RE - 49585 - Sessão: 22/11/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de dois recursos.

O primeiro, de IRACI ANTONIO PASSARINI, fls. 482-528.

O segundo, de SÉRGIO LUIZ BEBBER, ODIR LUIZ BOCCA, ROBERTO CESAR PICCOLI, VERGÍLIO BICZ, JOSÉ ANTÔNIO OLKOLSKI, ARTEMIO VOLPI, DIRCE COSER ZONIN, FABIANE FERREIRA PRIGOL, IVANETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO, IZONEIDE MARIA LIPINHARSLI, SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET, JATIL ARMANDO PIRES DA SILVA, ARTEMIO CWIK, VALTER LUIZ ZONIN, ALBERTO ANTÔNIO KOWALSKI, ANDRÉ FERNANDO BORATTO, MARINALVA DOS SANTOS VEDANA e COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, fls. 534-584.

Apresentam irresignação relativamente à sentença proferida pelo Juízo da 3ª Zona Eleitoral, sediada em Gaurama, a qual julgou procedente a Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo – AIME, apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, e entendeu como fraudulentas as candidaturas ao pleito proporcional da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS. A decisão, ainda, revogou o deferimento do demonstrativo de regularidade dos atos partidários – DRAP, da referida coligação, bem como cassou os mandatos obtidos, titulares e suplentes, declarando nulos os votos, fls. 425-449.

As razões dos recursos aduzem, preliminarmente, a ilicitude de gravação ambiental, considerada regular pelo Juízo de Origem; a ilegitimidade passiva da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, tendo em vista o final do “processo eleitoral”, a decadência do direito de ação de parte do Ministério Público Eleitoral e, ainda, a inadequação da via eleita pelo Parquet Eleitoral, AIME, a qual somente poderia ser empregada diante de caso de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. Tratam, ainda, da concessão de efeito suspensivo aos recursos.

No mérito, o recorrente IRACI sustenta que os efeitos da sentença são drásticos, e que desenvolveu a campanha de modo honesto, com trabalho exaustivo. Argumenta que nenhuma fraude, corrupção ou abuso de poder ocorreu no caso em exame, e que inexiste amparo, em dispositivo legal, para a cassação dos diplomas dos candidatos eleitos pela Coligação impugnada. Aduz que o fato de as candidatas não terem alcançado número expressivo de votos não pode, por si, caracterizar burla ou fraude à norma de regência, devendo ainda ser observado o princípio da autonomia de cada candidato para renunciar à candidatura. Entende que a sentença foi rigorosa e sem base em prova robusta. Indica não haver, na jurisprudência do TRE-RS, julgado que tenha acolhido alegação de fraude mediante candidatura fictícia do sexo feminino. Faz considerações sobre a prova dos autos, e entende que as candidaturas consideradas fraudulentas realizaram campanha eleitoral. Realiza prequestionamento e requer o acolhimento das preliminares ou, alternativamente, o provimento do recurso no que diz respeito ao mérito, para que seja reformada a sentença.

Ainda no que diz respeito ao fundo da causa, o recurso da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, e dos demais candidatos, indica inexistir fraude. Entende que as evidências demonstram que as candidatas realizaram campanha eleitoral, receberam doações e realizaram gastos, bem como confeccionaram material eleitoral, sendo que por motivos alheios à vontade pessoal, ou de foro íntimo, é que se viram obrigadas a abandonar as candidaturas, em atos que não prejudicaram o andamento do pleito ou a legitimidade das eleições. Tecem considerações acerca de cada uma das candidaturas entendidas como fraudulentas, para sustentar que as candidatas efetivamente concorreram, fizeram campanha e obtiveram votos, à exceção de DIRCE. Entende necessária a individualização das condutas dos demais impugnados, além das candidatas DIRCE, IVANETE e SHIRLEI. Faz considerações sobre as consequências, no panorama eleitoral e político, do reconhecimento da fraude no caso concreto. Requer o reconhecimento das preliminares ou, no mérito, a reforma da sentença, julgando-se improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público Eleitoral. Subsidiariamente, requer o provimento parcial do recurso, para o fim de excluir os candidatos que obtiveram o menor número de votos.

Com as contrarrazões do Ministério Público Eleitoral, fls. 595-608v., os autos vieram para esta instância, e a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (fls. 613-630).

O Partido Republicano Brasileiro requereu, fls. 633-634, o ingresso no feito, na condição de assistente simples, o que foi deferido conforme decisão de fl. 636.

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy (relator):

Ambos os recursos são tempestivos.

A decisão relativa aos embargos de declaração, opostos por todos os recorrentes, foi publicada em 12.6.2017, conforme certidão constante à fl. 476 dos autos.

E os recursos, ambos, foram apresentados em 16.6.2017, fls. 482 e 534.

Frise-se, ainda, a certidão cartorária, fl. 478, a qual dá a notícia de que não houve expediente na 3ª Zona Eleitoral na data de 15.6.2017, de forma que os recursos atenderam o prazo de 3 dias estabelecido na norma de regência.

Ademais, estão presentes os demais pressupostos de admissibilidade, de maneira que conheço das irresignações.

Sr. Presidente, antes de adentrar à análise das questões preliminares, incumbe esclarecer a desnecessidade de concessão expressa de efeito suspensivo aos recursos interpostos, pleiteada por alguns recorrentes, haja vista a dicção do § 2º, art. 257 do Código Eleitoral, na redação dada pela Lei n. 13.165/15 e aplicável ao caso posto:

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

[...]

§ 2o O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo. Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Às preliminares.

1 – Preliminar de inadequação da via eleita. Cabimento de AIME a partir da análise de amplitude do termo “fraude”, constante no art. 14, § 10, da Constituição Federal.

Deve ser afastada.

O art. 14, § 10, da Constituição Federal, determina que:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante:

[…]

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante à Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Os recorrentes aduzem que a presente AIME não teria cabimento, a partir do raciocínio de que o termo “fraude”, constante no texto constitucional, deve ser entendido restritivamente, pois se referem àquelas fraudes ocorridas “na eleição” - o cometimento de voto fraudulento, por exemplo. Dito de outro modo, uma interpretação que admita seu manejo apenas em caso de fraude ao processo de votação em si mesmo.

A posição é superada.

Como indicado na sentença, a partir do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 1-49, em 04.8.2015, o Tribunal Superior Eleitoral assentou que a Ação de Impugnação de Mandado Eletivo, doravante AIME, é instrumento hábil a verificar o cometimento de fraude à lei no processo eleitoral, pois o conceito “é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas”.

Daí, o caso dos autos deve ser enfrentado sob a perspectiva de fraude à lei, pois a conduta atribuída aos recorrentes, de registro de “candidatas fictícias” vem a ferir, acaso confirmada, o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, in verbis:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

[…]

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Nessa linha, a jurisprudência recente do TSE:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

1. Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura.

2. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 149, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 21/10/2015, Página 25-26). Grifei.

Afasto a preliminar.

 

2 – Preliminar de ilegitimidade passiva da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS. Decadência do direito de ação.

Os recorrentes aduzem que, encerrado o período do “processo eleitoral”, a COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS teria deixado a condição de legitimada passiva, no que diz respeito às eleições de 2016. O argumento central é de que tal espécie de ente, a coligação, é desfeita após o referido período, não sendo possível, portanto, participar das demandas relativas a eleições já ocorridas.

Daí, entendem que deveriam ter figurado no polo passivo, no lugar da coligação, os partidos políticos que a compunham e, não tendo assim acontecido, sustentam ter ocorrido a decadência do direito de ação.

A preliminar é de ser também afastada. Explico.

Não se olvida que a jurisprudência majoritária exclui partidos políticos e coligações dos polos passivos de demandas como AIME e AIJE.

Contudo, é necessário que se deixe claro o motivo de tal exclusão: a impossibilidade de sofrer as sanções ordinariamente previstas nessas classes processuais – cassação de mandato, por exemplo.

Tal posicionamento observa a natureza tradicional da AIME, qual seja, desconstitutiva negativa, para tornar insubsistente o mandato eletivo. Por clareza, transcrevo a lição de ZILIO:

“A AIME visa desconstituir a relação jurídica que dá sustentação ao mandato eletivo, porquanto a reconhece como vício insanável originado por ato de corrupção, fraude ou abuso de poder. Em verdade, a AIME pretende se opor ao próprio mandato eletivo que foi ilicitamente obtido pelo eleito (ou suplente), atingindo, em sequência, a condição do mandatário. Em suma, objetiva-se, através da AIME, o afastamento do eleito (ou suplente) do exercício do mandato representativo. Por conseguinte, é ação constitutivo negativa, que se destina a tornar insubsistente o mandato eletivo”.

(ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 2014, p. 521)

Ou seja, a própria lógica indica que somente pode ser posicionado no polo passivo de AIME aquele que detém mandato eletivo – o candidato eleito.

Daí, sob tal prisma, a COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS seria, de fato, parte ilegítima para integrar o polo passivo; aliás, e exatamente pelos mesmos motivos, os partidos políticos que a compunham também não poderiam ingressar no feito em tal posição, sequer hipoteticamente.

Contudo, a partir da premissa de que a AIME pode também gerar efeitos jurídicos à coligação, como o caso que ora se trata, pois constatada a fraude na composição de proporção das candidaturas, gênero a gênero, o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários – DRAP, sofrerá as consequências originárias, impõe-se reconhecer a legitimidade da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS (PP-PTB-PMDB-PPS-PSDB-PSB) para figurar no polo passivo, privilegiando-se a ampla defesa em seu aspecto material.

Ora, partidos e coligações geralmente não são legitimados passivos em AIME porque, a rigor, nenhum interesse juridicamente qualificado teriam a defender; todavia, a partir do momento em que o DRAP da coligação encontra-se sob perigo de desconstituição (como é, de fato, o presente caso), ressai nítida a legitimidade.

E aqui se afastam os argumentos de legitimidade, no caso, dos partidos componentes da coligação, e de decadência da ação.

Ora, dentre outras questões, o DRAP sob ataque é o da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS. É consagrada a lição de que uma coligação deve ser considerada, para todos os fins, como se fosse um único partido.

Ou seja: houve o ânimo de união para concorrer. Se, na seara política, há ventos efêmeros, e alianças são realizadas e desfeitas ao sabor das conveniências, os efeitos jurídicos delas decorrentes não se comportam da mesma maneira. Os partidos políticos criaram coligação e apresentaram o respectivo DRAP nesta condição – e sob tal situação é que devem atuar perante a Justiça Eleitoral.

Aliás, convém que tal recorte conceitual fique claro para o enfrentamento de questões futuras, lançadas pelos recorrentes nas razões de mérito, como por exemplo a necessidade de individualização das condutas.

Nessa linha de atuação, denominada pelo Ministro LUIZ FUX como minimalista, friso que a jurisprudência do TSE já ampliou o espectro de legitimados passivos na AIME, ao estender, por exemplo, a todos aqueles candidatos diplomados, em virtude da premência de ocupação de cargo eletivo – o titular ocupar outro cargo na administração pública, por exemplo.

Nessa toada, “[…] a legitimidade passiva ad causam em ações de impugnação de mandato eletivo limita-se aos candidatos eleitos ou diplomados, máxime porque o resultado da procedência do pedido deduzido restringe-se à desconstituição do mandato” (RESPE n. 524-31.2010.6.04.0000, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJE de 26.8.2016, por unanimidade) e, também, que […] A ação de impugnação de mandato eletivo pressupõe a existência de diploma expedido pela Justiça Eleitoral, que poderá ser desconstituído por abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, a teor do art. 14, § 10, da Constituição Federal” (AgRG em AI n. 1211, Rel. Ministra LUCIANA LÓSSIO, DJE de 17.11.2016, por unanimidade).

Em resumo: a situação é absolutamente excepcional, e assim deve ser tratada. Sendo nítida a possibilidade de efeitos jurídicos relativamente ao DRAP da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, o caso é de legitimidade passiva.

Por tais fundamentos, afasto a preliminar.

 

3 – Preliminar de ilicitude da prova. Gravação ambiental.

O recurso traz, ainda, irresignação quanto à consideração, pelo Juízo de Origem, do conteúdo de gravação clandestina e que, portanto, não seria válido como prova judicial.

Sem razão.

Inicialmente, cumpre sublinhar que a gravação juntada aos autos não foi obtida por meio de interceptação, meio de prova no qual terceiro, geralmente estranho aos interlocutores, capta o conteúdo de diálogos. Tal modo de produção probatória é efetivamente sujeito à reserva judicial, por força do art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal.

Aqui, houve gravação, de fato, clandestina, sem o conhecimento da interlocutora DIRCE COSER ZONIN.

Ocorre que a clandestinidade não implica, necessariamente, em ilicitude.

Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, não há que se falar em necessidade de autorização judicial ou presença em inquérito, pois não houve interceptação, e sim gravação por um dos envolvidos no diálogo.

Inclusive, o STF já assentou tal validade em regime de repercussão geral:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.” (RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19-11-2009, Plenário, DJE de 18-12-2009.)

É certo que, em alguns casos, o conteúdo da gravação ambiental deve estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade, nos termos do art. 5º, inc. X, da CF, mormente naquelas situações em que a conversa, em si, tratar de temas que mereçam a tutela desses direitos fundamentais e, do sopesamento, conclua-se pelo privilégio à proteção da esfera privada dos envolvidos, afastando-se topicamente a primazia do interesse público.

Aqui, de fato, o TSE possui alguns precedentes restritivos.

Contudo, tais restrições tratam de hipóteses de especial tutela da intimidade – aquelas que nem mesmo o interlocutor poderia vir a testemunhar sobre o conteúdo versado.

E é aqui que se torna possível realizar a separação dos assuntos em que se permite a gravação ambiental, daqueles em que ela não é possível: o direito fundamental à intimidade visa a preservar o assunto conversado, e não o método de prova.

Ou seja, tudo aquilo que não invade a esfera privada do interlocutor, no caso, de DIRCE COSER ZONIN poderia ser, sim, objeto de gravação. E, também, não se argumente que o local em que o registro ocorreu seria de índole privada: trata-se de estabelecimento comercial, cujo acesso é irrestrito do ponto de vista da coletividade, potenciais clientes, et cetera.

Como dito, há decisões do TSE que restringem a utilização de tal espécie probatória, ainda que realizada por um dos interlocutores.

Mas o assunto merece lupa, pois o órgão de cúpula vinha sendo mais restritivo especialmente no período entre o ano de 2013 até o início de 2015; antes, sobretudo entre 2008 a 2012, o e. Superior já construía precedentes pela licitude da gravação ambiental.

Uma jurisprudência um tanto pendular, portanto.

E, recentemente, houve um novo movimento daquela Corte Superior, no sentido de admitir como prova a gravação ambiental realizada, por exemplo, em lugares públicos, o que teve início no REspe 637-61/MG, Rel. Ministro Henrique Neves, DJE de 21.5.2015, quando se decidiu:

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CAUTELAR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

Recurso especial da Coligação Cuidando de Nossa Cidade para Você

[...]

2. Nos termos da atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento de um deles e sem prévia autorização judicial, é prova ilícita e não se presta à comprovação do ilícito eleitoral, porquanto é violadora da intimidade. Precedentes: REspe nº 344-26, rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 28.11.2012; AgRRO nº 2614-70, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 7.4.2014; REspe nº 577-90, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 5.5.2014; AgRRespe nº 924-40, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 21.10.2014.

3. As circunstâncias registradas pela Corte de origem indicam que o discurso objeto da gravação se deu em espaço aberto dependências comuns de hotel, sem o resguardo do sigilo por parte do próprio candidato, organizador da reunião. Ausência de ofensa ao direito de privacidade na espécie, sendo lícita, portanto, a prova colhida.

4. O quadro fático delineado no acórdão regional não revela a mera tentativa de obtenção de apoio político, pois, em diversas passagens, o que se vê são os pedidos expressos de voto e o oferecimento de vantagem aos estudantes. Incidência, na espécie, das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Ação cautelar proposta com o objetivo de conferir efeito suspensivo ao recurso especial julgada improcedente.

Recuso especial conhecido e desprovido. Ação cautelar julgada improcedente.

O Tribunal, por maioria, desproveu o recurso de Francisco Lourenço de Carvalho, nos termos do voto do Relator. Vencida a Ministra Luciana Lóssio. Grifei.

Ainda, julgados deste Tribunal Regional Eleitoral:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria. Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária nº 46366, Acórdão de 02/12/2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04/12/2015, Página 4)

 

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Condenação. Vereador. Cassação do diploma. Eleições 2016.

Afastadas as prefaciais de nulidade de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores e de prova testemunhal. Teor de conversa não protegido pela privacidade. Provas não sujeitas à cláusula de sigilo. Sendo lícita a gravação, não se caracteriza como ilícita por derivação a prova consistente em depoimento de testemunha.

Entrega de dinheiro, a duas eleitoras identificadas, condicionada a promessas de voto. Comprovado o especial fim de agir para obter-lhes o voto, circunstância apta a configurar a captação ilícita de sufrágio. Cassação do diploma decorrente da simples prática do ilícito, independentemente do grau de gravidade da conduta. Incidência obrigatória. Fixação da multa de maneira adequada, bem dimensionada para o caso em tela.

Provimento negado.

Por unanimidade, negaram provimento ao recurso e determinaram providências nos termos do voto do relator.

(RE n, 573-28, acórdão de 17.02.2017, Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura. DEJERS de 21.02.2017).

Ao caso dos autos: o áudio foi gravado por GICELE FERREIRA TOMKIEL, candidata ao cargo de vereador por coligação adversária, em local de acesso ao público, um salão de beleza e, portanto, não há dimensão da privacidade a ser protegida.

A GICELE FERREIRA TOMKIEL seria permitida a reprodução do ocorrido sem ofensa à Constituição Federal – aliás, com o apoio da Carta Magna, pois o assunto tratado é, além de público, de interesse público, versando sobre burla à ação afirmativa e exercícios de direitos políticos, de jaez constitucional, em um estabelecimento comercial, em horário de funcionamento, sem ofensa à intimidade.

Afasto, também, esta preliminar.

 

MÉRITO

Sr. Presidente: assim como relativamente às preliminares, trago, antes da análise do mérito da demanda, um esclarecimento.

Os recursos se insurgem contra sentença que reconheceu a ocorrência de fraude em 3 (três) candidaturas femininas da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, sendo desnecessárias considerações acerca de abuso de poder ou corrupção, por não haver recurso do Ministério Público Eleitoral no relativo a tais temas.

Trata-se, originalmente, de AIME proposta pelo Parquet contra SÉRGIO LUIZ BEBBER, ODIR LUIZ BOCCA, ROBERTO CESAR PICCOLI, VERGÍLIO BICZ, JOSÉ ANTÔNIO OLKOSKI, ARTEMIO VOLPI, DIRCE COSER ZONIN, FABIANE FERREIRA PRIGOL, IVANETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO, IZONEIDE MARIA LIPINHARSKI, SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET, JATIL ARMANDO PIRES DA SILVA, ARTEMIO CWIK, IRACI ANTONIO PASSARINI, VALTER LUIZ ZONIN, ALBERTO ANTONIO KOWALSKI, ANDRÉ FERNANDO BARATTO, MARINALVA DOS SANTOS VEDANA, todos candidatos ao cargo de vereador pela COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, também demandada.

Os representados compuseram a chapa de candidatos da coligação à eleição proporcional, formada por 06 (seis) mulheres e 12 (doze) homens, atendendo-se às exigências legais no percentual de 30% de candidaturas do sexo feminino.

Contudo, sustentou o Ministério Público Eleitoral que algumas das candidatas não agiram, de fato, como concorrentes às cadeiras legislativas municipais, circunstâncias que indicariam a ocorrência de fraude.

E a sentença do d. Juízo da 3ª ZE foi de procedência da demanda, ao entender fraudulentas as candidaturas de DIRCE COSER ZONIN, IVANETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO e SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET. Transcrevo trecho, fl. 444-445:

Diante de tais comemorativos, portanto, tenho absolutamente induvidoso que as candidaturas de DIRCE COSER ZONIN, IVANETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO e SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET não correspondem a uma intenção efetiva de concorrer, senão a um embuste engendrado pela própria coligação interessada, e em benefício claro a todos os candidatos homens da mesma coligação, para burlar as exigências legais e induzir as autoridades eleitorais a erro quanto à regularidade dos atos partidários e à obediência fictícia aos termos da legislação de regência.

A imposição de reserva de gênero é prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

De início, entendo por afastar o caráter fraudulento das candidaturas de IVANETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO e SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET.

Senão, vejamos.

Há uma série de julgados, inclusive deste Tribunal, indicando que o fato de as candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, não realizarem propaganda eleitoral ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si só, não são condições suficientes para caracterizar fraude, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em presunção.

Nesses termos, precedentes:

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012. Matéria preliminar afastada. Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n 76677, ACÓRDÃO de 03.06.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.06.2014, Página 6-7.)

 

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012. Representação julgada improcedente no juízo de origem. Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 41743, ACÓRDÃO de 07.11.2013, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14.11.2013, Página 5. )

De fato, os desempenhos eleitorais de IVANETE e de SHIRLEI foram pífios: receberam pouquíssimos votos. Contudo, e em sentido contrário ao d. Juízo da Origem, entendo não haver prova cabal da fraude, nestes dois casos. Isso porque as razões trazidas pelas candidatas – desistências das campanhas no decorrer do período eleitoral – são aceitáveis, somadas ao fato de não haver prova da intenção de colocar o nome à disposição da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS apenas para viabilizar as candidaturas masculinas, fator que entendo fundamental para a caracterização da ilicitude em questão.

O contexto de prova indica, na realidade, duas tentativas malsucedidas de concorrência eleitoral, seguidas da percepção antecipada de insucesso nas urnas, o que teria motivado a desistência antes mesmo do dia do pleito.

Note-se que a recorrente IVANETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO afirmou, durante seu depoimento, ter recebido apenas cinco votos. Indicou que, no início, realizou campanha eleitoral, mas em momento posterior optou pelo trabalho no estabelecimento comercial do qual é proprietária.

Ademais, afirmou ser pessoa inexperiente na política e que a eleição estava concorrida, tendo desistido após se certificar de que não era o que “realmente queria”. Havia concorrido nas eleições do ano de 2012, e acreditava que em 2016 a eleição seria “mais tranquila”. Explicou que, por não ser “desinibida”, não participou dos programas de rádio da campanha, que se concentrou na distribuição de santinhos aos eleitores que frequentavam o mercado de sua propriedade. Relatou ter dispendido cerca de R$ 500,00 na campanha, e que comunicou o partido de sua desistência, de maneira informal.

Por sua vez, a candidata SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET, agricultora, declarou ter feito dois votos. Afirmou vontade de participar da política, e que realizou campanha eleitoral apenas nos primeiros dias, efetuando visitas à comunidade. Ainda, disse ter percebido que “não ia ter chance”, pois os eleitores visitados afirmavam intenção de voto para outros candidatos, motivo pelo qual desistiu da campanha. Sustentou (de forma bastante firme) que ninguém lhe procurou para que fosse candidata, e que é filiada à agremiação há quatro ou cinco anos.

Ademais, declarou que até os familiares já tinham candidatos, e não se sentia à vontade de exigir que votassem nela. Diz ter se decepcionado com os dois votos recebidos, pois se imaginava mais apoiada na comunidade, pois foi diretora de igreja.

Existem, dessarte, somente circunstâncias indiciárias, as quais a jurisprudência entende não se prestarem a, isoladas, caracterizar a desobediência ao art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRECLUSÃO. FRAUDE NO REGISTRO DE CANDIDATURA. COTAS DE GÊNERO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ELEIÇÃO 2016.

1. Ilegitimidade passiva. Pré-candidato com registro indeferido, sem participação no pleito e terceiro que atuou somente como representante partidário, não se lançando candidato. Matéria não objeto de recuro. Preclusão.

2. As cotas de gênero, como mecanismo de política afirmativa, buscam estabelecer um equilíbrio mínimo entre o número de candidaturas masculinas e femininas. Alguns partidos podem lançar candidaturas de forma fraudulenta, apenas para viabilizar outras, do sexo masculino. A fraude ao desiderato legal estaria configurada diante da indiferença da agremiação e da própria concorrente quanto ao destino de sua candidatura, cujos efeitos, no contexto do pleito, estariam restritos à burla à lei, exaurindo-se a partir do deferimento do DRAP pelo julgador do registro de candidaturas.

3. Ausente prova robusta de que a candidata tenha sido registrada com vício de consentimento, ou tenha promovido a campanha de terceiros. Acervo probatório a demonstrar que a candidata buscou votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo seu registro exclusivamente como simulacro de candidatura. Realização de campanha sem o auxílio de doadores financeiros, sem o apoio de correligionários eleitorais e sem a utilização de redes sociais na internet, não se extraindo dessas circunstâncias, desguarnecidas de elementos probatórios complementares, a presunção de ilicitude. O recebimento de pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral e a renúncia no curso da campanha eleitoral não são condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme jurisprudência deste Tribunal.

4. Provimento negado.

(RE n. 1-92. Relator Des. Eleitoral Luciano André Losekann. Julgado em 12.7.2017, unânime)

Tenho, portanto, que os casos de IVANETE TEREZINHA e de SHIRLEI TEREZINHA se assemelham aos precedentes julgados por este Tribunal, e a solução a ser dada é a mesma dos paradigmas: circunstâncias limítrofes que não são aptas a comprovar a ocorrência de fraude.

No relativo a IVANETE, há testemunhos que corroboram a versão de desistência no transcorrer da competição eleitoral (Sr. João Paulo Formica, o qual “imaginava” que ela seria forte candidata), e no que toca à SHIRLEI, a testemunha CLAITON JOSÉ BALDISSERA, vizinho de SHIRLEI, afirmou que a candidata lhe pediu voto, tendo respondido que já havia prometido o voto para outra pessoa.

Portanto, dou provimento aos recursos, relativamente às situações de IVANETE e SHIRLEI, para entender não comprovada a ocorrência de fraude.

A situação de DIRCE COSER ZANIN, contudo, merece análise probatória em apartado. Compartilho da conclusão a que chegou o Juízo de 1º Grau: trata-se do caso mais grave e fraudulento.

Em primeiro lugar, DIRCE não auferiu votos. Isoladamente, como já indicado, a circunstância não determinaria, sozinha, a ocorrência de fraude.

Contudo, aqui, há gravação (lícita) em áudio, realizada por GICELE FERREIRA TOMKIEL, cujo teor deve ser transcrito, mormente o trecho compreendido entre 1min53seg e 3min20seg:

Dirce Coser Zonin: Como tá a campanha ‘giça’ (SIC)?

Gicele Ferreira Tomkiel: Ah! corrida né .... bastante corrida

Dirce Coser Zonin: Mas tá bem assim?

Gicele Ferreira Tomkiel: Too... to bem até assim....

Dirce Coser Zonin: As pessoas ajudem...

Gicele Ferreira Tomkiel: As pessoas recebem a gente bem ....

Trecho inaudível

Dirce Coser Zonin: Não é porque eu to.... assim eu não torço para ninguém sabia.... eu estou fazendo um pouquinho de campanha para o Valter, porque ele é meu cunhado né....

Trecho inaudível

Gicele Ferreira Tomkiel: é que o pessoal hoje que ficar mais quieto

Trecho inaudível

Gicele Ferreira Tomkiel: pior que é verdade né não dá para misturar.

Dirce Coser Zonin: Eu preciso de todo mundo, pelo amor de Deus, eu não quero saber de misturar.

Gicele Ferreira Tomkiel: Não é fácil eu sei. Ah eu tenho amizade dos dois lados não adianta.

Dirce Coser Zonin: Que bom. Que bom Giça.

Gicele Ferreira Tomkiel: Eu não misturo porque a politica acaba e amizade fica.

Dirce Coser Zonin: Eu sempre digo pro Valdir não se meta, fique na tua.

Gicele Ferreira Tomkiel: Mas tu não quis fazer campanha?

Dirce Coser Zonin: Não.

Gicele Ferreira Tomkiel: Ah! Pior que....

Dirce Coser Zonin: Eu nem sei se vou votar para mim mesmo.

Risos.

Dirce Coser Zonin: Ahh! Não não não! Eu tenho meu trabalho para que né.

Gicele Ferreira Tomkiel: Mas é que assim hoje a gente precisa de pessoas novas.

Dirce Coser Zonin: Viu eu não sei se precisa voto eu que sou só para legendar.

Gicele Ferreira Tomkiel: Eu também não sei essa parte, acho até que tem que algum voto, mas não sei também, tem que ver com o jurídico, porque eu não sei.....

Tempo 03:20

Em que pese a coloquialidade, o conteúdo do diálogo compromete irremediavelmente a constituição da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS. Houve fraude na constituição da proporção de gênero.

A sentença, aqui, não merece reparos: a candidatura de DIRCE COSER ZONIN foi “de caráter estritamente fictício, para fins de preenchimento do percentual exigido pela lei, nos termos acima mencionados. Observe-se que tanto a prova oral, documental e a interceptação ambiental convergem harmonicamente para a presente conclusão”.

Os termos utilizados por DIRCE são contundentes, pois ela declara que “eu nem sei se vou votar pra mim mesmo”, e que ignorava se precisaria de voto, pois “eu que sou só para legendar”, ao que recebeu a resposta, de GICELE, no sentido de que teria que “ver isso com o jurídico”.

Some-se se a tal prova, robusta em si mesma, as contradições havidas nos depoimentos, mormente sobre os motivos elencados para a suposta desistência – a notícia de gravidez e os preparativos de casamento da filha de DIRCE, Mayana.

No depoimento, DIRCE afirmou que teve notícia da gravidez somente após lançar a candidatura, sendo lacônica ao referir o “início do período eleitoral, aproximadamente, junho, julho ou agosto”, e que já estava “aparecendo a barriga quando ficou sabendo”.

Todavia, e conforme o testemunho de Mayana, DIRCE lançou nome nas prévias partidárias já ciente da gravidez, não se tratando de notícia surgida no decorrer da campanha. Além, Mayana é muito mais precisa ao indicar a época em que DIRCE recebeu a notícia da gravidez: o mês de maio, e que sua mãe já sabia da gravidez quando se candidatou, sendo que ignorava o motivo pelo qual DIRCE desistiu de sua candidatura.

E, finalmente, Mayana pontuou: a bebê nasceu em 30.9.2016, sem a ocorrência de nascimento prematuro. Portanto, trata-se de uma gravidez iniciada ao final do ano de 2015, ou no começo do mês de janeiro de 2016, portanto.

Ademais, e como referido na sentença, note-se que DIRCE, no diálogo gravado por GICELE, sequer refere a gravidez ou o casamento da filha. Ao contrário: faz indicações sobre o mundo político, sobre como, na condição de empresária, tem que “se dar bem como todo mundo”, e que sequer sabe se vai votar em si mesma, tendo lançado seu nome apenas “para legendar”.

Transcrevo trecho da sentença, o qual adoto como razões de decidir:

Principiando pela impugnada DIRCE, de acordo com os documentos e prova oral colhida, vê-se que a gravidez de sua filha não foi, de fato, o móvel que determinou sua retirada de campanha. Note-se que o conhecimento do estado gestacional de sua filha se deu antes mesmo da impugnada indicar seu nome como candidata a vereadora, e isso não a demoveu de candidatar-se. Além disso, não há qualquer comprovação nos autos de que a gravidez de sua filha tenha sido de risco ou que tenha enfrentado qualquer problema a necessitar da ajuda extensa e exclusiva de sua genitora.

Ressalta-se que, ainda que tenha auxiliado sua filha com a gravidez e com o próprio casamento, tal não impediria que realizasse normalmente sua campanha eleitoral. Embora se tratem de situações normalmente embaraçosas e capazes de gerar transtornos ou compromissos, é de se destacar que de grande parte de tais tarefas se incumbem diretamente os noivos e pais, isso sem contar que outros familiares do lado varão também, certamente, teriam condições de ajudar e suprir eventuais faltas da candidata.

Além disso, e o mais importante, foi realizada interceptação ambiental de uma conversa entre a impugnada DIRCE e Gicele Ferreira Tomkiel, também candidata às eleições de 2016, onde a própria impugnada confirma que seu nome foi indicado para preenchimento de legenda, sendo que sequer votaria nela mesma, o que se confirmou com a apuração do pleito, já que obteve ZERO VOTO.

Note-se que, na gravação ambiental, em NENHUM MOMENTO são citadas complicações com a gestação ou com a festa de casamento da filha da candidata em questão, mas sim a necessidade de apoiar o cunhado da candidata. Bem se vê, portanto, que o que aconteceu, de fato, foi a utilização dos fatos da gestação e do casamento como meras justificativas posteriores, ou argumentos vazios, a escamotear o verdadeiro mote por detrás de seu desempenho eleitoral inexistente: o fato de que sua participação no pleito ocorreu, unicamente, para oportunizar que se preenchessem todos os nomes disponíveis para ele itores do sexo masculino, e com isso a obtenção fraudulenta da participação de outras pessoas que não poderiam dele tomar parte caso tais candidaturas inexistissem.

Importante referir, ainda, que inexiste comprovação de que DIRCE tenha realizado efetiva campanha eleitoral em seu favor, pois não há qualquer elemento concreto da distribuição de “santinhos”, adesivos, propaganda em rádio, comícios, atos imprescindíveis para o sucesso de uma campanha política. Tratou-se, puramente, de uma candidatura formal, engendrada para justificar a regularidade da coligação e oportunizar, não a participação política minimamente igualitária entre os gêneros, mas justamente o contrário, ou seja, a composição com o maior número de homens possível dentro da coligação.

O fato de existir mais um candidato na família, em que pese possa ser, em parte, motivação para a retirada da requerida DIRCE de sua condição de candidata, não socorre nem a requerida, nem a coligação, em nenhuma medida. Isso porque o fato do parentesco não foi descoberto, presumivelmente, durante o pleito; já era, portanto, de domínio de todos quando do lançamento da coligação e das candidaturas. Logo, além de não justificar a inexistência de desempenho eleitoral da candidata no caso, demonstra que existia reserva mental de todos os envolvidos a respeito de que, unicamente, a candidatura desejada era a do cunhado de DIRCE, e não a sua.

[...]

Ao conjugarmos: o desempenho eleitoral inexistente da candidata, obtendo ZERO VOTO; suas próprias declarações, objeto de confissão extrajudicial e registradas na gravação constante dos autos; os elementos circunstanciais de não haver feito campanha minimamente passível de observação ou registro material; e por fim, a inconsistência das próprias razões por ela alegadas para justificar seu comportamento de candidata (ou a falta dele); não restam dúvidas de que a Coligação impugnada indicou o nome de DIRCE COSER ZONIN com o único objeto de atender o percentual de mulheres exigidos pela legislação, ou seja, 30% de candidatas do sexo feminino, para, com isso, tornar possível a indicação do número máximo de candidatos homens para concorrerem ao pleito pela Coligação Unidos por Viadutos.

Irretocável.

Entendo, portanto, caracterizada a fraude na candidatura de DIRCE COSER ZONIN, assim como identificado pelo Juízo de Origem. Se é certo, como afirmado nas razões de recurso de IRACI ANTÔNIO PASSARINI, que jamais este Tribunal havia acolhido alegação de fraude desta espécie, também impõe indicar que é inédito um panorama probatório tão robusto, a indicar a prática ilícita, ao menos nos julgados deste regional.

No que concerne a uma alegada necessidade de individualização de condutas dos candidatos, para a aferição da responsabilidade pelo cometimento da fraude, ressalto que as normas de regência já determinam os efeitos da constatação de fraude, e eles recaem sobre o DRAP de toda a COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS. Não há norma que permita destrinchar individualmente os efeitos sobre esta ou aquela candidatura, pois a obediência aos percentuais é imposta à totalidade da chapa proporcional.

O art. 10º, § 3º, da Lei nº 9.504/97, dispõe que "Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo" (redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009), de forma que se exige a observância do percentual como condição de admissibilidade da lista ao registro de candidaturas, bem como condição para o processamento do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários – DRAP.

Desobedecido o percentual – ou atingido fraudulentamente, como no caso, não há como deferir o registro da coligação e, consequentemente, de todas as candidaturas.

Novamente, colaciono trecho da sentença, por elucidativo, tomando-o novamente como razões de decidir:

[...]

Não atendeu a Coligação impugnada ao percentual de 30% de candidatas do sexo feminino, sendo flagrante a irregularidade dos atos partidários por ela realizados. Nesse caso, não haveria um Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários e, consequentemente, o registro de todos os candidatos não seria efetivado.

Ressalta-se que para a procedência da impugnação, são necessários elementos seguros de prova dos fatos graves apontados e com potencialidade de serem capazes de ensejar desequilíbrio no pleito.

Segundo Rodrigo Lopez Zilio (Direito Eleitoral. Noções Preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral (da convenção à prestação de contas), ações eleitorais.Porto Alegre. 3ª ed. Verbo Jurídico, 2012):

“para haver a ofensa ao bem jurídico tutelado, a jurisprudência do TSE tem entendido necessária a prova da potencialidade de o ato abusivo afetar a lisura ou normalidade do pleito. Não é exigida mais, conforme excerto do voto Ministro Sepúlveda Pertence, a ¿demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições [...].

Na hipótese em tela, a potencialidade da conduta ilícita praticada pela Coligação é manifesta, pois permitiu um pleito viciado e absolutamente desigual. Isto porque seus candidatos homens puderam concorrer somente pela complacência e submissão das mulheres da mesma coligação e, além disso, não enfrentaram a concorrência dessas mesmas mulheres pelos votos a serem disputados, assumindo uma condição privilegiada entre os simpatizantes da coligação, que os candidatos da coligação adversária não puderam desgrutar. Frisa-se, ainda, que o número de candidatos concorrendo influencia não só na diminuição de candidatos ao pleito, mas na quantidade de tempo concedido para a propaganda eleitoral, seja no rádio ou na televisão, a quantidade de cabos eleitorais, dentre outros fatores importantes para a obtenção de votos.

Por essas razões, portanto, inevitável concluir não apenas pelo vício evidente do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), mas pela maculação fraudulenta do pleito para eleição proporcional, criando-se condições absolutamente desiguais entre as coligações, a ser reprimido pelo recurso à esfera judicial.

É importante sobressaltar que o bem tutelado pela Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) é a normalidade e legitimidade do pleito, além de todo o interesse público que está em jogo. E nesse caso, restando configurada a fraude pela parte impugnada, impõe-se a desconstituição do mandato eletivo de todos os impugnados e consequente nulidade de todos os votos obtidos pelos integrantes da Coligação.

Importante consignar que o aparente rigor dos efeitos obtidos por esta decisão tem plenas justificativas nos fatos de que a coligação, como um todo, foi a responsável pela fraude. Restou evidenciado pela prova dos autos que a concepção da fraude não foi das candidatas fictícias, mas das pessoas com interesse em sua candidatura. Assim, a regularidade a ser atingida é a da coligação como um todo, já que se erigiu sobre fundamentos ilegais, a justificar o sancionamento com a declaração integral de sua irregularidade.

E, por fim, por mais que os candidatos eleitos - todos homens - se insurjam quanto ao alcance da decisão a seus mandatos, deve-se em contrapartida ponderar que tais mandatos somente foram obtidos porque tais candidatos se beneficiaram da fraude, seja para obterem o registro que não obteriam se não houvessem as candidatas fictícias, seja porque não tiveram de concorrer de fato com candidatas mulheres perante os simpatizantes de sua própria coligação, o que justifica a perda dos respectivos mandatos.

Neste ponto, deve-se destacar que a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo tem como efeitos de sua condenação a desconstituição dos mandatos, a cassação dos mandatos, e não a inelegibilidade do impugnado prevista para a procedência de representação de que prevê o art. 22 da LC 64/90.

[...]

Como consequência dessa cassação de mandato, em eleição proporcional, impõe-se a nulidade dos votos com relação aos impugnados e aos suplentes de toda a Coligação, assim como a declaração de nulidade de todos os votos atribuídos à Coligação Impugnada, com a distribuição dos mandatos conquistados distribuídos, nos termos do art. 109 do CE, aos demais partidos que alcançaram o quociente partidário (cálculo das sobras eleitorais).

Em resumo, entendo por dar parcial provimento aos recursos, para afastar a caracterização de fraude das candidaturas de IVANETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO e SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET, e negar provimento ao recurso, entendendo fraudulenta a candidatura de DIRCE COSER ZANIN, motivo pelo qual ficam mantidos todos os efeitos da sentença referente à procedência da AIME, quais sejam:

[...]

3.1. DECLARAR a ocorrência de FRAUDE na constituição da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, para a eleição PROPORCIONAL, consistente na utilização de candidatas fictícias do gênero feminino ao cargo de Vereador, em burla expressa ao determinado no artigo 10, §3º, da Lei n. 9.504/97 (redação determinada pela Lei n. 12.034/2009);

3.2. REVOGAR, EM PARTE, o deferimento e homologação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) relativo à COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, tendo como consequência o INDEFERIMENTO DO REGISTRO da citada coligação, unicamente para a eleição PROPORCIONAL, mantido o deferimento e a regularidade da mesma Coligação para a eleição majoritária;

3.3. CASSAR os mandatos obtidos pela COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, na eleição PROPORCIONAL, para o cargo de Vereador, sejam dos titulares ou dos suplentes impugnados, ante a obtenção dos mesmos mediante fraude, reconhecida no item 3.1 desta decisão; e

3.4. DECLARAR NULOS todos os votos atribuídos à Coligação Impugnada na eleição PROPORCIONAL do ano de 2016, com a distribuição dos mandatos de Vereador por ela conquistados, nos termos do art. 109 do Código Eleitoral, aos demais partidos ou coligações que alcançaram o quociente partidário (cálculo das sobras eleitorais).

Atendo-se aos pedidos subsidiários contidos nos recursos, indico que não é possível, exatamente pelas consequências previstas pela legislação, que os votos tidos como nulos permaneçam válidos para a COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, ou os efeitos somente sejam projetados sobre os candidatos menos votados, exatamente pelo fato de que a fraude identificada atinge o nascedouro dos registros de candidatura da coligação – o DRAP.

Nessa linha, a jurisprudência:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2016. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. FRAUDE. ABUSO DO PODER POLÍTICO. BURLA AO INSTITUTO DAS COTAS DE GÊNERO. VIOLAÇÃO AO ART. 10, §3º, DA LEI N. 9.504/97 E AO ART. 5º, I, DA CF/88. COMPROVAÇÃO. A CONSTATAÇÃO DE FRAUDE NA COTA DE GÊNERO MACULA TODA A CHAPA, PORQUANTO O VÍCIO ESTÁ NA ORIGEM. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS E DOS REGISTROS DOS CANDIDATOS ELEITOS, SUPLENTES E NÃO ELEITOS, RESPECTIVAMENTE, OS QUAIS CONCORRERAM AO PLEITO PELAS CHAPAS PROPORCIONAIS CONTAMINADAS PELA FRAUDE. NULIDADE DOS VOTOS ATRIBUÍDOS AOS CITADOS CANDIDATOS, RECONTAGEM TOTAL DOS VOTOS E NOVO CÁLCULO DO QUOCIENTE ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. SANÇÃO DE CARÁTER PERSONALÍSSIMA. ALCANÇA OS CANDIDATOS QUE DERAM CAUSA AO ILÍCITO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

(RE n. 193-92.2016.6.18.0018/PI. Relator Juiz Astrogildo Mendes de Assunção Filho. Publicado no DJE/TRE-PI em 27.9.2017. Unânime). Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER DE AUTORIDADE E FRAUDE ELEITORAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. COTAS DE GÊNERO. ART. 10, §3º, DA LEI Nº 9.504/97.

- QUESTÕES INICIAIS DE ORDEM PÚBLICA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. "PODEM SER APURADOS INCLUSIVE EM SEDE DE AIJE, COM FUNDAMENTO EM EVENTUAL ABUSO DO PODER POLÍTICO POR PARTE DO PARTIDO/COLIGAÇÃO E DE SEUS REPRESENTANTES, QUE SUPOSTAMENTE FORJARAM CANDIDATURAS FEMININAS, E ATÉ MESMO COM FUNDAMENTO NA CONFIGURAÇÃO DE FRAUDE À LEI, EM PRIMAZIA DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DE JURISDIÇÃO, (...), A FIM DE SE GARANTIR A LISURA DO PLEITO" (TSE - RESP ELEITORAL Nº 24342, REL. MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE - 11/10/2016, VOTO VISTA DA MIN. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO). IMPOSSIBILIDADE DE COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA FIGURAR NO POLO PASSIVO.

- MÉRITO. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. ATINGIMENTO DE COTA PARA O SEXO FEMININO APENAS COM O FIM DE SE ELEGER MAIS CANDIDATOS. CUMPRIMENTO DE MERA FORMALIDADE. ATO DESPROVIDO DE CONTEÚDO VALORATIVO E SEM INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. A APRESENTAÇÃO DE MERO ESPECTRO DAS CANDIDATURAS FEMININAS AQUI QUESTIONADAS CONFIGURA FRAUDE AO DISPOSITIVO EM COMENTO E CONSEQUENTE ABUSO DO PODER COM A GRAVIDADE NECESSÁRIA A MACULAR A LISURA DO PLEITO DE 2016. JUSTIFICATIVAS PARA A AUSÊNCIA DE QUALQUER ATO DE CAMPANHA EVIDENTEMENTE CONTRÁRIAS AOS FATOS AUFERIDOS E COMPROVADOS NOS PRESENTES AUTOS. FRAUDE ELEITORAL CONFIGURADA. APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE INELEGIBILIDADE DO ART. 22, XIV, DA L.C. Nº 64/90, TÃO SOMENTE QUANTO AOS RESPONSÁVEIS PELA CONDUTA. PENA DE CASSAÇÃO A TODOS AQUELES QUE FORAM DIRETAMENTE BENEFICIADOS PELO ATO ILEGAL, JÁ QUE POSSIBILITOU O DEFERIMENTO DO REGISTRO DO DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DE ATOS PARTIDÁRIOS - DRAP DA COLIGAÇÃO "SD, PMN, PROS" E, CONSEQUENTEMENTE, VIABILIZOU SUAS CANDIDATURAS AO PLEITO PROPORCIONAL DE 2016 E AS RESPECTIVAS ELEIÇÕES, AINDA QUE COMO SUPLENTES.

SENTENÇA REFORMADA. DE OFÍCIO, EXTINÇÃO DO FEITO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, QUANTO À COLIGAÇÃO RECORRIDA, NOS TERMOS DO ART. 485, INCISO VI, DO CPC. NO MÉRITO, RECURSO PROVIDO, PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL.

(RE n. 370-54.2016.6.26.0173/SP. Relatora Juíza Cláudia Lúcia Fonseca Fanucchi. Publicado no DJE/TRE-SP de 8.8.2017. Unânime) Grifei.

Como bem pontuado no recurso da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, as consequências sobre o panorama eleitoral e político são realmente graves. Tal circunstância igualmente foi identificada pela sentença.

Ocorre que tal resultado grave teve origem em conduta absolutamente reprovável, de prática de ilegalidade que desafiou a efetividade de importante ação afirmativa.

Finalmente, e ainda que o ponto apenas circunde os autos, entendo inaplicável ao caso o art. 224 do Código Eleitoral. O comando indica a necessidade de novas eleições quando a nulidade atingir mais da metade dos votos da circunscrição:

Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

§ 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.

§ 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Ministério Público promoverá, imediatamente a punição dos culpados.

§ 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

[…]

E tal inaplicabilidade se dá, exatamente, para a devida delimitação dos efeitos sancionatórios da legislação de regência.

Observe-se que se trata de norma a incidir somente para as eleições majoritárias. Explico.

A uma, o próprio caput do artigo dá assim a entender, ao principiar determinando a realização de novas eleições para os pleitos “presidenciais”; ainda que se admita que, a seguir, o paralelismo literal não seja rigorosamente obedecido, ao tratar de eleições “estaduais” e “municipais”, é certo que a lógica assim determina.

A duas: ora, nas eleições proporcionais haveria inegável e indevido prejuízo aos demais concorrentes – no caso, a coligação adversária, o que não ocorre nas eleições majoritárias, pois via de regra a nulidade que atinge mais da metade dos votos é exatamente aquela incidente sobre o candidato vitorioso. A jurisprudência se debruça, sempre, sobre casos de eleições majoritárias.

Nessa linha, há uma série de precedentes, dos quais se destaca o julgamento, pelo TSE, dos Embargos de Declaração n. 139-25.2016.6.21.0154, oriundo do Rio Grande do Sul, no qual houve uma série de fixação de teses acerca da aplicabilidade do art. 224 do Código Eleitoral.

Aliás, ainda que recente modificação legislativa (Lei n. 13.165/2015) tenha deslocado a situação do candidato eleito em pleito majoritário, independentemente do número de votos anulados, para o § 3º, penso que o referido parágrafo há de ser lido em conjunto com o caput do art. 224, pois as “demais votações julgadas prejudicadas” não podem ser, forma alguma, de candidatos que obtiveram cargo eletivo nas urnas.

E, aqui, o ponto fundamental da questão, pois nas eleições proporcionais, contudo, sempre há mais de um vitorioso. No Município de Viadutos, das 9 (nove) cadeiras da Câmara Municipal, a COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS ocupa 6 (seis), e a coligação adversária, outras 3 (três). Novas eleições atingiriam, exatamente, estes 3 (três) candidatos eleitos legitimamente pela coligação adversária, o que desbordaria, sob todos os aspectos, dos efeitos desejáveis da presente caracterização de fraude. Três mandatos seriam cassados indiretamente.

Assim, se os efeitos naturais da fraude já são, por si só, bastante drásticos ao cassar toda uma chapa proporcional, esta severidade é prevista legalmente, como bem salientado pela sentença. O ato fraudulento também foi grave, visou burlar importantíssima ação afirmativa, e é de todo reprovável.

Entendo inviável, contudo, que as sanções aplicadas ultrapassem a esfera jurídica da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS e dos candidatos que por ela concorreram, para alcançar a coligação e os candidatos adversários, de maneira que entendo pela não aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.

 

Ante o exposto, VOTO para afastar as preliminares e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso, entendendo não caracterizada fraude nas candidaturas de IVANETE TEREZINHA GONÇALVES DEMARCO e SHIRLEI TEREZINHA VERONEZE BET, e mantendo a sentença no que toca à caracterização de fraude na candidatura de DIRCE COSER ZANIN, motivo pelo qual ficam mantidos todos os efeitos da sentença no que tange à procedência da AIME, quais sejam:

 1. DECLARAR a ocorrência de FRAUDE na constituição da COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, para a eleição PROPORCIONAL, consistente na utilização de candidatas fictícias do gênero feminino ao cargo de vereador, em burla expressa ao determinado no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97 (redação determinada pela Lei n. 12.034/09);

 2. REVOGAR, EM PARTE, o deferimento e homologação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) relativo à COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, tendo como consequência o INDEFERIMENTO DO REGISTRO da citada coligação, unicamente para a eleição PROPORCIONAL, mantido o deferimento e a regularidade da mesma coligação para a eleição majoritária;

3. CASSAR os mandatos obtidos pela COLIGAÇÃO UNIDOS POR VIADUTOS, na eleição PROPORCIONAL, para o cargo de vereador, sejam dos titulares ou dos suplentes impugnados, ante a obtenção dos mesmos mediante fraude; e

4. DECLARAR NULOS todos os votos atribuídos à coligação impugnada na eleição PROPORCIONAL do ano de 2016, com a distribuição dos mandatos de vereador por ela conquistados, nos termos do art. 109 do Código Eleitoral, aos demais partidos ou coligações que alcançaram o quociente partidário (cálculo das sobras eleitorais).

 

(Após votar o relator, pediu vista o Desembargador Eleitoral Silvio Ronaldo. Os demais juízes aguardam o voto-vista.)