RE - 1497 - Sessão: 21/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

O PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT DE NOVO HAMBURGO, RICARDO ADOLFO RITTER e ANTONIO CARLOS LUCAS interpõem recurso em face da sentença de fls. 268-271v. que desaprovou as contas partidárias relativas ao exercício de 2015 e determinou a suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano, bem como o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 41.268,00 (quarenta e um mil e duzentos e sessenta e oito reais).

Em suas razões (fls. 273-276), os recorrentes sustentam a ilegitimidade passiva dos dirigentes partidários invocando a nova redação do art. 37 da Lei n. 9.096/95, introduzida pela Lei n. 13.165/15. No mérito, argumentam que os filiados a partidos políticos podem dispor livremente de seus rendimentos e que essas parcelas constituem contribuições pecuniárias de natureza privada. Aduzem que proibir a contribuição de filiados ao partido que exerçam cargos em comissão fere a autonomia partidária. Defendem que as resoluções expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema fere o princípio da legalidade e da separação dos poderes. Requerem a reforma da decisão para aprovação das contas, afastando a devolução dos valores, com a exclusão dos dirigentes partidários.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 88-92).

Verificada a ausência de assinatura do procurador dos recorrentes nas razões do recurso (fl. 276), foi determinada a intimação para suprimento da falha (fl. 291), restando tal circunstância sanada pela parte, conforme certificado à fl. 295.

É o relatório.

VOTOS

Dr. Luciano André Losekann (relator):

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Tempestividade

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, razão pela qual dele conheço.

2. Da legitimidade passiva dos dirigentes partidários

Examino a preliminar de ilegitimidade passiva dos dirigentes e adianto que não merece acolhimento.

Como se sabe, as prestações de contas relativas ao exercício de 2015 – hipótese dos autos - devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução TSE n. 23.432/14. O mencionado regulamento prevê, em seu art. 38, que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo.

A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos, sobretudo considerada a redação original do art. 37, que previa a sujeição dos responsáveis às penas da lei nos casos de falta de prestação de contas ou desaprovação total ou parcial.

Posteriormente, a Lei n. 13.165/15, de 29.9.2015, alterou a redação do caput do mencionado artigo, mas incluiu, no § 13, a previsão de responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários quando da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político, especificando a necessidade de verificação de irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido.

Nesse contexto, a participação dos dirigentes no processo consagra a oportunidade de defesa efetiva, a fim evitar que se configure a desaprovação das contas e as consequências que podem advir de tal juízo.

Nesse trilhar, o dispositivo invocado pelo recorrente não é apto a afastar a legitimidade dos dirigentes partidários, pelos argumentos expostos, e em virtude de que o caput e o § 2º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, ao estipularem sanções aplicáveis ao órgão partidário, não excluem aquelas previstas para os dirigentes.

Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, passo ao exame do mérito.

3. Mérito

A prestação de contas da agremiação ora recorrente foi desaprovada em razão do reconhecimento da ilicitude das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

Segundo consta do parecer conclusivo (fls. 224-225v.), as referidas contribuições perfazem o total de R$ 41.268,00 (quarenta e um mil e duzentos e sessenta e oito reais – fl. 128), valor que corresponde a 65,79% das receitas do partido, sendo, por si só, causa de desaprovação das contas.

Contudo, cabe trazer à análise a alteração promovida pela Lei n. 13.488/17 – publicada em 06.10.2017 – no art. 31 da Lei n. 9.096/95, eliminando do rol do referido dispositivo o termo “autoridade” e acrescentando um novo inciso V, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017) (Grifei.)

Portanto, não mais subsiste a vedação às doações advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido político.

Cediço que o ordenamento jurídico nacional acolhe, como regra à sucessão de leis no tempo, o princípio do tempus regit actum, consoante o qual os fatos jurídicos são regidos pela lei vigente ao tempo de sua ocorrência. Assim consta na redação do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

A presente regra encontra seu supedâneo nos princípios constitucionais da segurança jurídica e da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada.

No entanto, não há garantia constitucional absoluta. A própria Constituição Federal expressamente mitiga o postulado da irretroatividade da lei ao consagrar, em seu art. 5º, inc. XL, a incidência da lei penal aos fatos consumados antes da sua vigência, quando em benefício ao réu.

A partir desse quadro normativo, é necessário indagar a respeito do alcance da irretroatividade da lex mitior e, especialmente, se a aplicabilidade do princípio é restrita à órbita do direito penal.

Na busca da compreensão do sentido e do alcance das regras e dos princípios jurídicos, o operador do direito não pode se apartar da operação de filtragem constitucional, consoante a qual todas as normas devem ser necessariamente compreendidas à luz e com essencial privilégio dos valores expressos ou implícitos na Constituição.

Como leciona Uadi Lammêgo Bulos, a técnica da filtragem constitucional serve para “interpretar e reinterpretar os institutos dos diversos ramos do Direito à luz da carta maior”. Prossegue o doutrinador em sua obra:

Que filtro é esse?

É aquele que se encontra implícito nas entrelinhas da carta magna, possibilitando ao exegeta depurar as leis a serem aplicadas aos casos concretos.

Exemplo: a justiça, a dignidade, a proibição do preconceito, dentre tantos outros valores constitucionais, podem, no caso concreto, compelir o intérprete a realizar uma releitura de leis civis, processuais, trabalhistas, comerciais, tributárias etc., a fim de que sejam atualizadas de acordo com a Carta de 1988.

(Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 467-468)

Portanto, a norma infraconstitucional deve ser apreendida consoante os ideais valorativos da Constituição Federal, expressos ou não, dentre os quais, a concepção de que se, por evolução legislativa, determinada conduta deixa de ser considerada ilícita ou reprovável, não é possível a imposição de sancionamento, ainda que por fato anterior à vigência da regra abolicionista.

Em contraposição ao entendimento de que o princípio teria sua aplicação exclusiva às infrações penais, cabe pôr à tona o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, pelo qual os princípios e as regras constitucionais que consagrem direitos fundamentais devem ser concretizados de modo a que alcancem a maior eficácia e abrangência possíveis.

Conjuga-se com tal princípio interpretativo o caráter não taxativo dos direitos fundamentais, na forma prevista pelo art. 5º, § 2º, da CF/88, pelo qual os preceitos expressos na Carta Magna “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”, sendo possível acrescer direitos implícitos, extraídos da força normativa do conteúdo axiológico subjacente ao texto constitucional.

Aqui, pertinente ressaltar a relevância democrática dos direitos partidários, especialmente aqueles relacionados à garantia de funcionamento das agremiações políticas e à participação do cidadão filiado na vida partidária como expressões dos seus direitos políticos.

No ponto, colho a dicção de Walber de Moura Agra, conforme a qual as greis partidárias “são um dos instrumentais que propiciam à população brasileira a condição de se expressar nos acontecimentos políticos, uma dos canais que possibilitam à sociedade uma participação mais efetiva nas decisões governamentais (art. 17 da CF)” (Curso de direito constitucional. 7. ed. Forense, 2012, p. 343).

Dessarte, a hermenêutica constitucional admite que o princípio da retroatividade da lei mais benéfica não seja de incidência exclusiva à seara penal, mas alcance todas as hipóteses nas quais direitos constitucionais estejam submetidos ao poder sancionatório do Estado, concluindo-se por um princípio constitucional implícito e geral que rechaça a aplicação de qualquer forma de sancionamento a condutas das quais o legislador optou por excluir a ilicitude.

Nesse trilhar de raciocínio, cabe destacar a existência de previsão legal expressa quanto à retroatividade da lex mitior no direito tributário, conforme previsão do art. 106, inc. II, do CTN, verbis:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

Portanto, uma vez que, na seara tributária, garante-se os efeitos retroativos da legislação que minorar ou extinguir sanções a determinado comportamento, é lícito concluir que a retroatividade in bonam partem não é restrita ao direito penal.

O exemplo, no entanto, pode sugerir, equivocadamente, que a incidência da retroatividade benigna depende de comando normativo expresso que a autorize.

Muito ao contrário, na forma alhures exposta, a retroatividade in bonam partem configura princípio constitucional implícito, sendo haurida diretamente da Constituição Federal, tendo por escopo os ditames da retroatividade da mais benigna (art. 5º, inc. XL, da CF), da proporcionalidade e razoabilidade e da máxima efetividade das normas constitucionais. Desse modo, há de ser aplicada sobre todo o ordenamento jurídico sancionador, e não somente às hipóteses de ilícitos penais ou tributários.

Com fundamento nesse linha de pensar, a jurisprudência pátria tem reiteradamente entendido pela incidência do princípio no contexto das infrações administrativas, sede na qual, destaca-se, não há previsão infraconstitucional expressa sobre a matéria.

A ilustrar, colaciono precedentes de nossos Tribunais:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO. MULTA DE TRÂNSITO. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA - LEI N. 11.334/06 - INFRAÇÃO PRATICADA ANTERIORMENTE. POSSIBILIDADE. É possível a aplicação retroativa da lei administrativa posterior mais benéfica - Lei nº 11.334/2006. A superveniente alteração legislativa beneficia a apelada, ainda que tenha a infração sido praticada sob a égide da lei anterior. Apelo desprovido.

(TJ-RS, Apelação Cível N. 70057511453, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 18.12.2013.) (Grifei.)

ADMINSTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE LEIS NO TEMPO. MULTA DE TRÂNSITO. SUPERVENIÊNCIA DE LEI MAIS BENÉFICA. APLICABILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. Em 2006 entrou em vigor a nova redação dada pela Lei 11.334/2006 ao art. 218, incisoI, "b", do Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503/97, em decorrência da qual o excesso de velocidade entre 20% e 50% passou a ser tipificado como infração grave e a cominar multa de menor valor. Em decorrência, é legal a aplicação retroativa da novel legislação, por ser de natureza mais benéfica e, também, por corrigir a desproporcionalidade entre o fato e a sanção imposta, que estava presente na redação original da revogada legislação. 2. A superveniência de sanção administrativa mais benéfica deve resultar em sua aplicação retroativa para alcançar as infrações anteriores à sua vigência, orientação que, embora constituída, na espécie, a partir de dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, encontra amparo, por analogia, no do princípio insculpido no art. 5º, XL, do Texto Magno, segundo o qual "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.". 3. Nesse sentido é o entendimento da jurisprudência: "(...) a penalidade prevista no art. 218, I, "b", do CTB (Lei 9.503/97), restou alterada pela Lei 11.334, de 25 de julho de 2006, de sorte que, no caso dos autos, deixou de configurar infração gravíssima - com aplicação de multa e suspensão do direito de dirigir -, para ser considerada infração grave - passível de aplicação de multa pecuniária. Desta sorte, a alteração legislativa reflete uma mudança nos padrões valorativos, como reconhecimento de que a penalidade acessória de suspensão do direito de dirigir seria desproporcional à infração de trânsito cometida" (REsp 804648- DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 3.9.07). "Sentença que fez aplicação retroativa da Lei 11.334/2006, que deu nova redação ao artigo 218, II, da Lei 9.503/97 (CTB), modificando a infração de excesso de velocidade, no limite entre 20 a 50% acima do permitido, de gravíssima para grave. Aplicação da retroatividade da lei mais benéfica também na esfera do processo administrativo - Interpretação analógica do artigo 5º, XL, da Constituição Federal.". Precedente: (9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, AP 9092210-39.2008.8.26.0000, Rel. Rebouças de Carvalho, j. 15.12.12) 4. No caso em exame, em razão da infração de trânsito regularmente apurada em processo administrativo, a Lei 11.334/2006, mais benéfica, foi aplicada, reduzindo a penalidade cominada. 5. Apelação a que se nega provimento.

(TRF 1, APELAÇÃO 00412603320074013400, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:18/02/2015 PAGINA: 398.) (Grifei.)

ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. RESOLUÇÃO CONTRAN Nº 202/06. LEI 11.334/06 QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 218 DA LEI Nº 9.503/97. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO GERAL DE DIREITO DE RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. 1. Trata-se de apelação da sentença que denegou a segurança por não vislumbrar o direito líquido e certo alegado pelo impetrante, ao argumento de incidência da regra geral da irretroatividade da norma posterior (Lei 11.334/06), que deverá respeitar o ato jurídico da imposição da multa de trânsito, perfeito sob a égide da lei anterior (Lei 9.503/97). 2. À época dos fatos (31.05.2006) a Lei 11.334/06, que deu nova redação ao art. 218 da Lei no 9.503/97 (Código de Trânsito), ainda não existia. Porém quando do lançamento ocorrido em 10.08.2006 já se encontrava em vigor a referida Lei 11.334/2006. 3. O CONTRAN expediu a Resolução de nº 202 de 25.08.2006 no sentido de que as alterações do art. 218 do Código de Trânsito se aplicam, apenas, aos Autos de Infrações lavrados a partir de 26.07.2006. 4. Como todo e qualquer princípio, o da irretroatividade da lei, previsto tanto no art. 5º, XXXVI da CF/88, quanto no art. 6º da LICC não tem caráter absoluto. 5. A própria CF/88, expressa em seu art. 5º, XL a retroatividade da lei benigna. 6. A legislação infraconstitucional igualmente prevê a possibilidade de retroação para beneficiar. É o caso do art. 106 do CTN que elenca as possibilidade de aplicação da lei ao fato pretérito. 7. A despeito da Resolução do CONTRAN, a necessária ponderação sobre a aplicação dos princípios em comento, infere-se que o melhor direito está na aplicação retroativa da lei mais benéfica, privilegiando-se, assim, o princípio geral de direito de retroatividade da lei mais benéfica. 8. Reforma da sentença para conceder a segurança no sentido de determinar a aplicação retroativa da Lei 11.334/06, às Notificações de Atuação de nºs 6142278 e 6142279 aplicadas ao impetrante. 9. Apelação provida.

(TRF 5, AC 200881000113950, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, Primeira Turma, DJE - Data:22.07.2010 - Página:378.) (Grifei.)

Também é o posicionamento acolhido no seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PODER DE POLÍCIA. SUNAB. MULTA ADMINISTRATIVA. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. POSSIBILIDADE.

ART. 5º, XL, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DO DIREITO SANCIONATÓRIO. AFASTADA A APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC.

I. O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage.

Precedente.

II. Afastado o fundamento da aplicação analógica do art. 106 do Código Tributário Nacional, bem como a multa aplicada com base no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

III. Recurso especial parcialmente provido.

(STJ; REsp 1153083/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.11.2014, DJe 19.11.2014.) (Grifei.)

Quanto ao último julgado, por elucidativo, destaco trecho do voto da Ministra Regina Helena Costa:

Em meu entender, a retroação da lei mais benéfica é um princípio geral do Direito Sancionatório, e não apenas do Direito Penal.

Quando uma lei é alterada, significa que o Direito está aperfeiçoando-se, evoluindo, em busca de soluções mais próximas do pensamento e anseios da sociedade. Desse modo, se a lei superveniente deixa de considerar como infração um fato anteriormente assim considerado, ou minimiza uma sanção aplicada a uma conduta infracional já prevista, entendo que tal norma deva retroagir para beneficiar o infrator.

Constato, portanto, ser possível extrair do art. 5º, XL, da Constituição da República princípio implícito do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, a Lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa.

Ademais, cumpre invocar o princípio da proporcionalidade, sob o seu viés de proibição de excesso, no qual atua como limite às imposições sancionatórias do Estado.

A doutrina aponta que o princípio da proporcionalidade subdivide-se em três subprincípios: a adequação entre os meios e os fins perseguidos, a necessidade ou vedação do excesso e a proporcionalidade em sentido estrito. Sobre esse último, transcrevo o ensinamento conjunto de Sarlet, Marinoni e Mitidiero (Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 336):

Cumpre anotar, neste contexto, que, embora não se trate propriamente de um critério interno, a aferição da proporcionalidade de uma medida restritiva há de partir do pressuposto de que a compressão de um direito encontra sua razão de ser na tutela de outro bem jurídico constitucionalmente relevante (não necessariamente outro direito fundamental), ou seja, a restrição deve ter uma finalidade constitucionalmente legítima.

Partindo da lição doutrinária, entendo que não há legitimidade no sancionamento de determinada espécie de contribuição partidária não mais considerada ilícita pelo legislador, e que assim o faz exatamente pela efetivação dos valores de participação política e partidária que já se revelavam eficazes anteriormente aos efeitos da lei que suprimiu a reprovabilidade da conduta.

A mesma linha de entendimento foi acolhida pelo Tribunal Superior Eleitoral, em decisão que aplicou retroativamente a Lei n. 12.034/09, que dilatou os limites de doação de bens estimáveis em dinheiro por pessoas físicas, por mais favorável aos doadores:

ELEIÇÕES 2006. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 7º, DA LEI DAS ELEIÇÕES. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Existência, na espécie, de doação estimável em dinheiro relativa à utilização de bem móvel de propriedade do doador cujo valor não ultrapassa o limite legal previsto no § 7º do art. 23 da Lei nº 9.504/97.

2. O princípio da incidência da lei vigente à época do fato (tempus regit actum), previsto no art. 6º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, em especial, do princípio da proporcionalidade.

3. Se o ordenamento jurídico deixa de considerar determinado fato ilícito, independentemente de tratar-se de uma sanção penal, administrativa ou eleitoral, a aplicação da lei anterior mais gravosa revela-se flagrantemente desproporcional, salvo se a lei anterior estivesse a regular situação excepcional não abarcada pela nova lei, o que não é o caso dos autos.

4. Recurso desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 5199363, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 123, Data 28.06.2016, Página 176-177.) (Grifei.)

Colho passagem do voto condutor relatado pela Ministra Luciana Lóssio, que bem sintetiza o escopo da retroação mais favorável:

(…) não há que se reconhecer o direito adquirido de o Estado aplicar determinada penalidade em face da conduta considerada ilícita, se no momento da imposição da sanção ela já não ostenta o caráter de ilicitude, ou é sancionada de forma mais leve por ser considerada menos gravosa ao bem jurídico protegido. Como dito, o legislador constituinte pretendeu proteger a esfera individual, e não o poder sancionador do Estado, ao vedar a retroatividade da legislação superveniente.

Destarte, a partir de tais premissas e do grau de importância dos valores constitucionais envolvidos, tenho que possível a incidência retroativa da Lei n. 13.488/17 aos casos pendentes, no ponto em que suprimiu a ilicitude sobre as doações financeiras de pessoas físicas que exercem função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiadas ao partido beneficiário.

No caso concreto, embora a condição de filiados dos doadores tenha sido sustentada pelos recorrentes, não há comprovação do vínculo nos autos.

Considerando que as relações oficiais de filiados são públicas e mantidas pela própria Justiça Eleitoral, em homenagem ao princípio da cooperação processual na busca por uma decisão justa e efetiva (art. 6º do CPC), entendo necessária a conversão do julgamento em diligência para que a informação venha aos autos.

Diante do exposto, VOTO pela conversão do julgamento em diligência, determinando-se a intimação dos recorrentes para que comprovem, mediante documentação idônea, a situação de filiação partidária dos doadores listados às folhas 128-129 durante o exercício financeiro do ano de 2015.

É como voto, senhor Presidente.

 

(Pediu vista o Des. Eduardo Bainy. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)