RE - 63930 - Sessão: 03/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO UNIÃO POR HULHA NEGRA, CARLOS RENATO TEIXEIRA MACHADO E MARCO IGOR BALLEJO CANTO contra sentença que julgou improcedente a representação por eles ajuizada em desfavor de ERONE PEDRINHO LONDERO e COLIGAÇÃO HULHA NEGRA NO RUMO CERTO, pela prática das condutas vedadas previstas nos incs. III e V do art. 73 da Lei n. 9.504/97 (fls. 137-139).

A inicial imputou a Erone Pedrinho Londero, na qualidade de prefeito de Hulha Negra e candidato à reeleição, as seguintes condutas ilícitas: a) extinção, sem qualquer justificativa, do Convênio 006/2016, firmado com o Município de Bagé e que tratava da permuta das professoras Marinês Linhares de Andrade e Cláudia Angélica Fernandes Pereira, incidindo na vedação prevista no art. 73, inc.V, da Lei n. 9.504/97; b) utilização dos servidores públicos municipais Tiago José de Souza Meirelles e Ana Lídia de Oliveira Munhoz para que prestassem serviços de campanha (art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97).

A sentença julgou improcedente a representação.

Em seu recurso, a Coligação União por Hulha Negra, Carlos Renato Teixeira Machado e Marco Igor  Ballejo Canto pediram a reforma da sentença, dizendo que a ruptura unilateral do convênio de permuta ocorreu à revelia das professoras envolvidas e que houve a utilização de servidores municipais na campanha do recorrido Erone Pedrinho Londero.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento do recurso da Coligação União por Hulha Negra e outros, reconhecendo-se a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei das Eleições (fls. 151-157v.)

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Antes de adentrar na análise do recurso interposto, convém tecer algumas considerações.

A Lei n. 9.504/97 ostenta capítulo específico sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, na formulação trazida nos arts. 73 a 78.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 5. ed. Editora Verbo Jurídico, p. 585-586) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

[...]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual violação à normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

[...]

Exigir prova da potencialidade da conduta na lisura do pleito equivale a um esvaziamento do comando normativo, porquanto imporia um duplo ônus ao representante: a prova da adequação do ilícito à norma (legalidade estrita ou taxatividade) e a prova da potencialidade da conduta. A adoção dessa implica o esvaziamento da representação por conduta vedada, pois, caso necessária a prova da potencialidade, mais viável o ajuizamento da AIJE – na qual, ao menos, não é necessária a prova da tipicidade da conduta. Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. As hipóteses relativas às condutas vedadas são taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira).

Traçados esses parâmetros, procedo à análise do apelo.

A inicial imputava a prática de duas condutas a Erone Pedrinho Londero:

a) Extinção, sem qualquer justificativa, do Convênio 006/2016, firmado com o Município de Bagé e que tratava da permuta das professoras Marinês Linhares de Andrade e Cláudia Angélica Fernandes Pereira, incidindo na vedação prevista no art. 73, inc.V, da Lei n. 9.504/97;

b) Utilização dos servidores públicos municipais Tiago José de Souza Meirelles e Ana Lídia de Oliveira Munhoz para que prestassem serviços de campanha (art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97).

Entretanto, ao exame do texto legal e dos elementos de prova, não há como reconhecer infração à Lei n. 9.504/97, consoante muito bem analisado pelo juízo a quo:

No mérito, duas são as condutas questionadas pelos representantes. O primeiro fato diz com suposta ofensa ao disposto no 73, V, da Lei nº 9.504/97, ao extinguir, o representado, sem qualquer justificativa, o Convênio 006/2016, firmado com o Município de Bagé e que tratava da permuta das professoras Marines Linhares de Andrade e Cláudia Angélica Fernandes Pereira, removendo-as de suas atividades logo após o pleito eleitoral.

Dispõe o mencionado artigo:

“Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários."

Analisando a conduta imputada aos representados, contudo, entendo que a mesma não se enquadra em nenhuma das hipóteses acima proibidas pela lei. Com efeito, a extinção de convênio com o Município de Bagé, que previa a permuta de servidores, com o consequente retorno da servidora do Município de Hulha Negra, que estava prestando serviços para o Município de Bagé, não se amolda nas previsões de vedação a remoção, transferência ou exoneração de servidor público.

Na hipótese se está diante de convênio precário, cuja conveniência e oportunidade na manutenção do mesmo está adstrita à valoração da administração pública municipal, não cabendo ao Poder Judiciário, a não ser no caso de evidente abuso de poder, de perseguição, interferir na decisão ou no mérito administrativo. De todo modo, não há nos autos qualquer prova, seja nos documentos acostados, seja na prova oral colhida, a indicar que as motivações do ato tenham sido políticas ou tenham qualquer relação com a campanha eleitoral.

Como bem mencionado no parecer do Ministério Público, não houve qualquer ato tendente a dificultar ou impedir o exercício funcional, tampouco remoção, transferência de ofício das servidoras, mas simples extinção de um convênio celebrado precariamente pelas administrações municipais. Ainda, mencionou o ilustre Parquet, com o que concordo e me valho como razão de decidir, que não houve, no ato alegado, qualquer interferência na igualdade de oportunidades entre os candidatos, já que a extinção do convênio se deu após o período eleitoral, ocasião em que o representante havia vencido a eleição.

Além disso, repito, inexiste sequer adminículo de prova de que tenha ocorrido qualquer tipo de perseguição funcional em função da eleição, existindo inclusive indícios de participação da servidora em atos de campanha em favor do representado. Logo não há provas de que a conduta em análise tenha dado prevalência a interesses políticos em detrimento do bom andamento da administração pública.

A segunda conduta questionada pelos autores está descrita no artigo 73, III da Lei nº 9.504/97, assim redigida:

“Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;[…]

Alegou a parte autora que o demandado teria cedido os servidores Tiago Meirelles e Ana Lidia Munhoz, servidores municipais, para prestarem serviços em favor dos representados durante o período eleitoral.

Analisando os autos, bem como a prova a ele carreada, verifico que não há como ser acolhida a representação, também no ponto, porquanto não restou demonstrada a prática da conduta imputada aos demandados.

O servidor Tiago Meirelles exerce cargo em comissão de Procurador Jurídico, conforme documento da fl. 42. Já a servidora Ana Lídia é contadora concursada do Município de Hulha Negra (fl. 37). Ambos, fato incontroverso, prestaram serviços para os demandados, durante o período eleitoral, na condição, respectivamente, de advogado e de contadora.

Tal fato, contudo, por si só, não é apto a ensejar a procedência da representação. O que a legislação veda, conforme acima transcrito, é a cedência ou o uso da prestação do serviço do servidor público em favor de partido político, candidato ou coligação, durante o horário de expediente normal.

Em outra palavras, a vedação em questão se justifica para impedir a quebra da isonomia entre os candidatos, mediante utilização da força de trabalho do servidor público, durante período em que o mesmo deveria estar prestando seus serviços em favor da administração pública, favorecendo um candidato em detrimento de outro (geralmente o candidato apoiado pelo gestor público que detém poder sobre o servidor).

E isso não encontra suporte na prova produzida nos autos.

O servidor Tiago possui vínculo com o Município de Hulha Negra, exercendo cargo em comissão de procurador jurídico, não tendo horário pré-definido. Ademais, a prova dos autos não indica que o profissional tenha atuado em favor dos representados, em detrimento do trabalho que deveria desempenhar junto à municipalidade.

Do mesmo modo, não existe nos autos qualquer prova de que a servidora Ana Lídia, que tem horário de 40 horas semanais a cumprir junto ao Município de Hulha Negra, tenha atuado durante tal horário, em benefício dos representados. Outrossim, não há nos autos elementos de prova a demonstrarem que ambos os profissionais estivessem vedados de atuar de modo particular, fora do expediente que cumpriam junto ao Município de Hulha Negra, ônus que competia aos representantes. Pelo contrário, a legislação municipal juntada, pertinente aos cargos ocupados pelos servidores, não indicam a obrigação de dedicação exclusiva, nem vedam o exercício de atividades profissionais compatíveis com o horário que cumpriam por conta do vínculo mantido com o Poder Público. Diante disso, a única conclusão possível é de que não se pode acolher os argumentos expostos na representação, que deve ser julgada improcedente.

Acerca da extinção do convênio que tratava da permuta entre as servidoras, a douta Procuradoria Eleitoral opinou pelo reconhecimento da conduta vedada do inc. V do art. 73 da Lei n. 9.504/97, pois esse ato teria dificultado o exercício funcional.

Com efeito, há de ser feito um esclarecimento.

O convênio entre os municípios de Bagé e Hulha Negra permitia que a professora Marinês, concursada em ambos os municípios, Bagé e Hulha Negra, exercesse suas atividades, em dois turnos, apenas em Hulha Negra, sendo que a professora Claudia, concursada pelo município de Hulha Negra, exercia suas atividades em Bagé.

Com a extinção do convênio, ambas as servidoras tiveram de retornar aos seus órgãos e municípios de origem. Essas servidoras tinham prestado concurso para os municípios de Bagé e Hulha Negra e deveriam prestar serviços nesses órgãos.

Por meio do convênio, oportunizou-se, excepcionalmente, que as professoras exercessem o magistério em local diverso para o qual haviam prestado concurso e logrado aprovação.

Equivale dizer que, com o fim dessa situação excepcional e precária, as servidoras apenas passaram a cumprir o contrato de trabalho no local ordinário, ou seja, no município correspondente.

Portanto, não há como verificar no ato do agente público ato que tenha dificultado o exercício funcional, nem mesmo a remoção ou transferência de ofício das servidoras públicas, mas simplesmente a extinção de um convênio celebrado precariamente entre as administrações municipais de Bagé e Hulha Negra.

Reforça esse entendimento o depoimento da professora Claudia (mídia da fl. 109-A), no sentido de que era sabedora que, tendo feito concurso em Hulha Negra, deveria prestar serviços neste município. O mesmo se diga em relação à Marinês, como concursada em Bagé e Hulha Negra.

Dessa forma, nada de irregular no ato, devendo ser mantida a sentença de improcedência.

Quanto à segunda conduta, utilização dos servidores públicos municipais Tiago José de Souza Meirelles e Ana Lídia de Oliveira Munhoz (art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97), igualmente não merece reparos a decisão monocrática.

Apesar de incontroverso o fato de ambos terem trabalhado na campanha do recorrido, os autos carecem de provas que os serviços tenham sido prestados durante o horário de expediente.

Diante do exposto, VOTO no sentido de negar provimento ao recurso da COLIGAÇÃO UNIÃO POR HULHA NEGRA, CARLOS RENATO TEIXEIRA MACHADO E MARCO IGOR BALLEJO CANTO, ao efeito de manter a sentença de improcedência.