RE - 14431 - Sessão: 23/10/2017 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por RUBEN WEIMER e ANTÔNIO CARLOS DALLA COSTA, candidatos eleitos, respectivamente, prefeito e vice-prefeito de Giruá, contra sentença do Juízo da 127ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista o recebimento de doações de combustíveis – bens estimáveis em dinheiro – provenientes do partido ou de terceiros (fls. 74-77).

Em suas razões recursais (fls. 89-98), alegam ser possível a doação de combustível na forma estimável em dinheiro e que foi cumprida a finalidade da legislação. Sustentam a boa-fé dos candidatos e invocam a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Requerem a aprovação das contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 102-108).

Em razão da nulidade da sentença suscitada pelo órgão ministerial, foi aberto prazo aos recorrentes para que se manifestassem sobre a preliminar, juntando petição nas folhas 116 a 123.

É o breve relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. Os embargos de declaração opostos contra a sentença foram publicados no dia 23.01.2017 (fl. 86), ao que se seguiu a interposição do recurso no dia 25 do mesmo mês (fl. 89).

 

Nulidade da sentença

Preliminarmente, a sentença desaprovou as contas em razão do recebimento de doações de combustíveis adquiridos por terceiros e repassados, em espécie, aos candidatos.

A Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação pela nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que negou vigência à determinação expressa dos arts. 19 e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, no sentido do recolhimento ao Tesouro Nacional das doações em contrariedade com tais artigos.

Com fundamento nos arts. 10 e 933 do Código de Processo Civil, em respeito ao dever de diálogo, a parte recorrente foi intimada e manifestou-se, alegando que (a) a matéria não foi devolvida ao Tribunal; (b) não se trata de matéria de ordem pública que autorize a apreciação de ofício, pois não possui natureza processual; (c) não houve desaprovação, com fundamento em origem não identificada da doação; e (d) o Tribunal possui precedentes no sentido da possibilidade da aprovação das contas.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

Não se verifica, na sentença recorrida, a omissão de um dever legal decorrente do recebimento de recursos de origem não identificada, mas o entendimento do magistrado de que a irregularidade apurada constitui falha distinta da ausência de identificação do doador.

A sentença referiu que o parecer conclusivo apontou o recebimento de R$ 5.000,00, provenientes de origem não identificada. Os candidatos informaram ter recebido o valor do Partido Progressista, mas o numerário não constou na prestação de contas da agremiação. O magistrado afastou a falha, fundamentando que “tais valores não foram registrados como doações do Partido Progressita – PP, quiçá por mero equívoco, já que inicialmente, antes da retificação, tais valores integravam a prestação de contas” (fl. 75).

O único fundamento para a desaprovação das contas foi o recebimento de doações de combustíveis, estimáveis em R$ 5.900,00, adquiridos por terceiros e cedidos aos candidatos, em ofensa ao art. 22 da Lei n. 9.504/97, e arts. 13 e 19 da Resolução  TSE n. 23.463/15.

No tocante a essa falha, a sentença não faz qualquer menção ao art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual dispõe sobre recursos de origem não identificada.

Nessa situação, verifica-se uma verdadeira divergência do órgão ministerial com a interpretação jurídica dos fatos realizada em primeiro grau.

Não se trata aqui de uma omissão do juiz em determinar o recolhimento imposto para as doações de origem não identificada. Ao contrário, não houve ordem de recolhimento porque o juiz não considerou os valores irregulares como de origem não identificada.

Nesta hipótese, em que a sentença afastou o apontamento de origem não identificada e desaprovou as contas por fundamento diverso da caracterização de ofensa ao art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, não se está diante de nulidade, pois não houve omissão na aplicação de uma norma de ordem pública, mas o enquadramento das falhas em outros dispositivos, situação que apenas poderia ser alterada mediante recurso do fiscal da lei, e não em sede de recurso exclusivo do prestador, sob pena de operar-se a vedada reformatio in pejus, conforme pacífica jurisprudência:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

3. Alterar a conclusão do Tribunal Regional, que assentou a constatação de despesas com sublocação de imóvel sem os correspondentes recibos eleitorais, demandaria o vedado reexame de fatos e provas nesta via excepcional.

4. A tese suscitada não teve o devido dissídio evidenciado, porquanto não realizado o cotejo analítico para verificação da similitude fática entre a decisão atacada e os paradigmas colacionados, conforme exigência da Súmula nº

28/TSE.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70.) (Grifei.)

Do exposto, máxime em face da ausência do manejo recursal pelo Ministério Público, reconhecidas a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

 

MÉRITO

Passando ao mérito, a contabilidade foi desaprovada em razão da constatação de doações – estimáveis em dinheiro realizadas por pessoas físicas – que não atenderam ao disposto no art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, visto que não se tratava de produto de seu próprio serviço ou de suas atividades econômicas (combustíveis).

Reproduzo o dispositivo:

Art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

Essas doações, no valor de R$ 5.900,00, foram realizadas por Carlos Oberti Scherer (R$ 1.150,00, em 25.9.2016; R$ 650,00, em 22.9.2016; e R$ 2.100,00, em 19.9.2016) e Roque Lazeri (R$ 2.000,00, em 23.9.2016) para o Partido Progressista, que as repassou para os ora prestadores.

A irregularidade representou 6,74% do total arrecadado na campanha eleitoral.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual em face da movimentação total – em torno de 10% dos recursos –, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão na contabilidade, com fundamento nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Página 48-49.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15.)

Na hipótese, o valor de R$ 5.900,00 não se mostra expressivo, e representa 6,74% da movimentação total de recursos, incapaz, portanto, de prejudicar a fiscalização e a confiabilidade do conjunto das contas.

Registre-se, ainda, que os doadores, embora tenham realizado doações estimáveis em dinheiro em contrariedade à disposição do art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, foram perfeitamente identificados, com seu CPF e data da doação (fl. 35).

Dessa forma, considerando os documentos juntados e a baixa repercussão em face do montante total de gastos, além da evidência de boa-fé do prestador, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, pois não maculada sua confiabilidade.

 

Ante o exposto, VOTO por afastar a preliminar suscitada e pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas.