Cartório de Imóveis da Comarca de Rosário do Sul, ao se manifestar em comício político sobre regularização de imóveis em vilas e bairros do município, praticou a conduta descrita no inc. IV do art. 73 da Lei das Eleições, causando desequilíbrio ao pleito. Aduz que a promessa de regularização fundiária em um dos bairros de maior densidade populacional do município constituiu uso promocional de serviços de caráter social. Postulou o provimento do recurso para que seja julgada procedente a representação, com a cassação do diploma dos representados e aplicação das sanções contidas no § 4º do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Apresentadas contrarrazões (fls. 185-193 e 195-206), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 212-219).

 

RE 340-71.2016.6.21.0039

Cuida-se de recurso interposto em face da sentença de fls. 106-111v. que julgou improcedente a representação eleitoral interposta por ANDREA FLORES IRION RIBEIRO, candidata a vereadora, contra a COLIGAÇÃO ROSÁRIO PODE MAIS, ZILASE ROSSIGNOLO CUNHA e RAFAEL DA SILVA PINTO, por não reconhecer a prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97).

Em suas razões (fls. 115-119), a recorrente refere que a manifestação ocorrida em palanque no sentido de promessa de regularização fundiária afrontou a legislação eleitoral, viciando a liberdade de escolha do eleitor. Argumenta que a promessa de bens e vantagens é manifestação de abuso de poder político que comprometeu a lisura do feito, razão pela qual requer a reforma da decisão com o provimento do recurso para aplicação das sanções legais.

Com contrarrazões (fls. 125-136), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 141-145v.).

É o relato.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

Os apelos são tempestivos e atendem aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual deles conheço.

Anoto que, no evento que deu origem à lide, conforme registrado em gravação de vídeo que integra as duas ações, estiveram presentes no palco e emitiram manifestações os então candidatos à eleição majoritária ZILASE ROSSIGNOLLO CUNHA e RAFAEL DA SILVA PINTO, e NEWTON CLÁUDIO CHERON, titular do Ofício do Registro de Imóveis de Rosário do Sul.

O fundamento dos dois pedidos se encontra na Lei das Eleições, sendo que o art. 41-A salvaguarda a liberdade individual de votar, e o art. 73, a igualdade na disputa do mandato.

Assim sendo, inicio pelo exame da imputação de captação ilícita de sufrágio e adianto que, na minha compreensão, a sentença de primeiro grau examinou com extrema acuidade os fatos, motivo pelo qual não vejo razão para a sua reforma.

Transcrevo o excerto pertinente, o qual também adoto como razões de decidir:

Quanto ao conteúdo das manifestações dos representados Newton, Zilase e Rafael, considero a mídia juntada à fl. 08 do processo nº 340-71.2016.6.21.0039, por ser a que detém a melhor qualidade de áudio e vídeo.

Analisando os arquivos lá constantes, verifica-se que Newton Cláudio Cheron, após ser apresentado como “Oficial Registrador do Cartório de Imóveis”, proferiu as seguintes palavras (00min28seg a 2min51seg – Vídeo_1477404336):

'Muito boa noite, senhores e senhoras! Eu não sou rosariense, nascido e criado, como diz a vereadora Catarina. Eu escolhi Rosário do Sul pra morar e pra trabalhar. Mas eu não entrei pela porta dos fundos. Eu fiz concurso público e escolhi esse Município, porque eu acho que nós temos condições de ter muito sucesso, uma grande, um Município muito grande, muitas melhorias. Nós temos muitas possibilidades nessa cidade e nesse Município. Se eu, que escolhi Rosário do Sul, estou aqui, mas não são nascido aqui, estou aqui ao lado de Zilase, e ao lado do seu Rafael, eu acredito que vocês, que conviveram com eles, que conviveram mais tempo que os cinco anos que eu vivo aqui, sabe da capacidade dela. Eu convivi com ela esses dez meses de exercício na Prefeitura, e fui chamado por ela a trabalhar pela regularização de todas as vilas e bairros do Município. Não foi necessário que eu fosse até ela, como no início, quando eu cheguei aqui fui, ela me chamou. Eu fui até ela, e com vontade pública, da municipalidade, do Registrador, do Judiciário, nós estamos trabalhando nisso. Existem vários projetos em andamento, pra melhoria dessa cidade. Eu gostaria de deixar uma mensagem, uma frase que meu pai dizia muito, que eu acho que fecha muito com o trabalho dessa mulher. Ele dizia que “se eu acendi um lampião na porta da minha casa, não foi pra chamar a atenção sobre mim, mas pra iluminar o caminho dos que passam”. E é isso que ela vem fazendo com vocês. O trabalho dela não é pra se vangloriar, pra chamar sobre si a luz e o brilho, mas sim, pra facilitar e melhorar a vida de todos nós, que hoje eu sou um rosariense de coração. E ela é uma pessoa que fala na cara o que tem que ser feito. Ela não dá o tapa e esconde a mão. Muito obrigado!'

A candidata ao cargo de Prefeita, pela coligação Rosário Pode Mais, Zilase Rossignolo Cunha, assim se manifestou (12min56seg a 13min51seg - Vídeo_1477404336):

'[...] Quando o Newton mencionou da regularização fundiária é porque nós vamos entregar (sim!) as casas vendidas, com escritura pública do terreno pra vocês, moradores daqui. Por que a entrega? Porque a pessoa, como o Rossignolo disse, entregou inúmeras casas, precisa do seu lastro, e o seu lastro é moradia, e vocês tem a moradia, mas pra ter de fato, falta a escritura pública. Ele não conseguiu entregar poque não voltou à Prefeitura, mas nós entregaremos, juntamente com ele que nos apoia, a escritura para vocês moradores aqui do Ana Luíza. [...]'

Por fim, o candidato ao cargo de vice-prefeito, Rafael da Silva Pinto, discursou (7min12seg a 7min46seg - Vídeo 3):

'[...] Quando eu vejo o Oficial do Cartório de Registro Imóveis, o Newton, em cima dum palanque, e nunca imaginei em ver alguém do Cartório do Registro de Imóveis em cima do palanque, me faz acreditar que nós também estamos certos. A possibilidade do senhor e da senhora ter o seu imóvel regularizado, ter posse, ter um patrimônio que é seu, está representado pelo Cartório, porque ele acredita em nós, senão não estaria aqui em cima desse palanque. [...]'

É princípio básico de hermenêutica aquele segundo o qual a norma que restringe direitos deve ser interpretada de forma restritiva, especialmente quando sua violação implicar em aplicação de sanção, como é o caso dos dispositivos acima transcritos.

[...]

Já o art. 41-A da Lei 9.504/97 trata da captação ilícita de sufrágio, forma de corrupção eleitoral que pode ser resumida como “ato de compra de votos”. Para sua configuração, dentre outros requisitos, é necessário que a conduta seja “condicionada a uma vantagem” e “dirigida a pessoa determinada”. Deve haver, por assim dizer, a negociação do voto. Sobre o assunto, leciona Rodrigo López Zilio:

'Para a configuração do ilícito a conduta deve ser dirigida a eleitor determinado ou determinável. Neste passo, é necessário traçar o elemento distintivo entre a captação ilícita de sufrágio - que é vedada - e a promessa de campanha - que é permitida. Quando a conduta é dirigida a pessoa determinada e é condicionada a uma vantagem, em uma negociação personalizada em troca do voto, caracteriza-se a captação ilícita de sufrágio. Diversa é a hipótese de uma promessa de campanha, que é genericamente dirigida a uma coletividade, mas sem uma proposta em concreto condicionante do voto. [...]

[...] Neste norte, todo o método de persuasão lícito, com o desiderato de obter a participação do eleitor, é admitido no processo eletivo, porquanto a propaganda eleitoral, exercida nos limites da ilicitude, é um método fundamental para o aperfeiçoamento da ordem democrática. De outra sorte, o que é vedado é a negociata ou a mercantilização do sufrágio, através da apresentação de uma proposta individualizada ao eleitor, que importe em vantagem ou proveito de cunho pessoal, desde que o corruptor - ou candidato por ele indicado (no caso de ato praticado por terceiro) - receba como contrapartida o voto do corrompido.'

No mesmo sentido, Francisco de Assis Sanseverino:

“para o enquadramento da conduta do art. 41-A, deve haver a compra, a negociação do voto do eleitor, com promessas de vantagens mais concretas e específicas, de forma a corromper a consciência do eleitor.”

No caso concreto, considerando o teor das manifestações dos representados (acima transcritas) não se pode afirmar que tenha havido negociação personalizada/ individualizada de votos, uma vez a promessa de regularização fundiária ocorreu em comício aberto, sendo impossível, aliás, precisar situação registral dos imóveis, e a condição de eleitor, daqueles que lá se faziam presentes. (Grifos do original.)

Conforme a argumentação exposta, não se configurou a negociação personalizada, individualizada, de votos necessária à caracterização da captação ilícita de sufrágio, uma vez que a promessa de regularização fundiária ocorreu em comício aberto, tal qual promessa de campanha, genericamente dirigida à coletividade presente no evento.

Apenas para enriquecer os argumentos já veiculados na bem-lançada sentença de primeiro grau, acrescento a doutrina de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 729), no ponto em que ensina que a promessa genérica de implementação, manutenção ou conclusão de serviço ou obra públicos não caracteriza hipótese de captação ilícita de sufrágio:

Quanto à natureza, o bem ou a vantagem há de ser “pessoal”, ainda que a oferta seja pública ou coletiva. Deve referir-se a prestação situada na esfera privada do eleitor, de sorte a carrear-lhe benefício individual. Mas a exegese dessa cláusula é algo alargada, podendo o proveito ou a dádiva ser endereçado à pessoa ligada ao eleitor. Assim, por exemplo, se candidato fizer promessa – em troca de voto – de fornecer material de construção a parente ou familiar de alguém, estará configurada a situação fática prevista no art. 41-A da LE. O benefício aí é indireto.

A promessa de implementação, manutenção ou conclusão de serviço ou obra públicos não caracteriza a hipótese em apreço. Situa-se, antes, na explanação do plano de governo, caso eleito o candidato. Entretanto, poderá configurá-la se for feita a determinados membros da comunidade, de sorte a carrear-lhes proveito individual, já que a pluralidade de destinatários “não desfigura a prática da ilicitude […]” (TSE – REspe no 21.120/ES – DJ, v. 1, 17-10-2003, p. 132). Somente a análise das circunstâncias do caso concreto é que permitirá distinguir uma situação da outra.

Certo é que a promessa ou oferta deve ser específica e endereçada a alguém ou a um grupo determinado de eleitores, pois, se for genérica ou vaga, não se encaixa na moldura do art. 41-A da LE. Nesse caso, mais se assemelha a “promessa de campanha”, feita de forma geral e indiscriminada, sem aptidão para corromper ou vincular os destinatários.

Dessa forma, considerando que a afirmação de que, uma vez eleitos, os candidatos darão prosseguimento a projeto de regularização fundiária, para entrega de casas com escritura pública aos moradores de determinados bairros do município, trata-se de promessa de campanha, é de ser afastada a caracterização de captação ilícita de sufrágio.

Nos termos em que se deu na hipótese, por não carrear benefício individual ao eleitor, a promessa não afrontou o disposto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, de modo que deve ser desprovido o recurso manejado nos autos do RE 340-71.2016.6.21.0039 e mantida íntegra a sentença que julgou improcedente a representação ajuizada por Andrea Flores Irion Ribeiro.

Passando à análise da suposta prática de conduta vedada, entendo que a sentença merece reparo nesse ponto.

O dispositivo legal invocado pelo recorrente assim estabelece:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

[…]

§ 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional.

No caso em apreço, tenho que as manifestações de Zilase, Rafael e Newton podem ser enquadradas como uso promocional de serviço público, especificamente porque induziram os ouvintes dos discursos à percepção de que o Poder Judiciário chancelaria a candidatura majoritária. Compulsando a prova produzida nos autos, verifica-se que Newton Cláudio Cheron se fez presente em palco de comício como “Oficial Registrador do Cartório de Imóveis” e representante do Poder Judiciário, manifestando expressa aderência ao programa de governo dos candidatos recorridos.

Nesse sentido, trecho de sua fala:

[…] Eu convivi com ela esses dez meses de exercício na Prefeitura, e fui chamado por ela a trabalhar pela regularização de todas as vilas e bairros do Município. Não foi necessário que eu fosse até ela, como no início, quando eu cheguei aqui fui, ela me chamou. Eu fui até ela, e com vontade pública, da municipalidade, do Registrador, do Judiciário, nós estamos trabalhando nisso. Existem vários projetos em andamento, pra melhoria dessa cidade. Eu gostaria de deixar uma mensagem, uma frase que meu pai dizia muito, que eu acho que fecha muito com o trabalho dessa mulher. Ele dizia que “se eu acendi um lampião na porta da minha casa, não foi pra chamar a atenção sobre mim, mas pra iluminar o caminho dos que passam”. E é isso que ela vem fazendo com vocês. O trabalho dela não é pra se vangloriar, pra chamar sobre si a luz e o brilho, mas sim, pra facilitar e melhorar a vida de todos nós, que hoje eu sou um rosariense de coração. E ela é uma pessoa que fala na cara o que tem que ser feito. […]

(00min28seg a 2min51seg – Vídeo_1477404336)

A candidata Zilase Rossignolo Cunha reforçou o discurso de que haveria um acordo de entrega de casas com escritura, acaso os candidatos fossem eleitos, dando também a entender que a oposição não o faria, como se percebe nesse trecho da fala:

[...] Quando o Newton mencionou da regularização fundiária é porque nós vamos entregar sim as casas vendidas, com escritura pública do terreno pra vocês, moradores daqui. Por que a entrega? Porque a pessoa, como o Rossignolo disse que entregou inúmeras casas, precisa do seu lastro, e o seu lastro é moradia, e vocês tem a moradia, mas pra ter de fato, falta a escritura pública. Ele não conseguiu entregar porque não voltou à Prefeitura, mas nós entregaremos, juntamente com ele que nos apoia, a escritura para vocês moradores aqui do Ana Luíza. [...]

(12min56seg a 13min51seg – Vídeo_1477404336.)

Por fim, o candidato ao cargo de vice-prefeito, Rafael da Silva Pinto, também reforça a presença do suposto “representante do Poder Judiciário” no palco, e o ineditismo de tal ocorrência. Menciona ter o “Cartório” – serviço público – ao seu lado:

[...] Quando eu vejo o Oficial do Cartório de Registro Imóveis, o Newton, em cima dum palanque, e nunca imaginei em ver alguém do Cartório do Registro de Imóveis em cima do palanque, me faz acreditar que nós também estamos certos. A possibilidade do senhor e da senhora ter o seu imóvel regularizado, ter posse, ter um patrimônio que é seu, está representado pelo Cartório, porque ele acredita em nós, senão não estaria aqui em cima desse palanque. [...]

(7min12seg a 7min46seg - Vídeo 3)

Quando nós temos o Cartório ao nosso lado, através do Newton, é porque vai regularizar muitas áreas e muitos vão ter um lugar para morar, ter propriedade do seu imóvel.

(9min26seg a 9min38seg – Vídeo 3)

Ora, é nítido que a presença do Oficial de Registro Público no palanque, aliada aos discursos reforçando que o cartório estaria trabalhando ao lado dos candidatos, levou os presentes a acreditarem que aquela candidatura contava com o apoio do Poder Judiciário e que os candidatos teriam um diferencial que facilitaria o cumprimento das promessas de campanha.

Os eleitores, dessa forma, são levados a acreditar que aquela candidatura e seus projetos seriam favorecidos pela máquina estatal, visto que o titular do serviço delegado pelo Poder Judiciário estadual, na figura de Newton, manifestou expressa aderência à candidatura ao tomar parte do ato.

Não há como negar que o uso promocional do serviço público delegado e a avocação de representação do Poder Judiciário violou a igualdade na disputa pelo mandato.

Ilustro com precedentes desta Corte em situações semelhantes a dos autos:

Recursos. Condutas vedadas. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A e art. 73, inc. IV e § 10º da Lei n. 9.504/97. Nova eleição. Art. 224 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Sentença de procedência no juízo originário com o reconhecimento da prática de conduta vedada e captação ilícita de sufrágio, cassação dos registros de candidatura, aplicação de multa e declaração de inelegibilidade dos representados.

Ocorrência da prática de condutas vedadas estampadas no art. 73, inc. IV e § 10 da Lei n. 9.504/97. Comprovação de distribuição de bens e serviços referentes ao plano habitacional pela administração do município, no transcurso do ano das eleições. Uso promocional de benefício posto a disposição da comunidade em propaganda eleitoral. Ausência de comprovação da captação ilícita de sufrágio. A imposição de inelegibilidade deverá ser discutida no âmbito de eventual processo de registro de candidatura. Configuração de desequilíbrio entre os concorrentes ao cargo majoritário. Aferição de juízo de proporcionalidade para a aplicação das sanções legais. Manutenção da cassação dos registros.

Provimento parcial para afastar a inelegibilidade dos recorrentes.

Provimento negado ao apelo da coligação.

Determinação de realização de novas eleições.

(Recurso Eleitoral n. 45855, ACÓRDÃO de 31.01.2013, Relator DR. EDUARDO KOTHE WERLANG, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 20, Data 04.02.2013, Página 10.)

 

Recurso. Investigação judicial eleitoral. Condutas vedadas. promocional, em favor de candidato, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público (art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97).

Objeto da inconformidade recursal restrito à condenação de um dos recorridos, tendo a sentença de improcedência transitado em julgado em relação aos outros dois.

Caracterizada a infração ao supra-referido dispositivo legal, eis que a recorrida - na condição de agente público, pois preside entidade que presta assistência a carentes com recursos oriundos preponderantemente dos cofres públicos municipais - comprovadamente compareceu a programa de rádio, em horário eleitoral gratuito, fazendo uso promocional do aludido serviço social.

Provimento.

(RECURSO - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL n. 19003700, ACÓRDÃO de 05.4.2001, Relatora SULAMITA TEREZINHA SANTOS CABRAL, Publicação: RTRE-RS - Revista do TRE-RS, Volume 6, Tomo 12, Data 30.6.2001, Página 208.)

Ainda, acerca da natureza da atividade realizada pelo recorrido Newton Cláudio Cheron, não há dúvida tratar-se de atividade estatal – serviço público –, delegada para exercício em caráter privado, conforme fixou o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE.

1. O art. 40, § 1º, inc. II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios – incluídas as autarquias e fundações.

2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público – serviço público não-privativo.

3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado art. 40 da CB/88 – aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade.

4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

(ADI 2602, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 24.11.2005, DJ 31.03.2006 PP-00006 EMENT VOL-02227-01 PP-00056.)

Dessa forma, as manifestações dos recorridos configuraram uso promocional de serviço público, de forma a atrair as sanções do art. 73 da Lei das Eleições.

Anoto, no ponto, que, embora a sentença já tenha determinado a remessa de comunicação à Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acompanhada de cópia dos vídeos, para conhecimento do fato envolvendo o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Rosário do Sul, é remansoso que a responsabilização administrativa do delegatário de serviço público não afasta a averiguação do ato sob a ótica da legislação eleitoral, em face da independência de estâncias.

Nesse trilhar, ainda que se alegue que a conduta possa ser atribuída preponderantemente ao Oficial do Registro de Imóveis, o art. 73, § 8º, da Lei n. 9.504/97, estabelece que “aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem”.

Dessa forma, a sanção por condutas vedadas deve ser aplicada tanto ao registrador, que se valeu da delegação em benefício de candidatura, como aos candidatos beneficiados pelo ato que desequilibrou a disputa eleitoral, conforme pacificado na jurisprudência:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. FAC-SÍMILE. DISPENSABILIDADE. APRESENTAÇÃO. ORIGINAIS. APLICAÇÃO. RES.-TSE N° 21.711/2004. AÇÕES. ELEITORAIS. PREVALÊNCIA. RATIO PETENDI SUBSTANCIAL. ABUSO DE PODER. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESVIRTUAMENTO. FESTIVIDADE PRIVADA. PATROCÍNIO. PREFEITURA. PROMOÇÃO. PESSOAL. BENEFÍCIO. CANDIDATURA. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I, DA LEI Nº 9.504/97. CESSÃO. BENS. MUNICÍPIO. INCIDÊNCIA. MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

3. O desvirtuamento de festividade tradicional, de caráter privado, mas patrocinada pela prefeitura local, em favor da campanha dos então investigados, embora não evidencie, na espécie, o abuso do poder econômico e político, ante a ausência de gravidade das circunstâncias que o caracterizaram, configura a conduta vedada do art. 73, I, da Lei no 9.504/97, uma vez que os bens cedidos pela municipalidade para a realização do evento acabaram revertendo, indiretamente, em benefício dos candidatos.

4. De acordo com o art. 73, § 8º, da Lei no 9.504/97, estarão sujeitos à multa do § 4º os agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas, bem como os partidos, coligações e candidatos que se beneficiarem com a prática ilícita, sendo, portanto, desnecessária a demonstração da participação ativa do candidato, para a aplicação da penalidade pecuniária.

5. No caso, é suficiente a aplicação tão somente da pena de multa, porquanto a cassação dos diplomas se revelaria, no contexto dos autos, medida desproporcional à ilicitude cometida, uma vez não prejudicada a normalidade do pleito, tampouco a essência do processo democrático, pela disputa livre e equilibrada entre os candidatos.

6. Recursos especiais parcialmente providos, para afastar as sanções de inelegibilidade e cassação do diploma, aplicando-se, contudo, multa individual aos representados no valor de 50 mil (cinquenta mil) UFIRs, com fundamento no art. 73, § 4º, da Lei no 9.504/97.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 13433, Acórdão de 25.8.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Relator designado Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 189, Data 05.10.2015, Página 137.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. PERÍODO VEDADO. MULTA. APLICAÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Basta a veiculação da propaganda institucional nos três meses anteriores ao pleito para a caracterização da conduta prevista no art. 73, VI, b, da Lei no 9.504/97, independentemente do momento em que autorizada.

2. Não se pode eximir os representados da responsabilidade pela infração, ainda que tenha ocorrido determinação em contrário, sob pena de ineficácia da vedação estabelecida na legislação eleitoral.

3. Ainda que nem todos os representados tenham sido responsáveis pela veiculação da publicidade institucional, foram por ela beneficiados, motivo pelo qual também seriam igualmente sancionados, por expressa previsão do § 8o do art. 73 da Lei no 9.504/97.

4. Divergência jurisprudencial não configurada.

5. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 35517, Acórdão de 01.12.2009, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 18.02.2010, Página 26.)

Nesses termos, a sanção deve ser aplicada a todos os recorridos.

Dispõem os parágrafos 4º e 5º do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5° Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.

Na aplicação da penalidade, há de se observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, realizando-se a ponderação entre o bem jurídico tutelado – igualdade na disputa eleitoral – e a gravidade da conduta.

Verifica-se, in casu, que, conquanto antijurídicos os atos praticados pelos candidatos à Prefeitura de Rosário do Sul, não tiveram os mesmos gravidade para, por si só, desequilibrar o pleito – considerando também que as promessas eram dirigidas apenas a um bairro do município –, a ponto de afetar a legitimidade e a normalidade das eleições.

O Tribunal Superior Eleitoral assim se posiciona sobre o ponto:

ELEIÇÕES 2008. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo. A posição restritiva não exclui a possibilidade de a Justiça Eleitoral analisar condutas à margem da legislação eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete a esta Justiça especializada, com base na compreensão da reserva legal proporcional e em provas lícitas e robustas, verificar a existência de grave abuso, suficiente para ensejar a severa sanção da cassação de diploma e/ou declaração de inelegibilidade.

2. Quanto ao abuso de poder, nos termos da nova redação do art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90, não se analisa mais a potencialidade de a conduta influenciar no pleito (prova indiciária da interferência no resultado), mas "a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". Todavia, por se referir ao pleito de 2008, aplica-se ao caso dos autos a jurisprudência da época que ainda condicionava a configuração do abuso de poder à análise da potencialidade apta a desequilibrar o pleito.

3. Subsiste interesse recursal em decorrência do advento da Lei Complementar nº 135/2010.

4. Abuso do poder político e econômico. Doação de material esportivo mais de 1.000 pares de tênis distribuídos em junho e julho de 2008 com ampla divulgação, atingindo praticamente todos os alunos da rede pública municipal. O acórdão regional demonstrou que: i) o programa social não se encontrava em execução orçamentária em 2007, tampouco existia lei a amparar a doação realizada por meio de abertura de créditos adicionais especiais, porquanto a lei que os haveria aprovado também teria condicionado sua utilização ao exercício do ano de 2007; ii) a conduta teve potencialidade para desequilibrar a eleição.

5. Inviável no caso concreto novo reenquadramento jurídico dos fatos, pois necessário seria o reexame das provas dos autos, o que não se admite em recurso especial eleitoral.

6. Recurso desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 1627021, Acórdão de 30.11.2016, Relator Min. GILMAR MENDES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 20.3.2017, Página 90.)

Portanto, a sanção adequada ao caso concreto é a multa, mantendo-se incólumes os mandatos eletivos.

Novamente, valho-me de precedente do Tribunal Superior Eleitoral para ilustrar o posicionamento:

Eleições 2006. Deputado estadual. Atuação parlamentar. Divulgação. Internet. Sítio da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia. Propaganda Institucional. Conduta Vedada (art. 73, VI, b, da Lei no 9.504/97). Reconhecimento pela Corte regional. Aplicação de multa. Cassação do registro de candidatura. Ausência. Juiz Auxiliar. Competência.

- A prática da conduta vedada do art. 73 da Lei das Eleições não conduz, necessariamente, à cassação do registro ou do diploma, cabendo ao magistrado realizar o juízo de proporcionalidade na aplicação da pena prevista no parágrafo 5o do mesmo dispositivo legal. Precedentes.

- "Se a multa cominada no § 4º é proporcional à gravidade do ilícito eleitoral, não se aplica a pena de cassação" (Ac. no 5.343/RJ, rel. Min. Gomes de Barros).

- O juiz auxiliar é competente para julgar as representações e reclamações por descumprimento da Lei no 9.504/97, e aplicar as sanções correspondentes (art. 96, § 3o, da Lei das Eleições).

- Recursos desprovidos.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 26905, Acórdão de 16.11.2016, Relator Min. JOSÉ GERARDO GROSSI, Publicação: DJE - Diário de Justiça, Data 19.12.2006, Página 225.)

Dessa forma, considerando que o uso promocional do serviço público ocorreu em apenas uma ocasião, para grupo restrito, bem como o impacto que pode ter tido nas eleições municipais, fixo a multa individual para cada candidato beneficiado no mínimo legal, em 5.000 UFIRs, equivalentes a R$ 5.320,50.

Já em relação ao Oficial do Registro Civil, verifiquei no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (http://www.cnj.jus.br/corregedoria/justica_aberta/) que a serventia extrajudicial titularizada por Newton Cláudio Cheron arrecadou R$ 853.777,00 no período de 01.7.2016 até 31.12.2016. Tal valor constitui a receita bruta da serventia extrajudicial do período, sendo indicativo da capacidade econômica do registrador, que conta com 9 (nove) empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Nesse contexto, tenho que a fixação da multa para Newton em 15.000 UFIRs, equivalentes a R$ 15.961,50, mostra-se adequada.

Reconhecido o uso promocional de serviço público, conduta prescrita no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97, deve ser dado parcial provimento ao recurso para o fim de fixar multa, no valor individual de 5.000 UFIRs, equivalentes a R$ 5.320,50, em desfavor de Zilase Rossignollo Cunha e Rafael da Silva Pinto, e no valor de 15.000 UFIRs, equivalentes a R$ 15.961,50, em desfavor de Newton Cláudio Cheron.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO:

a) por negar provimento ao recurso interposto nos autos do RE 340-71.2016.6.21.0039;

b) pelo parcial provimento do RE 202-07.2016.6.21.0039, para reconhecer a afronta ao art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 e condenar os recorridos ao pagamento de multa individual de R$ 5.320,50, em desfavor de Zilase Rossignollo Cunha e Rafael da Silva Pinto, e no valor de R$ 15.961,50 em desfavor de Newton Cláudio Cheron.

Por fim, ratifico a determinação da sentença no sentido de que seja remetida comunicação à Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acompanhada de cópia dos vídeos, da sentença do juízo de piso e deste acórdão para conhecimento dos fatos tratados nestes processos envolvendo o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Rosário do Sul, Newton Cláudio Cheron, para a adoção das providências que aquele órgão correicional entender cabíveis.

É como voto, Senhor Presidente.