RE - 17114 - Sessão: 27/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LUIZ FERNANDO COPETTI DESBESELL, concorrente ao cargo de vereador no Município de Giruá, contra sentença do Juízo da 127ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista o recebimento de recursos estimáveis em dinheiro – doações de combustíveis e lubrificantes provenientes de pessoas físicas – que deveriam ter transitado pela conta bancária de campanha, o que não ocorreu (fls. 45-48).

Em suas razões recursais (fls. 59-68), alega ser viável a doação de combustível na forma estimável em dinheiro. Sustenta que os doadores autorizaram o candidato a abastecer o veículo vinculado à campanha em estabelecimento em que possuíam “verdadeira conta-corrente”, procedimento usual em municípios do interior do estado. Argumenta que não houve sonegação de qualquer informação à Justiça Eleitoral, não havendo prejuízo à transparência. Aduz serem mínimos os valores doados na modalidade tida como irregular e requer a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Assevera que os valores apontados sequer necessitariam ser declarados, considerando o disposto no art. 27 da Lei n. 9.504/97. Pugna pelo provimento do recurso para reformar a sentença e aprovar as contas, mesmo que com ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 72-78).

Em razão da nulidade da sentença suscitada pelo órgão ministerial, foi aberto prazo ao recorrente para que se manifestasse sobre a preliminar, vindo aos autos petição da parte.

É o breve relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR:

Tempestividade:

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada no dia 12.12.2016 (fl. 50), tendo sido opostos embargos de declaração, rejeitados em decisão publicada em 23.01.2017 (fl. 57), ao que se seguiu a interposição do recurso no dia 25 do mesmo mês (fl. 59).

 

Nulidade da sentença:

Preliminarmente, a sentença desaprovou as contas em razão da inexistência de provas da capacidade econômica do candidato para a doação com recursos próprios e da doação de combustível estimável monetariamente em R$ 500,00, recebida de terceiro.

A Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que negou vigência à determinação expressa dos arts. 19 e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, determinando, este último, o recolhimento integral do valor doado de forma irregular.

Ressalta o órgão ministerial que a inobservância do ordenamento jurídico, matéria de ordem pública, não está acobertada pela preclusão, razão pela qual os autos devem retornar à origem, para que nova decisão seja proferida.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

Não se verifica, na sentença recorrida, a omissão de um dever legal decorrente do reconhecimento da arrecadação de recursos de origem não identificada, mas o entendimento do magistrado de que a irregularidade apurada constitui falha distinta à ausência de identificação do doador.

No caso, a sentença não fundamentou a desaprovação das contas de origem não identificada, prevista no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, dispositivo regulamentar que sequer é mencionado na decisão recorrida.

Ao contrário, a sentença baseia a desaprovação na inconsistência entre o patrimônio do candidato e a doação realizada por ele, e no recebimento de combustível em espécie, equivalente a R$ 500,00, por ter ofendido os arts. 13 e 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, sem qualificar tais doações como de origem não identificada.

Nesta situação, verifica-se uma verdadeira divergência do órgão ministerial com a interpretação jurídica dos fatos realizada em primeiro grau.

Não se trata aqui de uma omissão do juiz em determinar o recolhimento imposto para as doações de origem não identificada. Ao contrário, não houve tal ordem, porque o juiz não considerou os valores como de origem não identificada.

Nesta hipótese, em que a sentença não justificou a desaprovação na ausência de origem dos valores, não se está diante de nulidade, pois não houve omissão na aplicação de uma norma de ordem pública, mas do enquadramento das falhas em outros dispositivos, situação que apenas poderia ser alterada mediante recurso do fiscal da lei, e não em sede de recurso exclusivo do prestador, sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus, conforme pacífica jurisprudência:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

3. Alterar a conclusão do Tribunal Regional, que assentou a constatação de despesas com sublocação de imóvel sem os correspondentes recibos eleitorais, demandaria o vedado reexame de fatos e provas nesta via excepcional.

4. A tese suscitada não teve o devido dissídio evidenciado, porquanto não realizado o cotejo analítico para verificação da similitude fática entre a decisão atacada e os paradigmas colacionados, conforme exigência da Súmula n. 28/TSE.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70.) (Grifei.)

Do exposto, máxime em face da ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecidas a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

 

MÉRITO:

Passando ao mérito, a contabilidade foi desaprovada em razão da constatação da ocorrência de doações estimáveis em dinheiro realizadas por pessoas físicas que não atenderam ao disposto no art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, visto que não se tratava de produto de seu próprio serviço ou de suas atividades econômicas (combustíveis).

Reproduzo o dispositivo:

art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

Esta doação, no valor de R$ 500,00, foi realizada por Leandro Klein na aquisição de combustível disponibilizado ao candidato (fl. 31 e v.), o que representou 11,41% do total arrecadado na campanha eleitoral.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual em face da movimentação total – em torno de 10% dos recursos –, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão na contabilidade, com fundamento nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Página 48-49.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15.)

 

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer conclusivo do órgão técnico deste TRE e manifestação ministerial pela desaprovação.

Arrecadação de recursos e realização de despesa sem o prévio trânsito pela conta bancária específica.

Pequeno valor da irregularidade assinalada, envolvendo quantia inferior a 10% da movimentação financeira de campanha. Falha que não compromete a regular fiscalização da demonstração contábil.

Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 755276, Acórdão de 19.4.2011, Relator DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 067, Data 27.4.2011, Página 01.)

Na hipótese, o valor absoluto de R$ 500,00 não se mostra expressivo, e representa pouco mais de 10% da movimentação total de recursos, incapaz de prejudicar a fiscalização e a confiabilidade do conjunto das contas.

Registre-se ainda que o doador, embora tenha realizado doação estimável em dinheiro em contrariedade à disposição do art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, foi perfeitamente identificado, com seu CPF e data da doação (fl. 31 e v.).

No tocante à ausência de patrimônio para suportar a doação de R$ 1.300,00 realizada pelo candidato em prol da sua campanha, o prestador juntou recibos de salário e adicional de férias, evidenciando a percepção de valores que lhe permitem suportar a doação realizada (fls. 38-39).

Dessa forma, considerando os documentos juntados, o reduzido valor absoluto da irregularidade, a baixa repercussão em face do montante total de gastos e a evidência de boa-fé do prestador, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, pois não maculada sua confiabilidade.

 

Ante o exposto, VOTO por afastar a preliminar suscitada e pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas.