RE - 108 - Sessão: 11/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO MUITO MAIS POR GIRUÁ, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA, PARTIDO DA REPÚBLICA e PARTIDO DOS TRABALHADORES contra a sentença (fls. 1035-1043v.) que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada contra ANDRÉ ADÃO KUHN, LUIS FERNANDO COPETTI DESBESSEL, MAURÍCIO BUTZEN, ADELSIO DE OLIVEIRA PEREIRA, FLADIMIR PEDROSO DE BASTOS E CLÁUDIO FLÁVIO WESCHENFELDER, considerando não caracterizados o recebimento e o gasto irregular de recursos, conforme previsão do art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões recursais (fls. 1052-1066), alegam a realização de gastos com combustível por meio de recursos decorrentes de doações irregulares e de caixa dois. Afirmam que os representados registraram o recebimento de R$ 8.900,00 em doações estimáveis de vale-combustível, embora tenham se valido de R$ 20.243,50, em clara configuração de caixa dois. Aduzem que R$ 6.703,50 não foram declarados na prestação de contas da coligação majoritária, e que o montante de R$ 13.540,00 foi distribuído aos vereadores representados. Sustentam que os gastos referidos eram convertidos em vales-combustível de R$ 10,00 ou R$ 20,00, distribuídos a diversos eleitores em troca de apoio político. Alegam que a distribuição de grande volume de combustível a eleitores ultrapassa o limite da normalidade das eleições e fere a igualdade do pleito. Asseveram que os recorridos declararam a utilização de apenas dois veículos em suas campanhas, número incompatível, portanto, com o volume de combustível declarado, porquanto gastaram R$ 6.842,22 em combustível, possuindo apenas dois veículos cadastrados na campanha. Requerem seja julgada procedente a ação.

Com as contrarrazões (fls. 1071-1089), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 1092-1101v.).

É o relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR

Tempestividade

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 24.5.2017 (fl. 1044), e o recurso foi interposto no dia 26 do mesmo mês (fl. 1052), observando, portanto, o prazo de três dias previsto no art. 30-A, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Inépcia da Inicial

Os recorridos suscitam a inépcia da inicial, pois teria sido formulada com base em suposições, sem a descrição de fatos objetivos, causando prejuízo à defesa.

A preliminar não prospera. Vê-se que a inicial pontuou os pretendidos atos irregulares, como a ausência de registro dos gastos com combustíveis distribuídos para a carreata realizada e a irregular doação estimável de combustível para a campanha, descrevendo os fatos que indicavam a prática de alegadas irregularidades.

Os fatos puderam ser especificamente apurados no decorrer da instrução a partir das alegações tecidas na petição inicial, sendo viável aos representados exercer sua defesa, motivo pelo qual não merece ser acolhida a preliminar suscitada.

 

MÉRITO

No mérito, os recorrentes aduzem que os representados realizaram arrecadação e gastos ilícitos de campanha, prática ilícita prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, evidenciada pelo gasto de R$ 20.243,50 em combustível, distribuídos a eleitores, dos quais R$ 6.703,50 não foram declarados na prestação de contas, e R$ 13.540,00, recebidos de forma irregular pela coligação majoritária, foram distribuídos entre os candidatos a vereador ora representados.

Reproduzo o teor do art. 30-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[...]

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

O dispositivo busca coibir e sancionar o recebimento e o gasto de recursos realizados de forma ilícita, em contrariedade às normas a respeito da prestação de contas. Atualmente se verifica de forma mais clara a importância da fiscalização da movimentação financeira dos candidatos, como fator de repressão à corrupção e garantia da democracia.

Ademais, reconhecida a relevância do financiamento de campanha para o êxito nas urnas, o respeito às regras pertinentes mostra-se fundamental também à defesa da legitimidade do pleito e igualdade entre os candidatos.

Sobre o tema, cito a doutrina de José Jairo Gomes:

É explícito o desiderato de sancionar a conduta de captar ou gastar ilicitamente recursos durante a campanha. O objetivo central dessa regra é fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente, dentro dos parâmetros legais. Só assim poderá haver disputa saudável entre os concorrentes.

O termo captação ilícita remete tanto à fonte quanto à forma de obtenção de recursos. Assim, abrange não só o recebimento de recursos de fontes ilícitas e vedadas (vide art. 24 da LE), como também sua obtenção de modo ilícito, embora aqui a fonte seja legal. Exemplo deste último caso são os recursos obtidos à margem do sistema legal de controle, que compõem o que se tem denominado “caixa dois” de campanha.

[…]

O bem jurídico protegido é a lisura da campanha eleitoral. Arbor ex fructu cognoscitur, pelo fruto se conhece a árvore. Se a campanha é alimentada com recursos de fontes proibidas ou obtidos de modo ilícito ou, ainda, realiza gastos não tolerados, ela mesma acaba por contaminar-se, tornando-se ilícita. De campanha ilícita jamais poderá nascer mandato legítimo, pois árvore malsã não produz senão frutos doentios.

Também é tutelada a igualdade que deve imperar no certame. A afronta a esse princípio fica evidente, por exemplo, quando se compara uma campanha em que houve emprego de dinheiro oriundo de “caixa dois” ou de fonte proibida e outra que se pautou pela observância da legislação. Em virtude do ilícito aporte pecuniário, a primeira contou com mais recursos, oportunidades e instrumentos não cogitados na outra (Direito Eleitoral. 13. ed. 2017, p. 664-665).

A sanção legal prevista para a ofensa ao art. 30-A é a perda do mandato, motivo pelo qual não basta o simples desrespeito à norma alusiva aos recursos e gastos de campanha. O fato deve ter gravidade suficiente capaz de guardar proporcionalidade com a severa penalidade imposta, como já definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

Assim, não bastam meras irregularidades formais no controle de gastos, que devem ser apuradas em prestação de contas, com a pertinente consequência para tanto. A caracterização do ilícito previsto no art. 30-A requer a subversão do próprio sistema legal de financiamento de campanha, burlando as regras de arrecadação e gastos eleitorais, com a consequente vantagem sobre os demais candidatos.

Cito a lição de Rodrigo López Zilio:

Em síntese, a conduta de captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, importa em quebra do princípio da isonomia entre os candidatos, amoldando-se ao estatuído no art. 30-A da LE. No entanto, porque a sanção prevista é exclusivamente de cassação ou denegação do diploma, sem a possibilidade de adoção do princípio da proporcionalidade na fixação das sanções, para a procedência dessa representação haverá a necessidade de prova de que o ilícito perpetrado apresentou impacto mínimo relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais. Nesse diapasão, a conduta de captação ou gastos ilícitos de recursos deve ostentar gravosidade que comprometa seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos, apresentando dimensão que, no contexto da campanha eleitoral, importe um descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo. Neste sentido, o TSE assentou que “para a incidência do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido” (Recurso Ordinário nº 1.540 – Rel. Min. Félix Fischer – j. 28.04.2009). (Direito Eleitoral. 5. ed. 2016, p. 674).

Na hipótese dos autos, aduzem os recorrentes que foram distribuídos R$ 20.243,50 em vale-combustível a eleitores, dos quais R$ 6.703,50 não foram declarados na prestação de contas.

Inicialmente, não há prova nos autos de que os recorridos tenham gasto a quantia alegada pelos recorrentes.

O Ministério Público Eleitoral instaurou expediente investigatório para apurar as denúncias de distribuição de vale-combustíveis a eleitores no Município de Giruá.

O órgão ministerial verificou que os três postos onde eleitores abasteceram com vale-combustível faturaram, na referida data, R$ 11.536,09, R$ 7.281,60 e R$ 14.450,33, o que totaliza um valor de R$ 33.268,02.

Ainda assim, não se pode afirmar que todo o ganho dos postos de combustível tenha derivado unicamente dos vale-combustíveis, nem que todas as compras de combustível eram voltadas à campanha dos representados.

Relativamente à alegada doação de R$ 6.703,50, proveniente de Fernando Pilau (R$ 4.703,50) e José Taborda (R$ 2.000,00), e não declarada nas prestações de contas dos representados, não há qualquer indício de que o combustível adquirido efetivamente tenha sido revertido para a campanha dos candidatos a vereador. Os doadores referidos não foram ouvidos no procedimento investigatório do Ministério Público, nem nos presentes autos, como testemunhas.

Assim, somente por presunção se pode concluir que o combustível adquirido por Fernando e José foi destinado à campanha dos representados, não havendo provas do alegado recebimento de doações não contabilizadas.

Também não justifica a pretendida procedência da representação a incompatibilidade entre o volume de gastos com combustível e o número de veículos declarados na campanha dos candidatos, pois a prova dos autos indica que os vale-combustíveis foram distribuídos entre apoiadores da campanha dos representados, para participarem da carreata realizada no dia 25 de setembro.

No tocante à irregularidade da arrecadação dos combustíveis, os quais eram adquiridos por terceiras pessoas nos postos de combustível e convertidos em vales para serem empregados em atos de campanha, incluindo a carreata realizada no dia 25.9.2016, contrariando a vedação de doações estimáveis em espécie que não constituem produto do trabalho do doador, tal falha foi analisada nas prestações de contas individuais dos candidatos a vereador, concluindo esta Corte que o procedimento adotado pelos candidatos não inviabilizou o controle da origem das doações, levando à aprovação com ressalvas dessas contas, como se verifica pela seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Bens ou serviços estimáveis em dinheiro. Art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Os bens ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço ou de sua atividade econômica. Doação em desconformidade com o citado regramento. Considerando o valor doado de pequena monta, e a possibilidade de identificação do doador, plausível fazer uso dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, RE 151-23, rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julgado em 11.5.2017.)

Assim, apesar da irregularidade no registro contábil da campanha dos representados, não há evidências de práticas ilícitas.

O tema já foi objeto de apreciação nesta Casa por oportunidade do julgamento do RE n. 254-30, cuja instrução foi aproveitada nos presentes autos, como prova emprestada.

Naquele feito reconheceu-se a ausência de provas a respeito do alegado caixa dois e dos gastos ilícitos de campanha, confirmando a sentença de improcedência da ação, como se verifica pela ementa extraída da decisão:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO OU GASTO ILÍCITO DE RECURSOS. ART. 30-A DA LEI n. 9.504/97. COMBUSTÍVEL. DOAÇÃO IRREGULAR. OMISSÃO DO GASTO. NÃO DEMONSTRADO. IMPROCEDÊNCIA. TEMPESTIVIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE PROVAS. DESPROVIMENTO. ELEIÇÃO 2016.

1. Preliminares. 1.1) Tempestividade. A alteração do horário de funcionamento da zona eleitoral não pode prejudicar o direito de acesso ao Judiciário, ainda que a mudança esteja amparada em portaria. Petição do recurso encaminhado por e-mail institucional do cartório dentro do horário de expediente ordinário da Justiça Eleitoral (18h18min). No primeiro horário do dia seguinte, juntada a petição original. Má-fé não vislumbrada, tampouco prejuízo às garantias processuais; 1.2) A atribuição de culpa à servidora do cartório por informação equivocada, levando à perda do prazo recursal, não autoriza a condenação por litigância de má-fé. Ademais, o conhecimento do recurso deu-se independentemente da alegada informação da servidora acerca do horário de fechamento do cartório; 1.3) Descritos na petição inicial os fatos supostamente irregulares. Inépcia não configurada.

2. Qualquer partido poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 dias da diplomação, para apurar condutas relativas a arrecadação e gastos ilícitos de recursos. O art. 30-A da Lei das Eleições tem por desiderato fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente. Sanção de cassação ou denegação do diploma deve ser proporcional à gravidade da conduta praticada, devendo ser aplicada quando comprometer seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos.

3. Suposta distribuição de vales-combustível a eleitores, em valor expressivo, do qual uma parte seria oriunda de doação irregular, e outra não teria sido declarada na prestação de contas. Inexistente prova de que os recorridos tenham despendido com combustíveis a quantia informada na inicial. Ainda que as doações não derivem da própria atividade dos doadores, os recursos foram declarados na prestação de contas e identificadas as suas origens.

4. Existência de recibos eleitorais não declarados na prestação de contas. Ausência de indício de que o gasto correspondente tenha sido revertido para a campanha dos representados. Doadores não foram ouvidos no procedimento investigatório do Ministério Público, nem judicialmente, não havendo provas do alegado recebimento de doações não contabilizadas.

5. Gasto desproporcional em combustível para o uso em apenas dois veículos declarados na prestação de contas. Apurada a utilização de cinco veículos na campanha, além da destinação de parte desse valor para abastecer os carros que participaram de carreata.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE 254-30, Rel. Dr. Jamil A. H. Bannura, julgado em 02.8.2017.)

Assim, tratando basicamente dos mesmos fatos e versando as mesmas provas daquele feito, deve ser mantido o juízo de improcedência da ação firmado pelo juízo de primeiro grau.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO por afastar a preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.