RE - 130 - Sessão: 11/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por EDUARDO CARLOS KOHLRAUSCH (fls. 181-192) e recurso adesivo apresentado por RÉGIS BENTO DE SOUZA (fls. 203-206) contra decisões (fl. 165-165v. e fls. 175-177) do Juízo da 55ª Zona Eleitoral, as quais (a) rejeitaram preliminares e (b) julgaram improcedente o pedido veiculado em AIME proposta por EDUARDO CARLOS contra RÉGIS. No mérito, o juízo a quo entendeu não caracterizados o abuso de poder econômico e a prática de arrecadação e gastos ilícitos de recursos.

O recurso do autor da demanda, Eduardo, insurge-se contra o julgamento de mérito, ao fundamento de que houve gastos acima do limite indicado pela legislação de regência, por parte de Régis, no montante de R$ 3.516,48, tendo sido ultrapassado também o limite referente à cessão de veículos. Sustenta ser inequívoco o abuso de poder econômico, sob a modalidade dolosa. Requer o provimento do recurso.

Por seu turno, o recurso de Régis ocorreu adesivamente e insurge-se contra o despacho de fls. 165-165v., o qual decidiu questões preliminares relativas a: (a) prevenção e conexão com outra demanda (n. 659-88.2016.6.21.0055) para decisão conjunta, (b) ilegitimidade ativa da parte autora, e (c) intempestividade do ajuizamento. Requer o provimento do apelo adesivo, para que o feito seja extinto sem resolução do mérito.

Com contrarrazões de ambas as partes, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo desprovimento do recurso de Eduardo Carlos Kohlrausch (fls. 219-222).

É o relatório.

 

VOTO

Ambos os recursos são tempestivos. A sentença recebeu publicação em 22.3.2017, quarta-feira, via DEJERS (fl. 180), e a interposição principal, de EDUARDO CARLOS KOHLRAUSCH, ocorreu em 27.3.2017, segunda-feira subsequente (fl. 181).

Por sua vez, o recurso adesivo de RÉGIS BENTO DE SOUZA foi apresentado em 31.3.2017 (fl. 203), e a notificação ocorreu em 29.3.2017 (fl.193).

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço de ambos.

Há questões preliminares, e elas foram todas suscitadas no recurso adesivo.

1. Da conexão/prevenção com o processo de prestação de contas

O recorrente adesivo refere a existência de outra demanda, n. 659-88.2016.6.21.0055, na qual “já foi proferida sentença, com pedidos idênticos e mesma causa de pedir, o que terá o mesmo efeito da presente ação”.

Não procede. O processo referido é de prestação de contas de candidato.

E são consideráveis as diferenças de objeto, de causa de pedir e de pedido das ações de prestações de contas, relativamente à ação de impugnação de mandato eletivo.

Note-se que as prestações de contas de campanha eleitoral são demandas de natureza objetiva, com cunho técnico contábil em grau elevado, cuja finalidade é que os candidatos e agremiações demonstrem a regularidade das receitas e despesas ocorridas durante a competição eleitoral.

Por isso, é bem marcada a fronteira entre a decisão que julga as contas de candidato e aquela que se manifesta acerca da ocorrência – ou inocorrência – de abuso de poder econômico. Aqui, deve restar comprovada a existência de ilícitos que extrapolem o universo contábil, bem como possuam relevância jurídica apta a comprometer a moralidade da competição eleitoral.

Tal dinâmica (a necessidade de gradação da gravidade das condutas) é, aliás, consectária do princípio da proporcionalidade, uma vez que as sanções diferem grandemente.

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, ao diferenciar prestação de contas e captação e gastos ilícitos de recursos:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. LEI N. 9.504/97. ART. 30-A. DEPUTADO FEDERAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DOAÇÃO. EMPRESA CRIADA NO ANO DA ELEIÇÃO. CASSAÇÃO. DIPLOMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO.

1. A Lei n. 9.504/97, no capítulo atinente, à arrecadação e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais, não prevê o recebimento de doação originada de empresa constituída no ano da eleição como ilícito eleitoral. Precedente.

2. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n. 9.504197, deve-se comprovar a existência de ilícitos que extrapolem o universo contábil e possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição, o que ocorreu na espécie.

3. A vedação estabelecida no art. 16, § 20, da Resolução TSE n. 23.217/2010, em que pese possibilitar a desaprovação das contas de campanha, não revela gravidade suficiente para ensejar a cassação do diploma do recorrente. 4. Recurso ordinário provido.

(RO n. 1947-10.2010.6.01.0000 – AC. Relator Min. DIAS TOFFOLI. Julgado em 12.9.2013.)

Portanto, incabível invocar prevenção ou pretender que ações sejam objeto de conexão. Afasto a preliminar.

2 – Da ilegitimidade ativa e do prazo para ajuizamento

A ação de impugnação de mandato eletivo é ação de natureza constitucional, com fulcro no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição da República, e rito esmiuçado no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, o qual prevê, expressamente, a possibilidade de ajuizamento por candidato:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[…]

Logo, andou bem o juízo de origem ao entender legítimo um candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2016, EDUARDO CARLOS KOHLRAUSCH.

Ademais, o ajuizamento foi tempestivo, estancando o prazo decadencial de 15 dias. A diplomação ocorreu em 14.12.2016, e a ação foi apresentada em 23.12.2016 (fl. 02).

Afasto também estas preliminares, de modo que o recurso adesivo de RÉGIS BENTO DE SOUZA não merece provimento.

MÉRITO

O recurso de EDUARDO CARLOS diz respeito a questões de mérito, sob a alegação de prática de abuso de poder econômico e captação e gastos ilícitos de recursos, de parte de RÉGIS.

Não procede.

Note-se que os fatos, em si, são de ocorrência incontroversa. O recurso, na realidade, pretende efeito jurídico diverso – e mais grave – daquele asseverado na sentença, a qual entendeu que as irregularidades verificadas não possuem gravidade para acarretar a consequência da cassação do mandato de RÉGIS BENTO.

Decisão irretocável. A sentença bem sopesou os fatos, concluindo pela inexistência de abuso de poder econômico, embora ocorrentes irregularidades de cunho contábil e financeiro, sobre as quais se procedeu à análise em sede de prestação de contas.

Extraio trecho que, desde já, antecipo, adoto como razões de decidir:

Uma vez que todas as questões preliminares foram solucionadas no despacho de fl. 165/165v, passo ao pronto julgamento do mérito da presente AIME, através da qual o demandante requer a cassação do mandato do requerido, alegando descumprimento da legislação eleitoral no período da campanha.

Em síntese, sustentou o requerente o cometimento de duas irregularidades substanciais praticadas pelo candidato finalmente eleito, a saber: 1) desatendimento à previsão do art. 26, § único, inciso II, da Lei n. 9.504/97, na medida em que as despesas estimadas pelo demandado com a cessão de veículos (R$ 3.600,00) excedeu o teto máximo previsto para os gastos totais da campanha ao cargo de Vereador (20% do total), estes limitados a R$ 3.283,70; 2) excesso ao valor máximo estipulado para a campanha ao cargo disputado no município de Taquara, na medida em que o candidato declarou despesas na ordem de R$ 19.935,00, enquanto o teto fixado foi de R$ 16.418,52.

Feitas estas considerações, assinalo, de início, ser incontroversa ¿ por força inclusive de sentença proferida por esta zona eleitoral no processo de prestação de contas de campanha deflagrado pelo demandado (n. 659-88.2016.6.21.0055), cuja cópia está anexada às fls. 160/162 - a existência das irregularidades e inconsistências nas contas de campanha do requerido, exatamente como exposto pelo demandante.

De fato, o réu “e aqui, reitero, reporto-me ao quanto decidido às fls. 160/162” gastou quantia superior à autorizada pelo TSE (ou seja, excesso de R$ 3.516,48), excedendo, também, o percentual máximo de gastos com cessão de veículos.

Em vista disso, o demandado teve as contas desaprovadas por esta zona eleitoral, em decisão que já está inclusive sendo objeto de recurso pendente de julgamento, no qual o candidato eleito repete as teses defensivas lançadas neste feito, em especial no tocante à correção das contas prestadas.

Diante disso, tenho que o julgamento da presente demanda pode partir da presunção da ocorrência das irregularidades constatadas na sentença referida, relegando à instância recursal competente o reexame da questão nos termos em que proposta pelo demandante/recorrente, considerando que, mesmo assentada, para fins de argumentação, a desaprovação das contas pelas incontroversas razões já assinaladas, a verdade é que a AIME deverá receber julgamento de total improcedência.

Veja-se, nesse sentido, primeiro, que a desaprovação das contas eleitorais não conduz necessariamente à cassação do mandado eletivo, haja vista que a lei eleitoral prevê sanção específica para a hipótese em comento, bastante diversa daquela estipulada pelo art. 30-A da Lei das Eleições.

O acolhimento do grave pedido deduzido em ação de impugnação de mandato eletivo, ao contrário, pressupõe não apenas o vício na prestação de contas, mas, muito mais importante, a constatação da gravidade exacerbada do ilícito, a tal ponto que se possa aferir a efetiva lesividade da conduta e o nexo de causalidade com o resultado do pleito ¿ no caso, resultando na eleição do demandado.

Não é o que resulta da análise detida dos autos, de cuja própria petição inicial não se vislumbra a imputação de conduta dolosa por parte do requerido, senão que se limita a apontar a existência dos excessos indicados e, a partir daí, a presumir a interferência no resultado das eleições, sem maiores e concretos elementos nessa direção.

Nesse contexto, ausente maior relevância jurídica da irregularidade constatada, vez que o excesso percebido (pouco mais de 20% do teto arbitrado pelo TSE), por si só, não configura abuso de poder econômico, a improcedência do pedido e da grave consequência prevista em lei é medida que se impõe.

Em outras palavras, o exame do caso concreto revela que as sanções vinculadas à desaprovação das contas se mostram suficientes e proporcionais à extensão e relevância da falta verificada, parecendo, em sentido contrário, desarrazoada a cassação do mandato popular apenas e tão somente em decorrência da utilização de recursos superiores aos permitidos pelo TSE, em especial porque não se imputa ao candidato eleito, por exemplo, a prática de condutas absolutamente gravosas e revelantes, tais como a captação irregular dos recursos utilizados em excesso ou a utilização de meios ilícitos para ludibriar o exame das contas, ao final desaprovadas.

Na mesma linha é o parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, do qual igualmente extraio trecho como fundamentação, verbis:

No caso dos autos, os fatos relatados na petição inicial e reconhecidos como verdadeiros na sentença, amparada na prova documental trazida pelo requerente, não evidenciam a ocorrência do abuso de poder econômico ou a gravidade da conduta a que se refere o inciso XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, sendo desproporcional a aplicação da sanção de cassação do diploma do candidato eleito a vereador, Eduardo Carlos Kohlrausch, senão vejamos.

Com efeito, restou comprovado que Eduardo Carlos Kohlrausch ultrapassou o limite de gastos com cessão e/ou locação de veículos em sua campanha eleitoral, uma vez que realizou despesas no montante de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais) - conforme cópia do extrato da prestação de contas final juntada à fl. 26 - , quando o limite seria de R$ 3.283,70 (três mil duzentos e oitenta e três reais e setenta centavos), valor correspondente a 20% do total do gasto da campanha, na forma do art. 26, parágrafo único, II, da Lei n. 9.504/97.

Também restou comprovado que Eduardo Carlos Kohlrausch ultrapassou o limite de gastos, determinado pelo TSE para o cargo de Vereador equivalente a R$ 16.418,52 (dezesseis mil quatrocentos e dezoito reais e cinquenta e dois centavos) uma vez que o candidato gastou o valor de R$ 19.935,00 (dezenove mil novecentos e trinta e cinco reais), consoante se infere do extrato da prestação de contas final juntado à fl. 26, extraída dos autos da prestação de contas do candidato.

Debate-se, portanto, se o excesso de gastos na campanha do candidato eleito a vereador no município de Taquara caracteriza ou não abuso de poder econômico, capaz de ensejar a grave sanção de perda/cassação do mandato eletivo.

Por certo, o excesso de gastos, por si só, não configura abuso de poder econômico.

[...]

A par disso, observa-se que o requerente não especificou a utilização dos recursos acima do limite legal, afora os gastos com a cessão e/ou locação de veículos. Assim, não é possível concluir pelo desequilíbrio do pleito na disputa entre os candidatos, na medida em que não restou demonstrada a utilização abusiva dos recursos de campanha em relação às demais despesas.

Diferentemente seria se o requerente tivesse demonstrado, por exemplo, a contração de vultoso número de cabos eleitorais, a ensejar a quebra da igualdade entre os candidatos que participaram do pleito, afetando-lhe o equilíbrio e a sua normalidade.

Nessa perspectiva, caberia ao requerente produzir provas, por exemplo de que os gastos com atividades de militância e mobilização de rua no montante de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) constitui vultosa quantia, o que sequer foi alegado pelo requerente.

Note-se que para a configuração do abuso de poder econômico não basta o desrespeito aos limites de gastos objetivamente expressos em lei ou determinados pelo TSE, sendo necessária a demonstração de que determinada candidatura foi impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito, como já decidido pelo TSE no precedente a seguir [...]

(Grifei.) 

Na doutrina, o magistério de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 716) bem demonstra a necessária cisão das hipóteses:

Entretanto, a configuração de uma hipótese legal sob o aspecto formal ou abstrato não significa que sua caracterização também se dê material ou substancialmente, pois, para que isso ocorra, há mister haja efetiva lesão ao bem tutelado. Assim, se não se exige que o evento seja hábil para desequilibrar as eleições (embora isso possa ocorrer), também não se afasta a incidência do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, que informam todo o sistema jurídico. Por eles, a sanção deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido. É intuitivo que irregularidade de pequena monta, sem maior repercussão no contexto da campanha do candidato, nem na dos demais concorrentes, que não agrida seriamente o bem jurídico tutelado, embora reprovável, não seria suficientemente robusta para caracterizar o ilícito em apreço, de sorte a acarretar as sanções de não expedição do diploma e mesmo sua cassação. Mas isso só é aceitável em caráter excepcional, relativamente a irregularidades irrelevantes ou que não sejam graves.

Na jurisprudência, o Tribunal Superior Eleitoral tem assentado que, para a caracterização do abuso de poder econômico, é fundamental que, no bojo da AIME, haja a “demonstração de que os fatos foram graves a ponto de ensejar desequilíbrio no pleito” (REspe n. 35774, rel. Ministro Gilmar Mendes, ac. de 29.4.2014), inocorrente na espécie.

 

Diante do exposto, e na linha do parecer ministerial, VOTO para afastar as preliminares e desprover ambos os recursos, mantendo-se a sentença pelos próprios fundamentos.