RE - 50427 - Sessão: 07/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos eleitorais interpostos por CARLA CRISTINA DE OLIVEIRA GOMES (fls. 364-374), SEAN JARCZEWSKI (fls. 429-442), IRENEO ISIDORO CLASSMANN (fls. 443-450) e FERNANDO OSCAR CLASSMANN (fls. 451-484) contra sentença do Juízo da 42ª Zona Eleitoral de Santa Rosa (fls. 325-349v.) – parcialmente modificada com o acolhimento de embargos declaratórios (fls. 420-421) – que julgou procedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, impondo, a todos os recorrentes, a sanção de inelegibilidade pelo período de oito anos, contados da data do trânsito em julgado da sentença, aplicando ainda ao recorrente FERNANDO OSCAR CLASSMANN (candidato classificado na 17ª posição entre os que disputaram o cargo de vereador no Município de Santa Rosa) as penalidades de cassação do registro de candidatura e de multa, no valor de mil UFIRs, em virtude da prática de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio durante as eleições de 2016 (art. 22, “caput” e inc. XIV, da LC n. 64/90, e art. 41-A da Lei n. 9.504/97, respectivamente).

Em suas razões recursais, CARLA CRISTINA DE OLIVEIRA GOMES alegou, preliminarmente, com base no art. 492 do CPC, a nulidade da sentença por mostrar-se “ultra petita”. Quanto ao mérito, defendeu que o conteúdo do diálogo mantido com o recorrente FERNANDO – objeto de interceptação telefônica – foi interpretado de forma equivocada, pois teria havido a entrega de material de campanha, e não de 6 kg de galeto a eleitores em troca de votos para FERNANDO. Ponderou, também, na hipótese de ser reconhecida a captação ilícita de sufrágio, que a insignificância do valor do produto alimentício doado não permitiria configurar conduta abusiva com potencialidade para afetar o equilíbrio do pleito (fls. 364-374).

O recorrente SEAN JARCZEWSKI requereu, inicialmente, o prequestionamento dos arts. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90 e 41-A da Lei n. 9.504/97. Quanto ao mérito, negou ter trabalhado como cabo eleitoral durante a campanha, e que o fato de ser amigo de CARLA e FERNANDO, e sócio deste último em escritório de advocacia, são insuficientes para que se lhe estenda a responsabilidade por delitos eleitorais supostamente comprovados por conversa telefônica mantida entre esses dois recorrentes. Enfatizou a fragilidade da prova produzida durante a instrução do processo, negando ter prometido ou entregue galeto, bem como qualquer outra vantagem economicamente significante, a eleitores, com o propósito de conquistar votos para FERNANDO, desequilibrando as eleições (fls. 429-442).

IRENEO ISIDORO CLASSMANN, em seu recurso, aduziu que o serviço de terraplanagem, ainda que tenha sido indevidamente prometido a Arão da Silva, não poderia ser considerado captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder econômico, porque o referido cidadão, morador da cidade de Três de Maio, sequer era eleitor do Município de Santa Rosa, no qual FERNANDO, seu sobrinho, disputava as eleições. Defendeu, amparado em precedentes jurisprudenciais, a imprescindibilidade de elementos de prova consistentes da potencialidade lesiva do ato para embasar condenação pelos ilícitos eleitorais objeto dos autos (fls. 443-450).

FERNANDO OSCAR CLASSMANN requereu o prequestionamento do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 464, § 1º, inc. II, do CPC. Preliminarmente, arguiu: a) a ilicitude das interceptações telefônicas utilizadas como prova das condutas irregulares, uma vez que foram autorizadas pelo Juiz Eleitoral de primeiro grau com fundamento em denúncias anônimas relatadas ao Chefe de Cartório da Zona Eleitoral de Santa Rosa, requerendo a extinção do processo sem julgamento de mérito; e b) o cerceamento do direito de defesa por força de equívoco relativamente à degravação do segundo áudio que embasou a ação, somente corrigível mediante o deferimento de perícia judicial, motivo por que postulou o retorno dos autos à origem para a realização dessa prova. No mérito, quanto ao primeiro fato, explorou o argumento segundo o qual Arão da Silva, cidadão a quem teria sido indevidamente oferecido o serviço de patrola, não era eleitor do Município de Santa Rosa, no qual concorria às eleições proporcionais, restando inviabilizada a configuração dos ilícitos eleitorais que lhe foram imputados. Negou, do mesmo modo, ter concordado com a doação de galeto, supostamente efetivados por CARLA e SEAN, aduzindo inexistir comprovação inequívoca da gravidade das condutas a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos (fls. 451-484).

O Ministério Público Eleitoral ofereceu contrarrazões aos recursos, rebatendo as preliminares arguidas e defendendo a integral manutenção da sentença (fls. 486-496).

Nesta instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento dos recursos, apenas para que a data do pleito, e não a data do trânsito em julgado da sentença, seja considerada como o marco inicial da contagem do prazo da sanção de inelegibilidade imposta aos recorrentes com base no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, em conformidade com a Súmula n. 19 do TSE (fls. 498-501).

É o relatório.

VOTOS

Des. Jorge Luís Dall'Agnol (relator):

Admissibilidade Recursal

A decisão (fls. 420-421) que julgou os embargos declaratórios opostos pela defesa de IRENEO ISIDORO CLASSMANN (fls. 413-416) foi publicada na edição do DEJERS de 5.6.2017 (fls. 426-427).

SEAN JARCZEWSKI recorreu da sentença naquele mesmo dia (fl. 429), e o embargante acima referido, em 6.6.2017 (fl. 443), mesma data em que FERNANDO OSCAR CLASSMANN ratificou a irresignação que havia protocolizado antes da publicação do julgamento dos aclaratórios (fl. 451).

CARLA CRISTINA DE OLIVEIRA GOMES, por sua vez, interpôs recurso em 29.5.2017 (fl. 364), antes, portanto, que fossem julgados os embargos de declaração opostos pelo recorrente IRENEO contra a sentença originária.

Quanto à interposição desse último recurso, noto que os §§ 4º e 5º do art. 1.024 do CPC não introduziram, no sistema processual, a necessidade de a parte ratificar o recurso após o julgamento dos embargos declaratórios opostos pela parte adversária, destinando-se, antes disso, a superar, de forma expressa, o Enunciado da Súmula n. 418 do STJ, que afirmava exatamente o contrário (“É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”).

Tais comandos normativos do Diploma Processual tão somente facultam a complementação ou alteração das razões recursais apresentadas antes do julgamento dos aclaratórios opostos pela parte contrária, nas hipóteses de modificação da decisão embargada, assim como autorizam, em sendo rejeitados os embargos ou não havendo essa alteração, seja apreciado o recurso anteriormente interposto, independentemente de ratificação.

Ademais, as disposições processuais em tela dirigem-se, nitidamente, ao recurso interposto pela parte contrária daquela que embargou a decisão, com o intuito de preservar o contraditório e a ampla defesa relativamente ao objeto da lide. Desse modo, também por esse motivo, não seria exigível que a recorrente CARLA ratificasse o seu recurso, pois integra o mesmo polo processual do embargante e com ele compartilha o interesse processual de reforma da sentença de procedência da ação de investigação judicial eleitoral.

Todavia, mesmo que prevalecesse interpretação diversa acerca dos §§ 4º e 5º do art. 1.024 do CPC, não haveria prejuízo à recorrente CARLA, uma vez que os recursos apresentados por um dos litisconsortes aproveita a todos os demais, desde que, a exemplo da situação dos autos, os seus interesses sejam convergentes (art. 1.005, “caput”, do CPC).

Assim, todos os recursos são tempestivos e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade recursal, razões pelas quais deles conheço.

Preliminares

I) Preliminar de nulidade da sentença por julgamento ultra petita

A recorrente CARLA CRISTINA DE OLIVEIRA GOMES alegou, preliminarmente, que, embora o representante tenha requerido a aplicação de multa apenas ao também recorrente FERNANDO OSCAR CLASSMANN, a sentença estendeu a sanção pecuniária a todos os representados.

Contudo, conforme sinalado acima, a recorrente protocolizou suas razões de recurso em 29.5.2017 (fl. 364). Antes, portanto, do julgamento dos embargos declaratórios opostos pelo recorrente SEAN JARCZEWSKI (fls. 360-63) e IRENEO ISIDORO CLASSMANN (fls. 413-16) em 01.7.2017 (fls. 420-21), no qual o magistrado a quo, acolhendo os aclaratórios, atribuiu-lhes efeitos infringentes para retirar do dispositivo da sentença a sanção de multa aplicada aos representados IRENEO ISIDORO CLASSMANN, CARLA CRISTINA DE OLIVEIRA GOMES e SEAN JARCZEWSKI, mantendo-a apenas com relação ao recorrente FERNANDO CLASSMANN.

Por essa razão, ante o evidente prejuízo da tese objeto desta preliminar, afasto a prefacial.

II) Preliminares suscitadas pela Defesa de FERNANDO CLASSMANN

II.1) Preliminar de Cerceamento de Defesa

Neste ponto, peço vênia para reproduzir excerto do bem-lançado parecer do Procurador Regional Eleitoral (fl. 505 v.), o qual adoto também como razões de decidir:

Ainda em preliminar, FERNANDO OSCAR CLASSMANN sustenta a ocorrência de cerceamento de defesa, eis que o juízo não teria produzido prova pericial acerca de dúvida levantada pela defesa em relação a trecho da transcrição do áudio de conversa telefônica realizada entre ele e CARLA CRISTINA DE OLIVEIRA GOMES. Sustenta a defesa que a transcrição do trecho da fala de FERNANDO “ISSO NÃO IMPORTA” estaria em desacordo com o áudio encartado à fl. 248, cuja transcrição correta seria “ISSO NÃO PODE”.

Não procede a alegação.

Em primeiro lugar, a defesa alega cerceamento em razão de ausência de produção de prova pericial sendo que, em nenhum momento, foi requerida a perícia pelo recorrente.

Além disso, nos termos das contrarrazões do MPE, “além de o áudio não deixar dúvidas a qualquer pessoa que conheça o vernáculo, a perícia era prova totalmente dispensável. A simples escuta dos áudios permite concluir quais foram os termos utilizados, não necessitando um expert para tanto”.

Logo, as preliminares devem ser afastadas.

Assim, afasto a preliminar de cerceamento de defesa.

II.2) Preliminar de Nulidade Processual

A defesa do recorrente FERNANDO CLASSMANN suscitou, ainda, preliminar de nulidade da sentença, pois amparada em interceptações telefônicas irregulares, pois autorizadas com base em denúncias anônimas reportadas ao chefe do cartório eleitoral da 42ª Zona.

Conforme relatório da sentença proferida nestes autos (fls. 326 e v.), o Juiz Eleitoral de Santa Rosa autorizou a interceptação de comunicações telefônicas, dentre as quais das comunicações dos ora recorrentes, nos autos da PET n. 268-75, que foi autuada a partir de certidão lavrada pelo Chefe de Cartório Eleitoral em 26.9.2016 (fl. 18).

Por meio da referida certidão (fl. 18), a chefia da serventia eleitoral certificou o recebimento, durante as atividades cartorárias, de denúncias anônimas feitas por pessoas que temiam sofrer represálias, de que os candidatos Miro Jesse e FERNANDO CLASSMANN estariam abusando do poder econômico ao promover a compra de votos durante a campanha de 2016 em Santa Rosa. Com relação ao recorrente FERNANDO, certificou, também, relato acerca do recebimento de vultosa quantia em dinheiro do deputado estadual Aloísio Classmann, seu “padrinho político”.

Cientificado da certidão narratória expedida pela serventia cartorária, o Ministério Público Eleitoral junto ao juízo da 42ª ZE instaurou os Procedimentos Investigatórios Criminais n. 00868.00001/2016 e n. 00868.00003/2016 (fls. 15-93), destinados à apuração do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), e requereu autorização judicial para proceder à interceptação telefônica e telemática de terminais pertencentes, dentre outros, aos ora recorrentes FERNANDO e SEAN, com base nos arts. 5º, inc. XII, da CF e 1º da Lei n. 9.296/96 (fls. 170-182).

O alvará de monitoramento das ligações telefônicas foi deferido pelo Juízo Eleitoral em decisão proferida no dia 27.9.2016 (fls. 190-196).

Em prosseguimento, diante de pedido do órgão ministerial de primeiro grau nos autos da PET n. 268-75.2015.6.21.0042 (fls. 13-14), o Juízo Eleitoral de Santa Rosa autorizou o compartilhamento do conteúdo das referidas interceptações telefônicas, derivando desse compartilhamento o Procedimento Preparatório Eleitoral n. 00868.00011/2016 (fl. 12), instaurado pela Promotoria de Justiça de Santa Rosa, para o fim de colher elementos informativos acerca da captação ilícita de sufrágio objeto da presente AIJE.

Os fatos acima descritos resultaram no ajuizamento da presente ação, cuja inicial informa que as interceptações telefônicas acima mencionadas revelaram que, durante a campanha eleitoral de 2016 no Município de Santa Rosa, mais especificamente no dia 30.9.2016, o recorrente IRENEO teria efetuado uma ligação telefônica ao candidato FERNANDO, seu sobrinho, solicitando-lhe a disponibilização do serviço de terraplanagem para conquistar, em seu benefício, o voto do eleitor Arão da Silva. Em 1º.10.2016, FERNANDO teria recebido uma ligação telefônica da recorrente CARLA, a qual comprovaria que esta e o recorrente SEAN entregaram 6 kg de frango a uma mulher não identificada nos autos, em troca do voto de 31 eleitores integrantes de uma mesma família para o candidato.

Contextualizados os fatos, passo à análise da prefacial suscitada, iniciando por destacar que a diferença cronológica de apenas um dia existente entre a data da lavratura da certidão cartorária (26.9.2016) e a do deferimento da interceptação telefônica e telemática pelo Juiz Eleitoral (27.9.2016), conjugada com a análise do teor da própria decisão autorizativa (fls. 326-328v.), permite concluir que o alvará de monitoramento foi deferido única e exclusivamente com base nas denúncias anônimas certificadas pelo Chefe de Cartório Eleitoral, sem que tivesse sido precedido de expediente investigativo, no qual colhidos indícios mínimos de autoria e materialidade que vinculassem a suposta prática de crimes e ilícitos cíveis eleitorais aos recorrentes, como suscitado pela defesa do recorrente FERNANDO em sede de preliminar.

Relativamente a essa temática probatória, o STF consolidou entendimento, admitindo que comunicações apócrifas desencadeiem diligências preliminares destinadas a apurar fatos supostamente delituosos, com o objetivo de viabilizar ulterior instauração de procedimento investigatório e a propositura de ação penal, caso aferida a idoneidade do relato.

É pacífica, portanto, a orientação da Suprema Corte de que as interceptações telefônicas e as ações penais não podem ser diretamente lastreadas em denúncias anônimas, sendo indispensável a presença de outros elementos informativos, a exemplo de depoimentos de pessoas eventualmente envolvidas na prática dos ilícitos, colhidos em procedimento investigatório preliminar específico, para legitimar a representação pela quebra de sigilo telefônico oriunda do órgão ministerial ou da autoridade policial competente, conforme ilustram as ementas abaixo colacionadas:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS DELITOS PREVISTOS NO ART. 3º , INC. II , DA LEI N. 8.137 /1990 E NOS ARTS. 325 E 319 DO CÓDIGO PENAL . INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NÃO REALIZADA. PERSECUÇÃO CRIMINAL DEFLAGRADA APENAS COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA. 1. Elementos dos autos que evidenciam não ter havido investigação preliminar para corroborar o que exposto em denúncia anônima. O Supremo Tribunal Federal assentou ser possível a deflagração da persecução penal pela chamada denúncia anônima, desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração do inquérito policial. Precedente. 2. A interceptação telefônica é subsidiária e excepcional, só podendo ser determinada quando não houver outro meio para se apurar os fatos tidos por criminosos, nos termos do art. 2º, inc. II, da Lei n. 9.296 /1996. Precedente. 3. Ordem concedida para se declarar a ilicitude das provas produzidas pelas interceptações telefônicas, em razão da ilegalidade das autorizações, e a nulidade das decisões judiciais que as decretaram amparadas apenas na denúncia anônima, sem investigação preliminar. Cabe ao juízo da Primeira Vara Federal e Juizado Especial Federal Cível e Criminal de Ponta Grossa/PR examinar as implicações da nulidade dessas interceptações nas demais provas dos autos. Prejudicados os embargos de declaração opostos contra a decisão que indeferiu a medida liminar requerida.

(STF, HC n. 108.147/PR, 2ª Turma, DJe de 1º.02.2013, Rel. Min. Carmen Lúcia.)

 

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIMES FISCAIS. QUADRILHA. CORRUPÇÃO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE DE TRIBUTOS TIDOS COMO SONEGADOS. 1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. 2. Notícias anônimas de crime, desde que verificada a sua credibilidade por apurações preliminares, podem servir de base válida à investigação e à persecução criminal. 3. Apesar da jurisprudência desta Suprema Corte condicionar a persecução penal à existência do lançamento tributário definitivo (Súmula vinculante nº 24), o mesmo não ocorre quanto à investigação preliminar. 4. A validade da investigação não está condicionada ao resultado, mas à observância do devido processo legal. Se o emprego de método especial de investigação, como a interceptação telefônica, foi validamente autorizado, a descoberta fortuita, por ele propiciada, de outros crimes que não os inicialmente previstos não padece de vício, sendo as provas respectivas passíveis de ser consideradas e valoradas no processo penal. 5. Fato extintivo superveniente da obrigação tributária, como o pagamento ou o reconhecimento da invalidade do tributo, afeta a persecução penal pelos crimes contra a ordem tributária, mas não a imputação pelos demais delitos, como quadrilha e corrupção. 6. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito, mas com concessão da ordem, em parte, de ofício.

(STF, HC n. 106152/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 24.5.2016.)

O Superior Tribunal de Justiça - STJ alinhou sua jurisprudência à da Suprema Corte, firmando a imprescindibilidade de investigação prévia que aponte indícios mínimos e razoáveis de autoria ou participação em infrações penais para a decretação da quebra do sigilo telefônico, como ilustra a ementa do seguinte precedente:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. NOTICIA CRIMINIS ANÔNIMA. PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO PRÉVIOS À REQUISIÇÃO DE QUEBRA DO SIGILO. OCORRÊNCIA. MEDIDA CONSTRITIVA DEFERIDA. PRORROGAÇÕES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. CONDUTAS DIVERSAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO.

1. A denúncia anônima pode subsidiar o início das investigações e da colheita de elementos probatórios acerca da existência e da autoria de infração penal, não podendo, entretanto, servir como parâmetro único da persecução penal.

2. No caso em exame, verifica-se que o Ministério Público, por meio de promotores de justiça integrantes do Grupo de Repressão ao Crime Organizado – GRC, instaurou procedimento investigatório criminal objetivando a apuração de possíveis crimes relacionados ao recebimento do seguro DPVAT e, no curso dessa investigação, teve notícia do cometimento de outros delitos. Posteriormente, após receber denúncia anônima, notificou a coordenadora da Divisão de Serviço Social do Hospital de Urgência de Goiânia para prestar depoimento, que confirmou os indícios de existência de práticas delituosas. Diante das informações prestadas pela coordenadora de que o modus operandi ocorria por contato telefônico, o meio eficaz para o prosseguimento das investigações seria a interceptação das ligações telefônicas, o que foi requerido ao Juízo singular.

3. Acerca da prorrogação das interceptações, da atenta leitura das decisões prolatadas pelas instâncias ordinárias, vê-se que não há falar em carência de motivação, pois se pautaram nos mesmos moldes essenciais da primeira, algumas ainda fazendo menção à inexistência de outros meios de "obtenção das provas da sequência delituosa praticada pela organização criminosa", à gravidade e à natureza das condutas.

4. Não há falar na ocorrência de coisa julgada, visto que, na ação proposta na esfera eleitoral, apurou-se a conduta do recorrente de dar e prometer dádivas e outras vantagens a eleitores, no intuito de obter votos nas eleições municipais, crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, enquanto, na investigação ora em exame, apura-se a conduta de prometer e oferecer vantagens indevidas a funcionária pública, para que ela praticasse ato de ofício com infringência a dever funcional.

5. Recurso ordinário não provido.

(STJ, RHC n. 459-25/GO, 5ª Turma, DJe de 06.02.2015, Min. Gurgel de Faria.)

A deflagração de investigação preliminar voltada à comprovação da idoneidade de denúncia anônima constitui situação substancialmente diversa daquelas em que delações apócrifas constituem fundamento direto e isolado para o uso de meio probatório acautelatório e excepcional, como a interceptação telefônica com a finalidade de obter prova de atos supostamente delituosos em procedimento de prospecção manifestamente invasivo.

Nesse sentido, o inc. II do art. 2º da Lei n. 9.296/96, que regulamentou a parte final do inc. XII do art. 5º da CF, proíbe, expressamente, seja autorizada interceptação telefônica se “não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal”, requisito que, pelas razões anteriormente expostas, não resta satisfeito com meras denúncias anônimas desacompanhadas de investigações destinadas a essa finalidade.

E, uma vez verificada a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, ainda que se admitisse a legitimidade do argumento da premência das investigações, em virtude da proximidade das eleições à época em que deferido o alvará de monitoramento, a medida não poderia ter sido autorizada, porque o art. 2º da Lei n. 9.296/96 é deveras claro ao estabelecer que a interceptação telefônica não será admitida quando ocorrer qualquer das hipóteses descritas em seus incs. I a III.

Seguindo essa linha argumentativa, é relevante ponderar que a validade da prova não se encontra associada à sua capacidade de convencimento.

Essa premissa é visível no campo das gravações ambientais e interceptações telefônicas, meios probatórios bastante eficazes quanto à reprodução da veracidade dos fatos, mas que tendem a envolver, notadamente nas fases de sua obtenção e introdução no processo, uma série de violações à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem das pessoas, direitos subjetivos expressamente tutelados pela Constituição Federal (art. 5º, inc. X).

Assim, a inadmissibilidade da prova ilicitamente obtida ou introduzida no processo, longe de representar o preterimento dos imperativos de justiça social e de efetividade da atividade jurisdicional, constitui tanto uma opção ética do Estado Democrático de Direito de incentivar a observância das regras e princípios informadores do ordenamento jurídico quanto um mecanismo de proteção aos direitos e garantias fundamentais, ao coibir ou invalidar iniciativas abusivas incompatíveis com o devido processo legal.

Nos dizeres da doutrina:

A ilicitude da prova e sua inadmissibilidade decorrem de uma opção constitucional perfeitamente justificada em um contexto democrático de um Estado de Direito. A afirmação dos direitos fundamentais, característica essencial de tal modalidade política de Estado, exige a proibição de excesso, tanto na produção de leis quanto na sua aplicação. Não se pode buscar a verdade dos fatos a qualquer custo, até porque, diante da falibilidade e precariedade do conhecimento humano a que aqui nos referimos, no final de tudo o que poderá restar será apenas o custo a ser pago pela violação dos direitos, quando da busca desenfreada e sem controle da prova de uma inatingível verdade real.

(PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 327.) (Grifei.)

O contexto em que foram autorizadas as interceptações telefônicas indica malferimento à garantia constitucional de vedação ao anonimato (art. 5º, inc. IV, da CF) e, sobretudo, o emprego de medida investigativa formal que não poderia ter sido deferida tão somente com base em delações anônimas certificadas pelo Chefe de Cartório Eleitoral, muito embora este fosse detentor de fé pública quanto aos atos praticados no exercício das suas atribuições, contaminando, por derivação, todas as demais provas que delas se originaram e embasaram a decisão condenatória prolatada pelo Juízo de primeiro grau na presente ação de investigação judicial eleitoral.

Por oportuno, ressalto que a questão foi recentemente enfrentada por este Tribunal, nos autos do RE n. 502-57, de relatoria do eminente Dr. Jamil Bannura.

Tratou-se de recurso interposto por MIRO JESSE contra a decisão que julgou procedente representação contra ele ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL com base em diálogos gravados a partir da interceptação de comunicações telefônicas autorizada pelo Juízo da 42ª Zona Eleitoral, nos autos da PET n. 268-75 que, conforme assentado acima, foi autuada a partir da certidão lavrada pelo Chefe de Cartório Eleitoral daquela Zona, que, neste processo, encontra-se acostada (a mesma certidão), por cópia, à fl. 18.

Naquele julgamento, foi acolhida, por maioria, a tese esgrimida no voto-vista pelo Dr. Silvio de Moraes, restando reconhecida a nulidade da interceptação telefônica acima referida, em virtude do deferimento dessa prova com base em denúncias anônimas, sem investigação prévia.

Transcrevo abaixo a ementa do referido julgado:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. VEREADOR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. PROCEDÊNCIA. PROMESSA DE VANTAGEM. CONTRATO DE TRABALHO. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MULTA. RECURSO. PRELIMINAR. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA. DILIGÊNCIAS PRELIMINARES. NÃO REALIZADAS. NULIDADE. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO CONDENATÓRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. A legislação eleitoral veda a entrega ou a oferta de vantagens para a obtenção do voto do eleitor. Não é exigido pedido expresso, bastando apenas que a oferta ocorra com a finalidade eleitoreira. O art. 41-A da Lei n. 9.504/97 tem por finalidade a proteção ao sufrágio e à igualdade de oportunidades entre os competidores.

2. Condenação do recorrente com base em interceptação de conversa telefônica. Procedimento realizado a partir de denúncia anônima, sem a realização de diligências preliminares para averiguar indícios acerca da possível prática da infração. Nulidade que contamina todas as demais provas vinculadas à prova ilícita. Teoria dos frutos da árvore envenenada.

3. Insuficiência do caderno probatório para ensejar juízo condenatório. Improcedência da representação.

Provimento.

(TRE/RS – RE 502-57 – Rel. DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA – J. Sessão de 10.10.2017.) (Grifei.)

Ainda, o alvará das fls. 190-196 destes autos demonstra que o monitoramento dos terminais telefônicos de MIRO JESSE e do recorrente FERNANDO OSCAR CLASSMANN, por meio do qual foram colhidos os dados que ensejaram a propositura tanto da Representação n. 502-57 quanto a da presente AIJE, processou-se nas mesmas circunstâncias fáticas, tendo, inclusive, sido autorizado pela autoridade judiciária na mesma decisão, de forma que o vício alcança, necessariamente, ambos os processos.

Para concluir, destaco que as demais provas colhidas ao longo da instrução (CD da fl. 247) revelaram-se imprestáveis para a comprovação das condutas ilícitas atribuídas aos recorrentes, uma vez que consistem unicamente nos depoimentos realizados pelo chefe do cartório eleitoral, arrolado pelo representante, o qual se restringiu a reafirmar os termos da certidão da fl. 18 acerca do recebimento das denúncias anônimas, e por três outras testemunhas trazidas pela defesa do recorrente FERNANDO CLASSMANN, que também não acrescentaram nada de relevante ao deslinde da questão.

Além disso, reitero que as provas obtidas por meios ilícitos contaminam, via cadeia causal, os meios probatórios que, não obstante produzidos validamente em momento ulterior, são delas decorrentes, por adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada.

Assim, diante das circunstâncias do caso concreto, considero suficientemente demonstrada a existência de nexo causal para anular toda a instrução probatória.

Diante do exposto, afastadas as demais preliminares, VOTO por acolher a preliminar suscitada por FERNANDO CLASSMANN para declarar a nulidade da interceptação telefônica contida nos procedimentos investigatórios criminais das fls. 15-93 e, no mérito, pela reforma da sentença para o fim de julgar improcedente a ação, nos termos da fundamentação.