RC - 7841 - Sessão: 17/04/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso (fls. 128-131) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 77ª Zona Eleitoral - Osório, que absolveu a ré CLÁUDIA ROBERTA DA SILVA da prática do delito previsto no art. 289 do Código Eleitoral (fls. 124-125v.).

O Ministério Público Eleitoral, nos autos de n. 26-79.2014.6.21.0077, denunciou (fls. 02-13) CLAUDIONICE DA SILVEIRA CHAVES, JAIR CEZAR NEUBERT CHAVES, RENATO SILVA DE SOUZA, ROGÉRIO SILVA DE SOUZA, JORGE LUIS SILVA DE SOUZA, MARIA ELSI DE JESUS, ALESSANDRA VIANA CARLOS, ISAC DA SILVA DE SOUZA, GABRIEL TEIXEIRA OURIQUES, ROMILDO DA SILVA DE DEUS, EDER FONSECA MARTINS, KELLY CRISTINA LUTEZ FAGUNDES, ALEXANDRE FERREIRA DA SILVA PEREIRA, CLAUDIA ROBERTA DA SILVA, ANDERSON DE LIMA VACAREN, JOSÉ ENOIR DA ROSA, RITA LEODORA DE SOUZA MORAIS e JOCELI SANTOS DOS SANTOS, arrolando na peça acusatória 24 (vinte e quatro) fatos delituosos e infração aos arts. 289, 290 e 299 do Código Eleitoral.

Em relação à recorrida, foi imputado o seguinte fato:

18ª Fato

Em 27 de abril de 2012, os denunciados CLAUDIA ROBERTA DA SILVA e ANDERSON DE LIMA VACAREN inscreveram-se fraudulentamente eleitores no Município de Itati, abrangido pela 77ª Zona Eleitoral – Osório, mediante a apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque tais eleitores, então moradores do Município de Capão da Canoa, nunca residiram no endereço informado à Justiça Eleitoral (fl. 87 do Apenso A – Vol. I).

Ao agir, o denunciado JAIR CEZAR NEUBERT CHAVES, previamente ajustado com a denunciada CLAUDIONICE DA SILVEIRA CHAVES, sua esposa e candidata a vereadora em Itati, convenceu os denunciados CLAUDIA ROBERTA DA SILVA e ANDERSON DE LIMA VACAREN a transferirem seus domicílios eleitorais para Itati.

Posteriormente, o denunciado JAIR CEZAR NEUBERT CHAVES, conduzindo um automóvel Fiat Uno, de cor branca, levou os eleitores CLAUDIA ROBERTA DA SILVA e ANDERSON DE LIMA VACAREN até o cartório da 77ª Zona Eleitoral de Osório, onde estes solicitaram a transferência de seus domicílios eleitorais, a primeira com base em conta de energia elétrica fornecida pelo primeiro, em nome de Angelino Lopes Silveira, pai da candidata Claudionice (fl. 88 do Apenso A – Vol. I e 503 do Apenso A – vol. II), e o último com base em declaração falsa prestada por Jair (fls. 27-28 do Apenso A – Vol. I).

Assim agindo, os denunciados CLAUDIONICE DA SILVEIRA CHAVES e JAIR CEZAR NEUBERT CHAVES incorreram nas penas do art. 290 do Código Eleitoral, em 02 (duas) oportunidades, na forma do art. 29 do Código Penal, e os denunciados CLAUDIA ROBERTA DA SILVA e ANDERSON DE LIMA VACAREN incorreram nas penas do art. 289 do Código Eleitoral.

Recebida a denúncia em 06.6.2014 (fl. 14), a ré CLAUDIA ROBERTA DA SILVA, apesar de devidamente citada (fl. 21 e v.), deixou transcorrer o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa, razão pela qual lhe foi nomeada defensora dativa (fl. 24).

Apresentada defesa (fls. 26-31), foi concedido à recorrente o benefício da suspensão condicional do processo em 07.7.2015 (fls. 40 e 43-44), sendo determinada a cisão que resultou na autuação dos presentes autos sob o n. 78-41.2015.6.21.0077 (fls. 48-50).

Diante do descumprimento das condições, o benefício foi revogado em 19.10.2016 (fl. 80), prosseguindo o feito contra CLAUDIA, designando-se data para a realização de seu interrogatório (fl. 87).

Intimada (fls. 92-93), a ré deixou de comparecer à audiência (fl. 94), tendo-lhe sido decretada a revelia (fl. 96).

Realizadas diligências (fls. 98-111), foram apresentadas alegações finais pela acusação (fls. 115-116v.) e pela defesa (fls. 118-122).

Sobreveio sentença absolutória (fls. 124-125v.), com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público Eleitoral de piso interpôs recurso, alegando, em síntese, que a materialidade e a autoria estão comprovadas pelos documentos de fls. 107-111. Acrescentou que as afirmações prestadas pela ré perante a autoridade policial, dando conta de que nunca teve vínculo com o Município de Itati e de que sabia que a mudança do domicílio eleitoral visava ajudar a eleição de Claudionice naquela circunscrição, corroboraram a imputação que lhe é feita. Requereu o conhecimento e o provimento do recurso para o efeito de condenar a ré nas sanções do art. 289 do Código Eleitoral.

Com contrarrazões (fls. 137-141), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso e requereu a imediata execução provisória da condenação.

É o relatório

 

 

VOTO

O recurso merece ser conhecido, pois interposto no prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

À luz do art. 109 do CP, não há ocorrência de prescrição dos fatos com a capitulação delitiva contida na inicial.

A sentença (fls. 124-125v.) julgou improcedente a ação penal e absolveu a acusada CLAUDIA ROBERTA DA SILVA das sanções previstas no art. 289 do Código Eleitoral, pelos seguintes fundamentos:

Para perfeita visualização da conduta elencada na peça acusatória, transcrevo o artigo 289 do Código Eleitoral, in verbis:

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

De início, observo que há indícios da prática do crime de inscrição fraudulenta por CLÁUDIA. Contudo, não foram produzidas provas suficientes no presente feito que corroborassem a tese da acusação.

Veja-se que todas as declarações incriminatórias e documentos (fls. 107-11) nos quais se baseia o Ministério Público para o fim de comprovar a hipótese acusatória provêm da investigação policial, que já serviu de base à denúncia, não podendo os mesmos elementos de convicção sustentarem um decreto condenatório, sem que haja suporte probatório judicializado, submetido à apreciação judicial e ao contraditório das partes.

Embora o juízo de admissibilidade da acusação se contente com a existência de indícios de autoria, tal regra não vale, porém, para o momento da sentença, em que vigora o princípio do in dubio pro reo.

Nesse contexto, ausente prova segura e produzida sob o crivo do contraditório de que a ré tenha cometido o crime de inscrição fraudulenta narrado na inicial acusatória, impõe-se a improcedência da pretensão acusatória.

Como é cediço, os elementos de informação colhidos durante o inquérito policial, para serem considerados idôneos ao juízo condenatório, devem ser minimante respaldados pela prova produzida em Juízo, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, segundo o qual o juiz, no processo de formação da sua convicção, não pode fundamentar a sua decisão exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase pré-processual, ressalvadas as provas cautelares irrepetíveis e antecipadas.

Em situações como a dos presentes autos, em que a prova inquisitória não é confirmada em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a dúvida deve militar em favor da acusada, que deve ser considerada presumidamente inocente até que se prove o contrário.

Cito, a esse respeito, decisão do TRE-RS no julgamento do Recurso Criminal n. 201-53, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, em acórdão publicado no DEJERS n. 195, p. 3, de 19.10.2015, em que adotado entendimento no sentido de que a condenação não pode se basear exclusivamente em provas indiciárias, não jurisdicionalizadas.

No mesmo sentido, o seguinte julgado do TRE-SC:

RECURSO CRIMINAL - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - ABSOLVIÇÃO PELA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS (ART. 386, VII, DO CPP) - INSTRUÇÃO PROCESSUAL CONTRADITÓRIA AO ACERVO DO INQUÉRITO POLICIAL - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO - CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. A prova da corrupção eleitoral raramente surgirá de forma direta. No geral, haverá necessidade de reunir circunstâncias, criticamente as analisando para se conseguir segurança razoável quanto à ilicitude. Só que isso não pode representar um julgamento especulativo, fundado mais em suposições do que em evidências reais. Não se trata de ser tolerante com a compra de votos, mas de impedir injustiças. Além disso, a prova testemunhal, para permitir a condenação, deve ser produzida em juízo. Relatos orais havidos somente na inquisitorial têm valor somente para fins de oferecimento da acusação, mas não podem ser pesados para a imposição de pena. Recurso conhecido e improvido. (RECURSO EM PROCESSO-CRIME ELEITORAL n 8454, ACÓRDÃO n 30602 de 22.4.2015, Relator HÉLIO DO VALLE PEREIRA, Revisor VILSON FONTANA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 63, Data 29.4.2015, Página 8)

Por fim, consigno que, em processo penal eleitoral – como de resto em qualquer tipo de processo criminal –, é necessária prova robusta acerca da ocorrência do fato, não podendo a condenação se basear em presunções e suposições não confirmadas judicialmente. Ademais, ressalto que o instituto da revelia, no processo penal, não gera assunção de culpa ou inversão do ônus probatório, permanecendo o Ministério Público com a incumbência de provas todos os elementos constitutivos do crime, sua autoria e materialidade.

Assim, tendo-se em conta a insuficiência probatória e a impossibilidade de embasar um decreto condenatório com fundamento isolado nos elementos da fase inquisitorial, não há outra solução senão a absolvição da acusada.

Irresignado, o Ministério Público Eleitoral afirma que a autoria e a materialidade estão comprovadas por intermédio da documentação juntada às fls. 107-111, cópia das peças que instruem os autos principais de n. 26-79.2014.6.21.0077, a saber:

a) Termo de Declarações prestadas por CLAUDIA ROBERTA DA SILVA (fl. 107 e v.) diante da autoridade policial;

b) Requerimento de Alistamento Eleitoral (fl. 108) subscrito pela ré CLAUDIA;

c) Fatura de Energia Elétrica (fl. 109), em nome de “Angelino L. Silveira”, onde consta declaração autenticada em nome de “Angelino Lopes Silveira”, na qual declara que Valdecir Baier e Claudia Roberta da Silva residem no endereço Vila Costa do Morro, n. 1050, Itati – RS;

d) Certidão de Casamento de JAIR CEZAR NEUBERT CHAVES e CLAUDIONICE SILVA DA SILVEIRA (fls. 110-111).

Não há nos autos qualquer outro elemento probatório, seja na fase inquisitória ou judicial.

Ausente o depoimento de Angelino Lopes Silveira, subscritor da declaração falsa de residência. Da mesma forma, não se vislumbra a tomada de depoimento de Anderson de Lima Vacaren, marido da recorrente – inscrito eleitor na mesma oportunidade –, ou, ainda, de Jair Cezar Neubert Chaves e de Claudionice da Silveira Chaves, codenunciados por supostamente induzirem a ré CLAUDIA a inscrever-se fraudulentamente.

A única prova do fato imputado, portanto, está embasada no depoimento da própria eleitora CLÁUDIA, prestado diante da autoridade policial.

É pacífico que não existe nenhum óbice na consideração de elementos colhidos na fase inquisitorial, desde que corroborados por provas produzidas em juízo.

In casu, não foram ouvidas testemunhas em juízo, e a ré não compareceu à audiência de interrogatório nem confirmou suas declarações (fl. 96).

Assim, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, “não podem subsistir condenações penais fundadas unicamente em prova produzida na fase do inquérito policial, sob pena de grave afronta às garantias constitucionais do contraditório e da plenitude de defesa”:

HABEAS CORPUS. PENAL. PACIENTE CONDENADO PELA PRÁTICA DE ATENTADO VIOLÊNTO AO PUDOR. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA CONDENAÇÃO POR ESTAR BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. OCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDADA ESSENCIALMENTE EM DEPOIMENTOS PRESTADOS NA FASE PRÉ-JUDICAL. NULIDADE. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I – Os depoimentos retratados perante a autoridade judiciária foram decisivos para a condenação, não se indicando nenhuma prova conclusiva que pudesse levar à responsabilidade penal do paciente. II - A tese de que há outras provas que passaram pelo crivo do contraditório, o que afastaria a presente nulidade, não prospera, pois estas nada provam e são apenas indícios. III – O acervo probatório que efetivamente serviu para condenação do paciente foi aquele obtido no inquérito policial. Segundo entendimento pacífico desta Corte não podem subsistir condenações penais fundadas unicamente em prova produzida na fase do inquérito policial, sob pena de grave afronta às garantias constitucionais do contraditório e da plenitude de defesa. Precedentes. IV – Ordem concedida para cassar o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e restabelecer a sentença absolutória de primeiro grau.

(STF. HC n. 103660, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 30.11.2010, DJE 07.4.2011.)

(Grifei.)

Nesse sentido, este Tribunal, no julgamento do RC n. 28-49, também originário da AP n. 26-79.2014.6.21.0077, do Juízo da 77ª Zona Eleitoral – Osório, procedente do Município de Itati/RS – referente aos 1º, 2º, 4º e 5º fatos da denúncia – concluiu pela ausência de provas:

Recurso criminal. Indução à inscrição fraudulenta. Art. 290 do Código Eleitoral. Corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012. Afastada a preliminar. Apresentados os motivos do inconformismo com a decisão, não há que se falar em ausência de profligação da sentença. 1. Suposto recrutamento indevido de eleitores para alistamento e para transferência de títulos. O conceito de domicílio eleitoral é mais flexível do que o do direito civil, comportando outros elementos que não propriamente a residência no município. Não configurado vício a macular o ato de inscrição eleitoral, inexiste a materialidade. 2. Alegado oferecimento de vantagens em troca de voto. Fato ocorrido em data em que os candidatos sequer haviam sido escolhidos em convenções partidárias. Ausentes elementos de convicção a sustentar a ocorrência do ilícito. Caderno probatório insuficiente para concluir, com segurança, a ocorrência dos crimes narrados na denúncia. A dúvida deve militar em favor do réu, que é presumido inocente até que se prove o contrário, conforme preceito constitucional. Sentença de improcedência da denúncia mantida. Provimento negado.

(TRE-RS. RC n. 2849, Acórdão de 19.5.2016, Relatora Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 90, Data 23.5.2016, Página 2.)

Diante do contexto probatório quanto à autoria e à materialidade do delito, inviável concluir, com a certeza e a segurança que o juízo condenatório requer, dada a gravidade dos seus efeitos, que CLÁUDIA tenha praticado o delito do art. 289 do Código Eleitoral.

À míngua de suficiência probatória, resta imperioso o desprovimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, mantendo a absolvição, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.