RE - 63369 - Sessão: 10/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por JOSUÉ FRANCISCO DA SILVA LONGO, JOÃO ANTÔNIO BORDIN e pela COLIGAÇÃO JUNTOS POR MARAU (fls. 1217-1243) em face da sentença (fls. 1198-1208) que julgou improcedente a Ação de investigação Judicial Eleitoral ajuizada em desfavor de IURA KURTZ, RUI CARLOS GOUVÊA e CARLITO SILVESTRI, por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.

Peço vênia para transcrever o relatório da sentença, que bem sintetiza os principais atos processuais:

JOSUÉ FRANCISCO DA SILVA LONGO, JOÃO ANTÔNIO BORDIN e COLIGAÇÃO JUNTOS POR MARAU ajuizaram a presente ação de investigação judicial eleitoral em face de IURA KURTZ, RUI GOUVEA e CARLITO SILVESTRE.

Os proponentes alegam, em linhas gerais, que, na eleição majoritária do Município de Marau em 2016, ocorreu um 'abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação social, nos termos do art. 22, caput, da LC 64/90', por parte do Jornal de Marau e da Rádio Vang FM, pertencentes ao mesmo grupo de comunicação.

Em minudência, sustentam ter sido imputada a prática de compra de votos ao candidato à reeleição Josué Longo na reta final da eleição, especificamente em 17.9.2016, 'em reportagem jornalística omissa e negligente, com a falsa notícia, também, de abertura de inquérito policial para apurar os fatos'.

Questionam a manchete 'compra de votos?' e a afirmação sobre a abertura de inquérito policial, precipuamente pelo fato de o Boletim de Ocorrência citado na reportagem não realizar qualquer menção sobre a prática de captação ilícita de sufrágio e por não haver a instauração de inquérito policial.

Realçam uma indicada desídia dos órgãos de comunicação, por não terem ouvido o noticiante Aguilar Ruas, as pessoas mencionadas no Boletim de Ocorrência e os noticiados Josué e Jair.

Acrescem ainda ter havido o descumprimento da ordem judicial que concedera o direito de resposta, 'prejudicando a reposição da verdade no tempo e na forma exigida, inclusive com a utilização de artifícios ardis'. Destacam que, mesmo no momento de veiculação do direito de resposta, houve o descumprimento da ordem, com a omissão de trechos e a diminuição da tiragem.

Asseveram que a conduta fora praticada igualmente pela Rádio Vang FM, que divulgou as mesmas notícias em seu sítio virtual.

Imputam a existência de uma ligação entre esses órgãos de comunicação e o eleito Iura Kurtz, que, até o prazo de desincompatibilização, laborava em favor da Rádio Vang FM. Indicam ainda outros fatos para a demonstração da ligação, como a participação do eleito, depois do pleito, na cerimônia de recebimento de prêmio pela equipe da Rádio Vang FM e a participação do requerido Carlito como candidato, nas eleições de 2012, com o mesmo Vice-Prefeito eleito, Rui Gouvea.

Afirmam que a conduta reveste-se de gravidade suficiente para afetar a lisura da disputa entre os candidatos Josué Longo e Iura Kurtz, este eleito Prefeito por uma pequena diferença de votos (623 votos).

Requerem 'a condenação dos Representados Iura Kurtz, Rui Gouvea e Carlito Silvestri (...), sendo declarados inelegíveis pelos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2016' e 'a cassação dos registros de candidatura de Iura Kurtz e Rui Gouvea (se ainda não houverem sido diplomados), ou de seus diplomas (caso diplomados)'.

Com a inicial, os documentos de fs. 41/784.

Intimados os proponentes para a regularização da representação processual e documentação (f. 786), com atendimento às fs. 787/789.

Recebida a inicial (f. 791).

Notificado, o requerido Carlito Silvestri apresentou defesa às fs. 803/812.

Primeiramente, o requerido sublinha o direito constitucional à liberdade de expressão, em especial para os jornais impressos, aos quais se permite a assunção de posição em relação a determinada candidatura.

Contrapõe que, segundo o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, uma única publicação jornalística não caracteriza o uso indevido dos meios de comunicação social.

Afirma que, em entrevista concedida pelo Promotor Eleitoral em 23.9.2016, externou-se que o caso já era de conhecimento do Ministério Público antes da publicação do Jornal de Marau e que teriam sido adotadas três linhas de investigação, inclusive com a requisição de instauração de inquérito policial.

Ressalta que a reportagem indica o número da ocorrência policial ainda na capa e se utilizou desse documento público para a informação do leitor.

Rechaça a tentativa de configuração da gravidade da conduta pela contabilização da diferença de votos; assevera que a equipe do Jornal de Marau tentou, por diversas vezes, contato com o candidato Josué, mas não obteve êxito; explica os motivos da não veiculação do direito de resposta na edição do dia 24.9; reafirma não ter havido diferença entre as tiragens da edição que veiculou a notícia-crime e o direito de resposta; nega que seja filiado a qualquer partido político e indica a inexistência de impedimento legal para a candidatura de comunicadores.

Com a defesa, os documentos de fs. 813/828.

Notificados, Iura Kurtz e Rui Carlos Gouvea apresentaram defesa às fs. 833/858.

Destacam, no início, que a inicial se fundamenta em um único fato, reconhecendo, assim, que não teria havido 'uma atuação massiva e opressora a fim de caracterizar um linchamento moral dos Representantes'.

Afirmam que não participaram, em momento algum, da publicação realizada pelos órgãos de comunicação.

Noticiam que o fato objeto da reportagem foi objeto da AIJE n. 329-70.2016.6.21.0062, a qual fora julgada improcedente em 1º Grau, mas que ainda está submetida à análise de recurso.

Asseveram ter havido, no mínimo, 'a atuação nociva dos agora Representantes e poderia caracterizar violação da legislação eleitoral, como pretendeu o Ministério Público eleitoral quando de sua manifestação em sede de alegações finais'.

Ressaltam a existência de um interesse público sobre a notícia-crime e argumentam que a publicação decorreu do exercício regular da liberdade de expressão.

Opõem que, diante da publicação da notícia questionada, os proponentes não se mantiveram inertes, efetuando a distribuição de folhetos, além de terem publicado, em outros dois semanários locais, a sua versão sobre os fatos, citando, inclusive, um trecho da Sentença proferida na AIJE 335- 77.2016.6.21.0062.

Argumentam que a inexistência de influência no resultado das eleições está demonstrada pelo próprio destino da AIJE 335- 77.2016.21.0062, bem como pelo fato de o outro 'denunciado', Jair Roy, candidato a vereador, ter realizado ainda mais votos do que na eleição anterior.

Citam ainda o histórico eleitoral no Município de Marau, a fim de demonstrar que, usualmente, é pequena a diferença de votos entre os candidatos das eleições majoritárias e transcrevem precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que exigem mais do que a referência genérica à gravidade da conduta para a conclusão sobre a afetação da normalidade e legitimidade do pleito.

Por fim, alegam não haver irregularidade pela preexistência de um vínculo laboral entre o eleito Iura Kurtz e a Rádio Vanguarda FM, em face da desvinculação a tempo e modo devidos.

Pugnam pela improcedência.

Com essa defesa, os documentos de fs. 860/895.

Aberta a fase instrutória, com a determinação da produção de provas (f. 896).

Realizada a audiência para a produção de prova oral (fs. 907/908), ocasião em que deferidas as diligências finais pleiteadas.

Prova documental acostada às fls. 909/920 (produzida em audiência), fls. 928/1.066 (produzida pelos proponentes) e fs. 1.067/1.101 (em referência a diligência final deferida).

Sobrevieram manifestações às fs. 1.107/1.110, 1.111/1.114 e 1.115.

Indeferido o desentranhamento de documentos e encerrada a instrução (f. 1.119).

Alegações finais às fs. 1.130/1.152, 1.153/1.171 e 1.1184/1.193.

O Ministério Público Eleitoral opinou pela improcedência dos pedidos (fs. 1.174/1.182).

Sobreveio sentença de improcedência no sentido de não ter sido verificada a ilicitude da publicação nem a gravidade da conduta a ponto de interferir na normalidade ou na legitimidade do pleito.

Inconformados, JOSUÉ FRANCISCO DA SILVA LONGO, JOÃO ANTÔNIO BORDIN e COLIGAÇÃO JUNTOS POR MARAU interpuseram recurso alegando que o abuso dos meios de comunicação está devidamente demonstrado, requerendo o provimento do apelo.

Com contrarrazões (fls. 1253-1273 e 1274-1283), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Antes de adentrar no mérito, convém trazer algumas considerações sobre abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.

O art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 prescreve:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

O abuso de poder, em qualquer das suas formas, é instituto de textura aberta, não sendo definido por fórmulas legais taxativas, mas pelo conteúdo teleológico ou finalístico da conduta, quais sejam, ações ou omissões que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica ou do emprego regular dos veículos de imprensa, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

O reconhecimento do abuso ou do uso indevido dos meios de comunicação social não resulta da subsunção das condutas a tipos legais fechados, mas da verificação da gravidade dos fatos, direcionados a influenciar o eleitorado e capazes de interferir na normalidade e na legitimidade do pleito, bem jurídico protegido.

Esse o entendimento jurisprudencial:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ENTIDADE SINDICAL. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO.

1. Com base na compreensão da reserva legal proporcional, compete à Justiça Eleitoral verificar, baseada em provas robustas admitidas em Direito, a ocorrência de abuso de poder, suficiente para ensejar as severas sanções previstas na LC nº 64/1990. Essa compreensão jurídica, com a edição da LC nº 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento desse ilícito poderá afastar o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alíneas d, h e j, da LC n. 64/1990).

2. A normalidade e a legitimidade do pleito, referidas no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, decorrem da ideia de igualdade de chances entre os competidores, entendida assim como a necessária concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, sem a qual se compromete a própria essência do processo democrático.

3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, "o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. Já o uso indevido dos meios de comunicação se dá no momento em que há um desequilíbrio de forças decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros" (REspe n. 4709-68/RN, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10.5.2012).

4. Conquanto algumas das publicidades realizadas pelo sindicato tenham sido julgadas regulares pela Justiça Eleitoral, outras extrapolaram os limites da liberdade de expressão e revelaram propaganda eleitoral negativa. Contudo, não há, na hipótese dos autos, fato grave a ensejar condenação, pois, nos termos da nova redação do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/1990, não se analisa mais a potencialidade de a conduta influenciar no pleito (prova indiciária da interferência no resultado), mas "a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". Entendimento que não exclui a possibilidade de eventuais publicidades irregulares serem analisadas em outra ação e em conjunto com outros possíveis ilícitos eleitorais. Conforme a jurisprudência deste Tribunal, "a caracterização do abuso do poder econômico não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas que demonstrem a gravidade dos fatos. Precedentes" (REspe n. 518-96/SP, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 22.10.2015).

5. Recurso ordinário desprovido.

(Recurso Ordinário n. 457327, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 185, Data 26.9.2016, Página 138-139.) (Grifei.)

No caso, os recorrentes alegam ter havido "abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação social, nos termos do art. 22, caput, da LC n. 64/90", por parte do Jornal de Marau e da Rádio Vang FM, pertencentes ao mesmo grupo de comunicação.

Aduzem ter sido imputada a prática de compra de votos ao candidato à reeleição Josué Longo na reta final da eleição, especificamente em 17.9.2016, "em reportagem jornalística omissa e negligente, com a falsa notícia, também, de abertura de inquérito policial para apurar os fatos".

Os contornos da lide, a análise da prova e a conclusão do magistrado não merecem reparos:

Está-se diante, conforme exposto no relatório, de uma ação de investigação judicial eleitoral em que se apura o uso indevido de meios de comunicação. Há menção, ainda, mas sem a devida exposição da causa de pedir, à ocorrência de um abuso de poder econômico, o que se enfrentará no fechamento da presente fundamentação.

Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, "o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. Já o uso indevido dos meios de comunicação se dá no momento em que há um desequilíbrio de forças decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros" (REspe nº 4709-68/RN, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10.5.2012).

Ao se examinar uma alegação de uso indevido de meios de comunicação pelo entrelace de questões de fato e de direito, compete a aferição da natureza do meio de comunicação, isto é, se se está diante de uma empresa televisiva ou de radiodifusão, de um lado, ou da imprensa escrita, do outro, bem como a percepção da ilicitude e da gravidade da conduta, em face da necessidade de se garantir o exercício legítimo da liberdade de expressão e a soberania popular.

Sobre o primeiro ponto (natureza do meio de comunicação), historia-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.451/DF1, ainda sem solução definitiva, ao deliberar sobre a constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), decidiu, por maioria, conceder a liminar para suspender a eficácia do inciso II, que tratava da utilização de trucagem, montagem e outros recursos que degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação e da parte final do inciso III, que proibia a difusão de opinião favorável ou contrária a candidato, partido ou coligação em período eleitoral, ambos do artigo 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo dispositivo.

Segundo o Relator, Ministro Ayres Britto, em seu voto vencedor, haveria um dever de omissão do Estado em matéria de liberdade de expressão, de modo que esse não poderia, por qualquer de seus órgãos, definir previamente o que pode ou não pode ser dito. O Relator reconheceu o humorismo como um estilo de fazer imprensa, representando uma forma de pensamento crítico e que, assim, gozaria das garantias constitucionais atribuídas à imprensa. Em relação ao inciso III, não obstante tenha reconhecido um dever de imparcialidade dos órgãos de rádio e televisão, por dependerem de outorga do Estado, diferentemente da mídia escrita, sustentou que tal característica não impediria a opinião ou crítica jornalística, desde que não descambe para o encampamento ou repúdio de um ou outra campanha eleitoral, o que deve ser avaliado em cada caso concreto.

Essa distinção é observada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Em ilustração, cita-se o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. USO INDEVIDO DE MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. IMPRENSA ESCRITA.

1. Não viola o dever de fundamentação dos provimentos jurisdicionais (art. 93, IX, da Constituição Federal e art. 489, § 10, do Código de Processo Civil/2015) a decisão que analisa os fatos e argumentos contemplados nos acórdãos recorridos.

2. No julgamento do recurso especial eleitoral, a análise da matéria é delimitada pelo quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias. Preliminar de nulidade rejeitada.

3. Esta Corte Superior, ao analisar a diferença de regimes jurídicos entre os meios de comunicação social, assentou que "a diversidade de regimes constitucionais aos quais submetidos, de um lado, a imprensa escrita - cuja atividade independe de licença ou autorização (CF, art. 220, § 60) -, e, de outro, o rádio e a televisão - sujeitos à concessão do poder público - se reflete na diferença marcante entre a série de restrições a que estão validamente submetidos os últimos, por força da legislação eleitoral, de modo evitar-lhes a interferência nos pleitos, e a quase total liberdade dos veículos de comunicação escrita" (AC n. 12-41, Rel. Mm. Sepúlveda Pertence, DJE de 3.2.2006).

4. É pacífico na jurisprudência do Tribunal Eleitoral que "os veículos impressos de comunicação podem assumir posição favorável em relação a determinada candidatura, inclusive divulgando atos de campanha e atividades parlamentares, sem que isso caracterize por si só uso indevido dos meios de comunicação social, devendo ser punidos pela Justiça Eleitoral os eventuais excessos. Ausência de ilicitude no caso dos autos" (REspe n. 468-22, rel. Mm. João Otávio de Noronha, DJE de 16.6.2014).

5. Igualmente, é assente que "o abuso do poder econômico não pode ser presumido, reclamando, para sua configuração, a comprovação da gravidade das circunstâncias do caso concreto que caracterizam a prática abusiva, de forma a macular a lisura da disputa eleitoral, nos termos do art. 22, )(Vl, da LC n0 64/90 (AgRREspe n. 349-15/TO, Rel. Mm. Dias Toifoli, DJE de 27.3.2014 e REspe n. 130-68/RS, rel. Mm. Henrique Neves, DJE de 4.9.2013)"

Agravos regimentais aos quais se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 56729, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 07/06/2016)

Em relação ao segundo ponto (licitude e gravidade), parte-se de uma percepção democrática que protege o exercício da liberdade de expressão e impede a utilização de artifícios capazes de provocar um chilling effect - reporta-se aqui a toda explanação realizada na RP 33055, especificamente na Sentença que reconheceu a existência de direito de resposta em face da matéria questionada também neste processo (fs. 217/231).

Nos dizeres do Tribunal Superior Eleitoral,

1. As liberdades de expressão, de imprensa e de informação, em um Estado Democrático, ostentam, ao meu sentir, uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades. A rigor, a liberdade de expressão e seus corolários liberdade de imprensa e de informação consubstanciam pressupostos ao adequado funcionamento das instituições democráticas, reclamando, para a sua concretização, a existência da livre circulação de ideias no espaço público. 2. A exteriorização de opiniões, por meio da imprensa escrita, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis, faz parte do processo democrático, não podendo, bem por isso, ser afastada, sob pena de amesquinhá-lo e, no limite, comprometer a liberdade de expressão, legitimada e legitimadora do ideário de democracia. (...)” (Agravo de Instrumento n. 98335, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 66, Data 03.4.2017, Página 75-76)

Se constatada a ilicitude da veiculação jornalística, para fins da imputação das relevantes consequências jurídicas do reconhecimento do uso indevido dos meios de comunicação, exige-se ainda a demonstração da gravidade da conduta, “marcada pela numerosa reiteração do ilícito, da capacidade de convencimento do veículo, entre outros requisitos, o que não se imagina quando o alegado ilícito fora veiculado em duas ou, quando muito, cinco edições de um jornal, sendo certo que alguns trechos das matérias veiculadas, transcritas na moldura fática do acórdão regional, sequer revelam uma conduta tendenciosa, mas apenas uma constatação de um acontecimento político ocorrido no município” (Recurso Especial Eleitoral n. 60061, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume , Tomo 55, Data 21.3.2016, Página 46-47).

Com efeito, um regime democrático exige a existência e o respeito de instrumentos que garantam a soberania popular, exercitada pelo voto, reservando para condutas deveras graves a possibilidade de interferência de outros Poderes. Conforme já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, “nos termos do escólio do Professor Ministro LUIZ FUX, a retirada de determinado candidato investido em mandato, de forma legítima, pelo batismo popular, somente deve ocorrer em bases excepcionalíssimas, notadamente em casos gravosos de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio manifestamente comprovados nos autos. (Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 115-116). Esta lição doutrinária leva à conclusão de que meras alegações, alvitres ou suposições de ilícitos, se não lastreados em dados concretos e empíricos, coerentes e firmes, não bastam à formação de juízo de condenação capaz de elidir a legitimidade do mandato popular obtido nas urnas” (Ação Cautelar n. 45449, Acórdão, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 14.3.2017).

A identificação do respectivo padrão decisório pode ser extraído dos seguintes precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, com a observação das realidades fáticas que não foram suficientes para a configuração do abuso na utilização dos meios de comunicação social:

ELEIÇÕES 2012. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADOR. SUPOSTO ABUSO NA UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. IMPRENSA ESCRITA. RECURSOS PROVIDOS.

1. Com base na compreensão da reserva legal proporcional, a cassação de diploma de detentor de mandato eletivo exige a comprovação, mediante provas robustas admitidas em Direito, de abuso grave o suficiente a ensejar essa severa sanção, sob pena de a Justiça Eleitoral substituir-se à vontade do eleitor. Compreensão jurídica que, com a edição da LC nº 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento do abuso de poder, além de ensejar a grave sanção de cassação de diploma, afasta o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alínea d, da LC n. 64/1990).

2. Na lição do Ministro Sepúlveda Pertence, a imprensa escrita tem "quase total liberdade" (MC n. 1.241/DF, julgada em 25.10.2002), sendo que o transbordamento, com repercussão eleitoral, exige conduta absolutamente grave, marcada pela numerosa reiteração do ilícito, da capacidade de convencimento do veículo, entre outros requisitos, o que não se imagina quando o alegado ilícito fora veiculado em duas ou, quando muito, cinco edições de um jornal, sendo certo que alguns trechos das matérias veiculadas, transcritas na moldura fática do acórdão regional, sequer revelam uma conduta tendenciosa, mas apenas uma constatação de um acontecimento político ocorrido no município.

3. Conforme ressaltado no julgamento do RO n. 725/GO, redator para o acórdão Min. Caputo Bastos, em 12.4.2005, a imprensa escrita atinge um contingente muito menor de eleitores do que outros meios de comunicação, como a televisão e o rádio. Especialmente em se tratando de certos jornais de que a sociedade em geral é destinatária, distribuídos e lançados durante a madrugada nas residências, sabe-se da atenção devotada a essas publicações, razão pela qual imaginar que eles atingiram e influenciaram um número considerável de eleitores revela um otimismo bastante grande, mormente quando veiculados em poucas edições e para um eleitorado bastante expressivo para eleições municipais - aproximadamente 160 mil eleitores.

4. Recursos providos.

(Recurso Especial Eleitoral n. 60061, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume , Tomo 55, Data 21.3.2016, Página 46-47.)

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, é lícita a gravação ambiental realizada em local público, sem resguardo do sigilo, inexistindo violação ao direito de privacidade constante do art. 5º, X, da CF/88. Precedentes.

2. A utilização da estrutura da Igreja Universal do Reino de Deus para promoção dos recorrentes em detrimento de seus adversários políticos, em somente dois cultos celebrados no início do mês de outubro do ano da eleição, é incapaz de configurar o abuso do poder econômico, por se tratar de condutas isoladas. Ademais, não há evidências de que as celebrações tenham sido televisionadas ou propagadas por outros meios, tampouco provas que revelem a quantidade de pessoas nelas presentes, de modo que não é possível estabelecer sequer um indício da repercussão da conduta na legitimidade e na lisura da eleição.

3. A veiculação de somente quatro programas de televisão, sem quaisquer informações nos autos sobre sua audiência, em que a suposta propaganda subliminar teria sido realizada por meros três segundos, sem menção expressa ao pleito, tampouco participação dos recorrentes, não tem o condão de configurar o uso indevido dos meios de comunicação social no contexto de uma eleição para o cargo de governador

4. Recursos ordinários do Partido Republicano Brasileiro, de Marcelo Crivella e de José Alberto da Costa Abreu providos para se julgarem improcedentes os pedidos formulados na ação de investigação judicial eleitoral. Prejudicado o recurso do Ministério Público Eleitoral. (Recurso Ordinário nº 795038, Acórdão, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 209, Data 05/11/2015, Página 60)

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ENTIDADE SINDICAL. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO.

1. Com base na compreensão da reserva legal proporcional, compete à Justiça Eleitoral verificar, baseada em provas robustas admitidas em Direito, a ocorrência de abuso de poder, suficiente para ensejar as severas sanções previstas na LC n. 64/1990. Essa compreensão jurídica, com a edição da LC n. 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento desse ilícito poderá afastar o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alíneas d, h e j, da LC n. 64/1990).

2. A normalidade e a legitimidade do pleito, referidas no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, decorrem da ideia de igualdade de chances entre os competidores, entendida assim como a necessária concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, sem a qual se compromete a própria essência do processo democrático.

3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, "o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. Já o uso indevido dos meios de comunicação se dá no momento em que há um desequilíbrio de forças decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros" (REspe nº 4709-68/RN, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10.5.2012).

4. Conquanto algumas das publicidades realizadas pelo sindicato tenham sido julgadas regulares pela Justiça Eleitoral, outras extrapolaram os limites da liberdade de expressão e revelaram propaganda eleitoral negativa. Contudo, não há, na hipótese dos autos, fato grave a ensejar condenação, pois, nos termos da nova redação do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/1990, não se analisa mais a potencialidade de a conduta influenciar no pleito (prova indiciária da interferência no resultado), mas "a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". Entendimento que não exclui a possibilidade de eventuais publicidades irregulares serem analisadas em outra ação e em conjunto com outros possíveis ilícitos eleitorais. Conforme a jurisprudência deste Tribunal, "a caracterização do abuso do poder econômico não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas que demonstrem a gravidade dos fatos. Precedentes" (REspe nº 518-96/SP, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 22.10.2015).

5. Recurso ordinário desprovido.

(Recurso Ordinário n. 457327, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume, Tomo 185, Data 26.9.2016, Página 138-139.)

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. CARGO DE PREFEITO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. ESPÉCIE DO GÊNERO ABUSO. REVALORAÇÃO DA PROVA. POSSIBILIDADE. MATÉRIA FÁTICA DEVIDAMENTE ANOTADA NO ACÓRDÃO. PROGRAMA DE RÁDIO. TRECHOS TRANSCRITOS. GRAVIDADE. AUSÊNCIA. ART. 22 DA LC N. 64/90. NÃO CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. FATOS OCORRIDOS MUITO ANTES DO PLEITO E SEM POSSIBILIDADE DE MÁCULA. CONDUTA INSUFICIENTE PARA GERAR A SEVERA SANÇÃO DECORRENTE. DESPROVIMENTO.

1. A revaloração da prova é viável quando a matéria fática encontra-se devidamente anotada no acórdão recorrido.

2. O uso indevido dos meios de comunicação social é espécie do gênero abuso, motivo pelo qual a jurisprudência do TSE relativa a este último também se aplica ao primeiro.

3. Este Tribunal Superior já decidiu que, "para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional, verificar, com fundamento em provas robustas admitidas em direito, a existência de grave abuso de poder e conduta vedada, suficientes para ensejar a severa sanção da cassação de diploma" (REspe n. 682-54/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 23.02.2015).

4. Na espécie, as seis veiculações de rádio consideradas abusivas pelo Tribunal a quo estão compreendidas entre os meses de junho e dezembro do ano de 2011. Portanto, em período bem anterior ao pleito, enfraquecendo, a meu sentir, sua capacidade de comprometer a disputa. Desse modo, a conduta descrita, embora possa eventualmente caracterizar propaganda antecipada, não apresenta gravidade suficiente para impor ao candidato eleito a sanção de cassação do mandato.

5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 41848, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 04.4.2016, Página 100.)

Fixadas as premissas jurídicas deste julgamento, percebem-se duas questões de fato decisivas para a conclusão:

(1) questiona-se reportagem da imprensa escrita; mesmo em relação à Radio Vanguarda FM, o questionamento se dá em relação a notícias do sítio virtual, não quanto ao exercício da radiodifusão;

(2) segundo os limites objetivos fixados pela petição inicial, a conduta teria ocorrido uma única vez.

As duas questões de fato supramencionadas se entrelaçam, uma vez que o ordenamento brasileiro não admite a existência de “liberdades absolutas”, de modo que mesmo a liberdade da imprensa escrita, em dadas situações, com a extrapolação do seu âmbito de proteção, podem ensejar o reconhecimento do abuso.

Todavia, no presente caso, não se verificam a ilicitude nem a gravidade da conduta apta a provocar os efeitos jurídicos excepcionais postulados na peça inicial.

Em primeiro lugar, sobre a imputada ilicitude, nota-se que o precedente reconhecimento do direito de resposta teve como ratio decidendi a garantia de um aspecto democrático da liberdade de imprensa, não o reconhecimento de um uso abusivo.

[…]

As provas produzidas nesta ação de investigação judicial eleitoral confortam ainda mais o espírito, trazendo a convicção da construção de uma decisão justa para além dos limites cognitivos daquela Representação 33055. Observe-se que, segundo a prova oral produzida, os órgãos de comunicação tentaram contatar os aqui representantes antes da publicação (ver as declarações da informante Francieli de Assis e da testemunha Alessandra Formagini) - na Representação 33055, até por sua cognição sumária, não houve essa prova (fs. 223/224). Igualmente, nesta AIJE está provado que a assertiva da existência de um inquérito policial não evidencia uma inveracidade, pois, em 16/09/2016, um dia antes da reportagem, o Ministério Público Eleitoral já havia requisitado a instauração (fs. 814 e 1.071). A questão atinente à manchete já havia sido enfrentada na ocasião do indeferimento do pedido liminar na Representação 33055.

Em segundo lugar, consoante já exposto, ainda fosse ilícita a reportagem, quer-se configurar o uso indevido pelo questionamento de uma única e exclusiva matéria jornalística, segundo os limites objetivos fixados pela petição inicial, o que, de acordo com os padrões decisórios extraídos dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, citados acima, não é capaz de configurar o abuso apto à cassação.

Em terceiro lugar, o descumprimento do direito de resposta pelos órgãos de comunicação já foi devidamente apenado no respectivo expediente (fs. 242/245). A leitura da decisão revela que o descumprimento é o da modalidade cumprimento insatisfatório, redutor da gravidade da conduta. Em quarto lugar, provou-se nos autos que os ora postulantes noticiaram o conteúdo do direito de resposta em dois veículos de comunicação da imprensa escrita e em panfletos distribuídos no Município de Marau (fs. 869/873, fs. 892/895), expondo o respectivo ponto de vista sobre os fatos noticiados, o que, decerto, impediu qualquer possibilidade de comprometimento da regularidade do pleito. Note-se que os veículos em que veiculada a resposta “apedido” tem substanciosa circulação no Município de Marau (fs. 1.064 e 1.066).

Por todo o exposto, não se constata a ilicitude da publicação (o descumprimento da ordem judicial, sim, foi ilícito e está devidamente apenado) nem, muito menos, a gravidade da conduta a ponto de poder interferir na regularidade do pleito.

Percepção similar foi obtida pelo Ministério Público Eleitoral, que abordou ainda outras circunstâncias, como a diferença de votos, razão pela qual serão agregados os seus argumentos a esta sentença, com incremento da razão de decidir. Transcreve-se:

“No entanto, ainda que os representantes tenham sustentado que a reportagem jornalística veiculada pelos representados teria afetado a lisura da disputa na candidatura ao cargo de prefeito, no Município de Marau, as provas colhidas durante a instrução encaminham o feito para um juízo de improcedência do pedido, senão vejamos.

De início, cumpre referir que o período eleitoral não impõe silêncio aos candidatos e aos eleitores em geral. Ao contrário, o direito de livre manifestação de pensamento, assim como a liberdade de imprensa e o acesso à informação, são direitos resguardados pela Constituição Federal e não ficam suspensos durante o período de campanha.

Dessa forma, críticas, mesmo que ácidas ou contundentes, à Administração ou a determinados políticos, podem ser realizadas tantos pelos eleitores como pela imprensa, especialmente pela mídia escrita, como é o caso em questão; a mídia escrita não está sujeita à autorização pública para funcionar, bem como tem liberdade na escolha das matérias que deseja, ou não, veicular.

Lado outro, o que se veda é o mau uso dessa liberdade, com a finalidade de beneficiar ou prejudicar determinadas candidaturas.

Porém, embora os representantes tenham fundamentado a ação, com a alegação de que a matéria divulgada pelos meios de comunicação maculou a igualdade na disputa dias antes do pleito, a análise dos autos demonstra que a reportagem veiculada, por si só, não teve dimensão apta o suficiente para influenciar no resultado das eleições.

Ao que se nota, o que ocorreu foi, tão somente, a veiculação de uma única notícia, publicada no dia 17/09/2016, pelo “Jornal de Marau” e pela “Rádio Vang”, noticiando a (suposta) instauração de Inquérito Policial para apuração de uma possivelmente compra de votos.

Assim, apesar do tom contundente da matéria, insta referir que a publicação veio fundamentada com um Registro de Ocorrência efetuado na Delegacia de Polícia e, assim, independente da veracidade ou não das denúncias realizadas, as informações foram divulgadas nos limites da atividade jornalística.

É claro que a notícia veiculada pelo Jornal de Marau e pelo site da rádio “Vang FM”, aqui discutida nestes autos, já mereceu o devido juízo à época dos acontecimentos, tanto por parte deste Ministério Público Eleitoral como pelo próprio Juízo Eleitoral, ao deferir direito de resposta aos ora representantes e ao aplicar penalidade pecuniária ao Jornal de Marau, pelo retardamento na publicação do direito de resposta.

[…]

Além disso, é importante frisar que a petição inicial narra um só fato imputado aos réus, ou seja, demonstra que a veiculação da notícia ocorreu tão somente em uma oportunidade.

Portanto, embora tenha sido publicada em jornais que, de fato, abrangem diversos leitores no Município, uma só publicação, por certo, não possuiu o condão de causar desigualdade capaz de interferir na decisão das eleições. Nesse sentido, destaca-se que a diferença de votos entre os candidatos ao Cargo de Prefeito, JOSUÉ FRANCISCO DA SILVA LOGO e IURA KURTZ, nas eleições do ano de 2016, foi de tão somente 632 votos. Além disso, a análise histórica de pleitos anteriores demonstra que a disputa entre os partidos sempre foi muito acirrada.

Portanto, não há falar que a publicação veiculada tenha gerado disparidade no instante da votação, visto que a diferença de votos de um candidato para outro foi muito pequena, reiterando o que já vinha acontecendo no Município há diversos anos.

Outrossim, corroborando a afirmação de que a reportagem veiculada não foi suficientemente tendenciosa a influenciar no resultado do pleito, está o fato de que o Vereador Jair Roy, que também foi mencionado na publicação como um dos participantes da suposta compra de votos, foi eleito como segundo Vereador mais votado no Município de Marau/RS, com 1.203 votos. Também, como sabido, Marau possui, além do Jornal de Marau, outros dois jornais de circulação, os quais, à época do pleito, veicularam informações, a pedido, em favor dos ora representantes, sobre o teor da notícia publicada no Jornal de Marau, evidenciando nítida postura defensiva e de contraponto, sendo que tais informações igualmente foram alvo de impugnação por este Ministério Público Eleitoral, por não terem observado as disposições legais pertinentes, o que resultou no julgamento de procedência da representação, tendo sido aplicada penalidade pecuniária aos ora representantes na época (processo n.º 332-25.2016.6.21.0062).

Mesmo que ditas informações, à época, em favor dos ora representantes, tenham sido penalizadas por não terem observado o espaço permitido em lei para publicação, este Parquet Eleitoral, também sobre isso, emitiu parecer conclusivo no sentido de afastar a alegação de abuso de direito de resposta por parte dos ora representantes, alegação, esta, feita pelos agora representados Iura Kurtz e Rui Gouvea.

[...]

Dessa forma, percebe-se que para a configuração de abuso de poder através do uso indevido dos meios de comunicação, fazia-se necessária a reiteração de atos que pudessem atentar contra a lisura do pleito, o que, de fato, não ocorreu na situação dos autos.

[...]

Outrossim, ainda que os representantes tenham sustentado em suas manifestações o cumprimento parcial do direito de resposta deferido judicialmente em favor dos requerentes, é importante frisar que tal questão já foi tratada em autos próprios, não sendo objeto de discussão da presente demanda.

Mesmo que possa, ou pudesse, ser, por tudo o que foi exposto linhas antes não crê o Ministério Público Eleitoral, nesse momento, que a postura dos representados tenha afetado a lisura do pleito municipal de 2016, tal como buscam fazer crer os representantes.

Por fim, salienta-se que ainda que os representantes tenham suscitado durante o feito a ligação entre as empresas que divulgaram a reportagem, “Rádio Vang FM” e “Jornal de Marau”, com o candidato eleito IURA KURTZ, é importante referir que tal informação não interfere na análise da presente ação.

Ora, ao que se vê, ainda que o então candidato a Prefeito Iura Kurtz tenha, de fato, laborado na “Rádio Vang FM”, pertencente ao grupo “Jornal de Marau”, o nominado candidato desincompatibilizou-se do cargo dentro do prazo determinado pela legislação eleitoral, bem como não veio aos autos qualquer informação ou prova no sentido de que o candidato tenha tido qualquer interferência na reportagem veiculada, restando desamparada de fundamentos qualquer alegação nesse tocante.

Assim, da análise do conjunto probatório produzido nos autos, denota-se que não se vislumbraram excessos indevidos nos impressos impugnados a ponto de pôr em dúvida a lisura do pleito eleitoral, nem o desvio de finalidade da mídia, não havendo, portanto, falar em uso indevido dos meios de comunicação social, o que conduz o feito à improcedência.”

Por fim, sobre o abuso de poder econômico, constata-se que, na peça inicial, a exposição da causa de pedir é bastante resumida, deficitária, limitando-se a afirmar que “o Jornal de Marau utilizou seus recursos financeiros, seus funcionários, sua máquina e sua mídia digital para fazer propaganda eleitoral negativa contra o candidato Josué Longo” (f. 35). Nessa assertiva, não se constata qualquer imputação da prática de abuso de poder econômico, pois não imputa a utilização de receitas eleitorais, de recursos de candidatos, de modo direito ou indireto, nem mesmo aponta a ocorrência de abuso de poder político. A afirmação constante na inicial, na verdade, dirige-se à própria imputação do uso indevido dos meios de comunicação, pois, se assim ocorresse, dar-se-ia, obviamente, com a utilização de recursos financeiros, funcionários, máquina e mídia digital dos órgãos de comunicação.

Destarte, ainda que relevantes para outros âmbitos de apuração os documentos acostados às fs. 960/987 (contratação entre o Poder Público Municipal e os órgãos de comunicação em questão, posterior à eleição dos requeridos Iura e Rui), às fs. 1.049/1.055 (apontamento do TCE sobre gastos com publicidade do requerido Iura Kurtz quando Presidente da Câmara Municipal de Vereadores) e fs. 1.056/1.061 (contratação dos veículos de comunicação pela Câmara Municipal de Vereadores quando o requerido Iura Kurtz era Presidente do Legislativo), o seu exame, neste processo, transbordaria os limites objetivos da lide.

Com esses fundamentos, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais.

 

Dessarte, pelo que se depreende dos autos, ocorreu a veiculação de uma única notícia, publicada no dia 17.9.2016 pelo “Jornal de Marau” e pela “Rádio Vang”, referindo a (suposta) instauração de Inquérito Policial para apuração de compra de votos, circunstância que, consoante reiterada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, não é capaz de configurar o abuso apto à cassação.

Ademais, ficou demonstrado que a publicação está fundada em um Registro de Ocorrência efetuado na Delegacia de Polícia, e a existência de um inquérito policial não evidencia uma inveracidade, pois, em 16.9.2016, um dia antes da reportagem, o Ministério Público Eleitoral já havia requisitado sua instauração (fls. 814 e 1071).

Com essas considerações, deve ser mantida a sentença de improcedência, pois um único ato não detém gravidade para caracterizar o abuso a que alude o art. 22 da LC n. 64/90.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.