RE - 2115 - Sessão: 18/12/2017 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ANTÔNIO CÉSAR PERES DA SILVA contra decisão do juízo da 173ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a representação por doação acima do limite estabelecido no art. 23 da Lei n. 9.504/97 e condenou o recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 10.309,96 (fls. 145-147v.).

Em suas razões (fls. 158-161), o recorrente suscita a inépcia da inicial, ao argumento de que a narrativa do órgão ministerial é genérica. No mérito, invoca a aplicação do princípio da insignificância, a fim de relevar a aplicação da multa. Ao final, requer a extinção da demanda sem extinção do mérito e, subsidiariamente, seja julgada improcedente a representação.

Apresentadas contrarrazões (fls. 168-170v.), nesta instância, os autos foram encaminhados em vista ao Ministério Público Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 191-194v.).

Após, provocadas pelo relator, as partes se manifestaram sobre os eventuais reflexos da Lei n. 13.488/17 sobre o caso em tela (fls. 200-203 e 207-210v.).

É o relatório.

 


 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator):

Preliminares:

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no Diário Oficial da Justiça Eleitoral em 19.5.2017 (fl. 153), e o recurso interposto no mesmo dia (fl. 158), observando, portanto, o tríduo legal previsto no art. 34 da Resolução TSE n. 23.398/13.

O recorrente repisa a prefacial de inépcia da petição inicial, ao argumento de que a narrativa do órgão ministerial é genérica, uma vez que não indica o nome do beneficiário da doação, a quantia doada e o limite excedido. Dentro desse contexto fático, sustenta a inadequação do deferimento da quebra de sigilo fiscal.

Ocorre que a argumentação jurídica não prospera. Isso porque os dados supostamente omitidos estão referenciados nos documentos que instruem a inicial.

Com efeito, a quantia doada, no importe de R$ 5.000,00, bem como a indicação do beneficiário, o candidato Volmir José Miki Breier, constam no documento juntado à fl. 25.

Relativamente ao excesso apurado, observo que a falta de indicação deve ser atribuída à recusa do recorrente em apresentar a sua Declaração de Imposto de Renda, consoante se extrai dos termos da certidão na fl. 05.

Diante disso, e considerando a natureza sigilosa dos documentos, a falta da precisa descrição apenas pode ser suprida durante a instrução probatória, não havendo mácula na inicial, tampouco na decisão que determinou a quebra do sigilo fiscal.

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes: 

Recurso. Eleições 2014. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa física. Procedência. Condenação em multa. Comunicado para fins do disposto no art. 1º, I, "p", da Lei Complementar 64, de 18/5/1990 (Lei de Inelegibilidades) depois do trânsito em julgado. 

Preliminar, Inépcia da petição inicial.

Ao tempo de ajuizamento da demanda, o Ministério Público Eleitoral não tem como saber a quantia doada em excesso. O órgão ministerial apenas recebe listagem, em consonância com o disposto no art. 25, §4º, da Resolução TSE 23.406/2014. Se a petição inicial narra devidamente os fatos e fundamentos jurídicos de forma que é verificável plenamente as causas de pedir próxima e remota, não há falar em inépcia.

(RECURSO ELEITORAL nº 4335 - Belo Horizonte/MG, Acórdão de 07/04/2016, Relator PAULO ROGÉRIO DE SOUZA ABRANTES)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23 DA LEI 9.504/97. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL, ILEGITIMIDADE ATIVA E DECADÊNCIA REJEITADAS. DESPROVIMENTO.

(...)

5. A petição inicial não é inepta, pois preencheu os requisitos dos arts. 282 e 283 do CPC. Na espécie, a documentação que acompanhou a exordial foi suficiente à demonstração da controvérsia e permitiu o exercício do contraditório e da ampla defesa pela agravante.

6. Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 26532 – Acórdão de 01.07.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA.) 

Afasto, portanto, a preliminar.

 

Mérito:

1. Inobservância do limite de doações:

No mérito, cuida-se de doação realizada por pessoa física acima do limite legalmente estabelecido, previsto, à época da doação, no art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97:

art. 23.

§ 1º. As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:

I – no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição.

Registre-se que a recente Lei n. 13.165, de 29 de setembro de 2015, empreendeu mudanças na redação do art. 23 em comento, mas manteve, na substância, a regra da doação por pessoa física limitada até 10% dos seus rendimentos.

Na hipótese, a sentença considerou que o limite de doação do recorrente era de R$ 2.938,08 e, tendo doado a quantia de R$ 5.000,00, excedeu o limite legal em R$ 2.061,92, resultando na multa de R$ 10.309,96, equivalente a 5 vezes o valor do excesso, conforme dispõe o artigo 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, vigente à época.

Os valores apontados na sentença encontram amparo probatório e não são contestados pelo recorrente, que sustenta a aplicação do princípio da insignificância, a fim de relevar a imposição da penalidade.

No entanto, em sede de doação acima do limite legal, a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral é remansosa em não admitir a transposição do aludido preceito (Ac.-TSE, de 15.12.2011, no AgR-REspe n. 24826).

Além disso, acrescente-se que a norma estabelece regra matemática, limitando as doações acima de 10% do rendimento bruto do ano anterior ao da eleição, sem questionar o elemento anímico do doador.

Assim, o comando contido no dispositivo não condiciona sua aplicabilidade à potencialidade da doação em influenciar o resultado do pleito ou caracterizar eventual abuso de poder econômico. Trata-se de critério objetivo, sendo, portanto, automática a incidência da sanção correspondente quando ultrapassado o limite legal.

Nesse sentido,

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. PRAZO DE 180 DIAS. LICITUDE DA PROVA. DESNECESSÁRIA A CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DO PODER ECONÔMICO OU MÁ-FÉ. REEXAME DE PROVA. MULTA APLICADA EM SEU MÍNIMO LEGAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO.

[...]

4. Basta o desrespeito aos limites objetivamente expressos no dispositivo legal para incorrer na penalidade prevista no art. 81, § 1º, da Lei nº 9.504/97, sendo irrelevante a configuração do abuso do poder econômico ou de má-fé.

[...]

6. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 91707, Acórdão de 11.03.2014, Relator(a) Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 68, Data 09.04.2014, Página 37.)

No tocante à proporcionalidade da multa no caso concreto, o seu montante observou os parâmetros legalmente estabelecidos entre o excesso e a penalidade, não sendo possível ao judiciário aplicar outros critérios com fundamento na proporcionalidade, sob pena de malferir a norma legal, conforme já decidiu o egrégio TSE:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA DA DECADÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DA MULTA OU FIXAÇÃO DO SEU VALOR AQUÉM DO LIMITE MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O princípio da insignificância não encontra guarida nas representações por doação acima do limite legal, na medida em que o ilícito se perfaz com a mera extrapolação do valor doado, nos termos do art. 81 da Lei das Eleições, sendo despiciendo aquilatar-se o montante do excesso. Precedentes: AgR-REspe n° 713-45/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 28.5.2014; AgR-AI nº 2239-62/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 26.3.2014.

2. Os postulados fundamentais da proporcionalidade e da razoabilidade são inaplicáveis para o fim de afastar a multa cominada ou aplicá-la aquém do limite mínimo definido em lei, sob pena de vulneração da norma que fixa os parâmetros de doações de pessoas física e jurídica às campanhas eleitorais.

3. Este Tribunal Superior assentou ser de 180 dias, a partir da diplomação, o prazo para formalizar a representação contra doadores, presente o extravasamento dos limites legais. Portanto, tendo em vista que a diplomação referente ao pleito de 2010 no Estado do Paraná ocorreu em 17.12.2010, e a representação por excesso de doação foi ajuizada pelo Parquet eleitoral no dia 10.6.2011, não há que se falar em decadência do direito de ação.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 2050, Acórdão de 15.12.2015, Relator Min. LUIZ FUX, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 60, Data 31.03.2016, Página 12.)

2. Sanção aplicável: retroatividade da lei benéfica:

Por fim, cumpre levar em consideração, no caso presente, a modificação empreendida pela recente Lei n. 13.488/17 sobre a sanção para as doações acima do limite legal.

A anterior redação do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, vigente ao tempo da doação ilegal sob julgamento, previa a pena de multa “no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso”. A recente Lei n. 13.488/17 modificou a redação do aludido dispositivo, reduzindo a multa para até 100% da quantia em excesso:

Art. 23.

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.

As partes foram instadas a se manifestar sobre o ponto.

Antônio Peres da Silva (fls. 200-203) argumenta que o princípio da retroatividade da norma sancionatória mais benéfica deve ser aplicado também em outros ramos do direito, além do penal, invocando precedente do STJ sobre o tema.

O Ministério Público Eleitoral (fls. 207-210) sustenta que a norma a incidir sobre o caso deve ser aquela vigente ao tempo do ilícito, inclusive por uma imposição dos princípios da segurança jurídica e da isonomia. Refere precedentes desta Corte e do egrégio TSE no sentido da irretroatividade da norma benéfica.

Analisando a situação, entendo que a sanção administrativa mais benéfica deve retroagir, alcançando os ilícitos praticados antes de sua vigência.

Acerca do tema, verifica-se existir divergência nos Tribunais, não havendo um posicionamento definido da jurisprudência.

O TSE, quando houve a redução da multa da propaganda antecipada, entendeu pela irretroatividade da sanção (RESPE n. 825, Relator Min. José Antônio Dias Toffoli, DJE: 11.3.2014). A mesma trilha foi seguida quanto a alteração da penalidade para a desaprovação das contas de partidos políticos, admitindo que a nova penalidade de 20% do valor irregular somente incidisse sobre as contas de 2016 (PC n. 96183, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJE 18.03.2016).

Todavia, o egrégio TSE admitiu a retroatividade da norma mais benéfica quando a Lei n. 13.465/15 ampliou de R$ 50.000,00 para R$ 80.000,00 o limite de doações estimáveis em dinheiro realizadas pelo próprio candidato (RESPE n. 5199363, Relatora Min. Luciana Lóssio, DJE 28.06.2016).

Divergência é verificada também no Superior Tribunal de Justiça, com julgado da Primeira Turma daquela Corte admitindo a retroatividade da norma administrativa mais benéfica (STJ, REsp 1153083/MT, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe 19.11.2014) e julgado da Segunda Turma adotando entendimento contrário (RMS 33.484/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 01.08.2013).

Ocorre que o Estado de Direito se caracteriza pela adoção de direitos individuais fundamentais, que conferem às pessoas posições especiais de proteção contra o ente público, sobre a qual a máquina estatal não pode dispor.

Nesse sentido, o art. 5º, XL, da Constituição Federal consagrou, dentre os direitos fundamentais, a retroatividade da lei penal mais benéfica, ao estabelecer que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, conferindo aos indivíduos uma posição especial frente ao Estado.

A previsão se justifica porque a intervenção do Estado na esfera privada das pessoas é excepcional. Se a legislação posterior reconhece que tal ingerência deve se dar com menor intensidade, a aplicação da penalidade anterior se mostra desproporcional, pois o ordenamento reconheceu ser desnecessária a sanção em seu grau anterior.

Acerca do princípio em comento, transcrevo as considerações de Raul Eugênio Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:

O princípio da retroatividade da lei penal mais benigna encontra seu fundamento na própria natureza do direito penal. Se o direito penal regula somente as situações excepcionais, em que o Estado deve intervir para a reeducação social do autor, a sucessão de leis que alteram a ingerência do Estado no círculo de bens jurídicos do autor denota uma modificação na desvaloração de sua conduta. Essa modificação significa que a lei considera desnecessária uma ingerência da mesma intensidade nos bens jurídicos do autor ou que diretamente é dispensável qualquer ingerência. Disso resulta que já não tem sentido a intervenção do Estado, por desnecessária, não se podendo sustentar apenas no fato de que foi considerada necessária no momento em que o autor cometeu o delito. De outra parte, o princípio republicano de governo exige a racionalidade da ação do Estado, e esta é bastante afetada quando pela mera circunstância de que um indivíduo haja cometido um fato com anterioridade a outro, trata-se mais rigorosamente ao primeiro do que ao segundo. A segurança jurídica impede a reversão do princípio, mas requer também que seja cumprido na parte em que não a afeta. (Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral, 2ª ed., 1999, p. 229.)

Além da previsão constitucional para o Direito Penal, também a legislação tributária segue a mesma linha, ao estabelecer a incidência da penalidade mais benéfica ao ato anterior não definitivamente julgado:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

Pelos dispositivos mencionados e sua razão de ser, extrai-se que o ordenamento é informado pelo princípio da retroatividade das normas punitivas mais benéficas, o qual deve orientar também as normas sancionatórias administrativas.

A essa conclusão também chegou a Primeira Turma do STJ no julgamento do RESP 1153083, em 06.11.2014, no qual a Turma seguiu o entendimento exposto pela Ministra Regina Helena Costa:

Em meu entender, a retroação da lei mais benéfica é um princípio geral do Direito Sancionatório, e não apenas do Direito Penal.

Quando uma lei é alterada, significa que o Direito está aperfeiçoando-se, evoluindo, em busca de soluções mais próximas do pensamento e anseios da sociedade. Desse modo, se a lei superveniente deixa de considerar como infração um fato anteriormente assim considerado, ou minimiza uma sanção aplicada a uma conduta infracional já prevista, entendo que tal norma deva retroagir para beneficiar o infrator.

Constato, portanto, ser possível extrair do art. 5º, XL, da Constituição da República princípio implícito do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, a Lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa.

O poder punitivo estatal representa uma ingerência sobre a esfera individual do cidadão. Por isso, independente do ramo de incidência – penal, tributário, administrativo ou eleitoral –, deve ser exercido na estrita medida de sua necessidade. Quando o Estado evolui, reconhecendo a desproporção da penalidade anteriormente prevista, deve o cidadão ser beneficiado por essa evolução, e não ser sancionado com uma pena já considerada desproporcional pelo ordenamento jurídico.

A Constituição Federal não impõe a irretroatividade da lei. Ao contrário, apenas preserva, como direito fundamental dos indivíduos, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido, em prol da segurança jurídica. Não há assim um direito adquirido à punição.

Não se duvida que o direito administrativo é mais dinâmico que o direito penal, disciplinando um âmbito maior de situações em prol do interesse e necessidades públicas que estão sujeitas a constantes mudanças de percepção. Por conta dessa dinâmica, há entendimento jurisprudencial no sentido de que “a retroatividade da norma não penal pressupõe a existência de regra expressa que a determina” (TSE, RESPE n. 4441, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, DJE: 27.09.2016).

Todavia, este entendimento não se mostra o mais consentâneo com o sentido da Constituição. Extraindo-se do ordenamento um princípio de direito sancionatório que impõe a retroatividade da norma mais benéfica, a redução da punição administrativa sem qualquer ressalva deve também sofrer a influência desse princípio, alcançando os ilícitos anteriores à sua edição. Caso a dinâmica administrativa identifique a necessidade de evitar a retroatividade da sanção, deverá fazê-lo de forma expressa.

Essa linha de entendimento foi adotada pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do RESPE n. 5199363:

ELEIÇÕES 2006. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 7º, DA LEI DAS ELEIÇÕES. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Existência, na espécie, de doação estimável em dinheiro relativa à utilização de bem móvel de propriedade do doador cujo valor não ultrapassa o limite legal previsto no § 7º do art. 23 da Lei nº 9.504/97.

2. O princípio da incidência da lei vigente à época do fato (tempus regit actum), previsto no art. 6º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, em especial, do princípio

da proporcionalidade.

3. Se o ordenamento jurídico deixa de considerar determinado fato ilícito, independentemente de tratar-se de uma sanção penal, administrativa ou eleitoral, a aplicação da lei anterior mais gravosa revela-se flagrantemente desproporcional, salvo se a lei anterior estivesse a regular situação excepcional não abarcada pela nova lei, o que não é o caso dos autos.

4. Recurso desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 5199363, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 123, Data 28.06.2016, Página 176-177.)

Agrego à fundamentação, ainda, as considerações tecidas pela Ministra Luciana Lóssio no referido julgamento:

Com efeito, a regra de regência do direito material é a lei vigente no tempo do fato - princípio tempus regit actum. Todavia, entendo que tal regra sofre temperamento quando se está diante de sucessão de normas sancionadoras, independente de sua natureza ser criminal, administrativa, civil, tributária ou eleitoral.

É que as normas limitadoras, independentemente do ramo do direito em que se insiram, atingem a esfera individual dos titulares de direitos subjetivos e somente se justificam pelo critério legislativo de proteção a bens jurídicos.

Naturalmente, a existência e os limites da sanção devem ser contemporâneos a data de sua imposição, ou seja, somente se legitima a incidência da sanção que revele o grau máximo de reprovabilidade considerado na data de sua aplicação, sob pena de, em se admitindo a incidência de uma sanção major que aquela atualmente vigente, a pretexto de a conduta haver sido considerada mais grave pela legislação da data do fato, a invasão na seara individual evidenciar-se desproporcional.

Na mesma linha dos fundamentos invocados pelo Tribunal a quo, não ha que se reconhecer o direito adquirido de o Estado aplicar determinada penalidade em face da conduta considerada ilícita, se no momento da imposição da sanção ela já não ostenta o caráter de ilicitude, ou é sancionada de forma mais leve por ser considerada menos gravosa ao bem jurídico protegido. Corno dito, o legislador constituinte pretendeu proteger a esfera individual, e não o poder sancionador do Estado, ao vedar a retroatividade da legislação superveniente.

Essa compreensão não encontra óbice nos princípios da segurança jurídica e da isonomia, pois os princípios são aplicados segundo critérios de ponderação, sem que um anule ou afaste o outro, e não se extrai diretamente da segurança jurídica ou da isonomia uma vedação absoluta à retroatividade da norma mais benéfica. Ao contrário, identificado no sistema um princípio de direito sancionatório, ele deve conviver com os demais princípios do sistema.

Ademais, os precedentes invocados pelo órgão ministerial não se amoldam ao caso presente: não tratam de sanção administrativa, mas da alteração do caráter ilícito de determinadas condutas, assim como a possibilidade de doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais.

Em relação à aplicação da nova sanção do art. 37 da Lei n. 9.096/95 para a desaprovação das contas, não se vê nos precedentes referidos que a norma posterior seja mais benéfica, inclusive porque a alteração no referido artigo, por um lado, acrescentou multa de 20% sobre o ilícito, mas, por outro, afastou a suspensão do Fundo Partidário, alteração que pode ser benéfica ou maléfica a depender o caso concreto.

Dessa forma, pelas considerações acima tecidas, deve-se adequar a condenação fixada na sentença, para aplicar ao recorrente, de ofício, a nova sanção estabelecida para a ilicitude do art. 23 da Lei n. 9.504/97, de até 100% da quantia em excesso.

Na hipótese, o recorrente excedeu o limite legal da doação em R$ 2.061,92. O ilícito não se mostrou grave a ponto de prejudicar a normalidade do pleito e envolve quantia que, embora não possa ser considerada desprezível, também não é excessiva. Ademais, o excesso verificado representa quase a metade do valor total doado (R$ 5.000,00).

Considerando tais premissas, entendo proporcional fixar a multa em 50% do valor doador, resultando na penalidade de R$ 1.031,00.

PELO EXPOSTO, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso, reduzindo, de ofício, a multa aplicada para R$ 1.031,00.