RE - 4881 - Sessão: 10/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

O FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. interpõe recurso em face da sentença (fls. 110-111v.) que julgou parcialmente procedente a ação cautelar ajuizada por RONALDO TEIXEIRA DA SILVA, determinando a retirada do perfil “Patrick Bueno” do Facebook, por entender que o usuário valeu-se do anonimato durante a campanha eleitoral para divulgar mensagem de conteúdo ofensivo ao candidato.

Em suas razões, o recorrente sustenta a perda superveniente do objeto da causa, em virtude do fim das eleições, bem como que a ordem dada pelo juízo eleitoral foi desproporcional e demasiada genérica. Pugna pela reativação do perfil “Patrick Bueno”, ou, alternativamente, a limitação da ordem à retirada do conteúdo considerado ofensivo naquela página, além do reconhecimento de inexistência de anonimato na plataforma Facebook, visto que a identidade do usuário pode ser conhecida a partir dos dados disponíveis de seu IP – Internet Protocol (fls. 135-146v.).

Sem contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pela revogação da suspensão do perfil em tela, e, no mérito, no sentido de que o recurso seja julgado prejudicado, ante a superveniente perda do objeto (fls. 155-158).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, motivo pelo qual dele conheço.

No mérito, o art. 35, inc. XVII, do Código Eleitoral expressamente prevê que compete aos juízes “tomar todas as providências ao seu alcance para evitar os atos viciosos das eleições”.

De modo semelhante, preconiza o art. 41, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 41. […].

§ 1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos juízes eleitorais e pelos juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais.

§ 2º O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no rádio ou na internet.

Dessarte, no exercício do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, o magistrado não está adstrito aos termos do pedido elaborado pela parte em sua provocação inaugural, sejam explícitos ou implícitos.

Em realidade, deve o magistrado adotar todas as providências que, a seu juízo de prudência e proporcionalidade, forem adequadas e suficientes para repelir as ações em desconformidade com a legislação eleitoral, bem como para garantir a isonomia entre os concorrentes e a normalidade do processo eleitoral.

Inclusive, nesse campo, é dado ao juízo adotar medidas de ofício, salvaguardadas as balizas impostas pela Súmula n. 18 do TSE, quanto à aplicação de multa por propaganda irregular.

Assim, na hipótese, mitigado o princípio da congruência ou da adstrição, descabe cogitar em decisão extra ou ultra petita tão só pelo fato de a decisão recorrida, com fulcro no poder de polícia, haver adotado uma solução diversa ou mais abrangente do que a requerida da petição inicial.

Por outro lado, cumpre analisar se o poder de polícia foi exercido dentro dos limites reclamados pela lei e pelos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Quanto ao tema, insta considerar que a providência cautelar foi solicitada com amparo no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97, reproduzido pelo art. 24, § 2º, da Resolução TSE n. 23.457/15, o qual enuncia que a divulgação de mensagem visando denegrir a imagem de candidato dá ensejo somente à remoção da específica publicação ilícita.

Transcrevo o dispositivo em comento:

Art. 57-D. […].

[…].

§ 3º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais.

No ponto, a jurisprudência tem admitido, em contextos fáticos particulares, como legítima a retirada integral de página no Facebook, diante da prática de propaganda eleitoral irregular. Tais situações são vislumbradas quando o perfil é utilizado para influenciar nas eleições de modo anônimo, ou quando as publicações irregulares forem múltiplas e de tal forma disseminadas que se torne extremamente difícil a determinação da URL (Uniform Resource Locator) de cada uma das postagens.

A ilustrar esse entendimento, cito os seguintes julgados dos Tribunais Regionais de São Paulo e de Santa Catarina:

RECURSOS ELEITORAIS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA REALIZADA DE FORMA ANÔNIMA NA REDE SOCIAL FACEBOOK. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONFIRMAÇÃO DAS DECISÕES LIMINARES QUE DETERMINARAM A SUSPENSÃO DOS LINKS DECLINADOS NA INICIAL E DAS PÁGINAS "VIVENDO EM SANTOS" E "MOBILIZAÇÃO SANTISTA", SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. APLICAÇÃO DE MULTA AO REPRESENTADO LUIZ FERNANDO LOBÃO, NOS TERMOS DO ART. 57-D, § 2º, DA LEI Nº 9.504/97.

1. Preliminares de ilegitimidade passiva suscitada pelo recorrente Facebook e de perda do objeto arguida pelo recorrente Luiz Fernando Lobão afastadas.

2. Mérito. É proibida a veiculação de postagens anônimas, conforme estabelecem os artigos 5º, IV, da Constituição Federal e 57-D da Lei n. 9.504/97. Identificado o fundador da página, deve ser aplicada a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei das Eleições.

3. A determinação judicial de suspensão da página "Vivendo em Santos", até que sejam identificados os seus criadores ou administradores, é medida que vai ao encontro dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que visa a assegurar a observância da norma do mencionado artigo 57-D da Lei n. 9.504/97.

4. A multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) aplicada ao Facebook está em consonância com os critérios de igualdade e justiça, uma vez que é proporcional à capacidade econômica da empresa.

5. Constatado o anonimato, deve ser mantida a decisão que determinou ao Facebook a apresentação dos dados cadastrais dos seus usuários, consoante autoriza o artigo 22 da Lei n. 12.965/2014, que instituiu o Marco Civil da Internet.

6. Anulação parcial da sentença, de ofício, no tocante à determinação de suspensão da página "Mobilização Santista" e do fornecimento dos dados dos responsáveis por ela, bem como de todas as consequências daí advindas, por não terem constado tais pedidos da inicial. Afronta ao princípio da congruência, correlação ou adstrição.

PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSOS DESPROVIDOS. ANULAÇÃO PARCIAL DA SENTENÇA DE OFÍCIO.

(TRE-SP; RECURSO n 2142, ACÓRDÃO de 23.5.2017, Relatora MARLI MARQUES FERREIRA, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 29.5.2017.) (Grifei.)

 

DIREITO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. INTERNET. PÁGINA HOSPEDADA NO FACEBOOK. CRIAÇÃO VOLTADA PARA ATAQUES A DETERMINADO PRÉ-CANDIDATO. EXCLUSÃO DO PERFIL. RECURSO DESPROVIDO.

I. Possui caráter eleitoral perfil hospedado na rede social facebook com o claro propósito de denegrir a imagem de possível candidato ao cargo de governador nas próximas eleições.

II. A princípio, em páginas de discussão e divulgação de idéias na internet somente devem ser consideradas propaganda eleitoral antecipada manifestações de pessoas naturais que degeneram para ofensas pessoais.

III. Expressões de apoio ou de desaprovação a aspirantes a cargos eletivos, ainda que revestidas de entusiasmo ou de crítica contundente, não devem ser reputadas propaganda eleitoral, sob pena de se inviabilizar o debate político e cercear a liberdade de expressão.

IV. De outro lado, traduz propaganda eleitoral antecipada a criação de página em rede social com o propósito específico de organizar, fomentar e disseminar hostilidades eleitorais a determinado pré-candidato.

V. A exclusão do próprio perfil se justifica quando o móvel da sua criação é o ataque a determinado personagem político e não é possível promover a supressão seletiva de mensagens, opiniões e imagens.

VI. Recurso conhecido e desprovido.

(REPRESENTAÇÃO n. 10318, ACÓRDÃO n. 5827 de 02.7.2014, Relator JAMES EDUARDO DA CRUZ DE MORAES OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 121, Data 04.7.2014, Página 3.) (Grifei.)

Imperioso destacar ainda que o art. 57-D, caput, da Lei das Eleições e o art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal garantem a livre manifestação do pensamento, vedando, porém, o anonimato da propaganda eleitoral.

Nesse trilhar, a decisão combatida reconheceu tratar-se de “mensagem anônima” e de “perfil falso”, o que tornou cabível e pertinente o deferimento do pedido de retirada da página eletrônica da rede social.

Contudo, procedida a retirada do perfil anônimo e superado o período de campanhas, exaurido está o objeto da providência, pois os efeitos da medida concedida são adstritos ao período de campanha eleitoral.

Assim, deve ser revogada a determinação cautelar de retirada do perfil em questão, diante da perda de objeto da ação ocasionada pelo encerramento do pleito.

Por outro lado, inviável a declaração de inexistência de anonimato pretendida pelo recorrente.

As possibilidades técnicas de identificação do autor das publicações por intermédio do rastreamento de seu IP, determinado por ordem judicial dirigida aos provedores de acesso, não impedem que se configure o anonimato na internet.

Com efeito, para os fins do art. 57-D, caput, da Lei n. 9.504/97, o anonimato está caracterizado quando não for possível a qualquer leitor comum, de plano, identificar o responsável pelo conteúdo postado, independentemente de considerações sobre eventual movimentação do Judiciário ou obtenção de informações sigilosas junto às empresas e plataformas de navegação na internet.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para revogar a determinação de retirada do aludido perfil do Facebook, ante a superveniente perda de objeto da ação cautelar.