RE - 72330 - Sessão: 03/10/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MILTON TERRA BUENO, concorrente à reeleição ao cargo de prefeito em Cidreira, contra sentença do Juízo da 110ª Zona Eleitoral (fls. 90 e v.), que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista o recebimento de doação por meio de depósito em espécie em valor superior ao limite de R$ 1.064,10, e a consequente utilização deste recurso, contrariando o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em suas razões, o recorrente suscita, preliminarmente, seja o recurso recebido no efeito suspensivo, bem como reconhecida a incompetência da Justiça Eleitoral para a análise do seu patrimônio e da sua renda. No mérito, afirma que o valor depositado é proveniente de poupança, com base nos rendimentos auferidos pelo exercício do cargo de prefeito. Apresenta quadro comparativo dos seus rendimentos nos últimos quatro anos. Alega a regularidade da sua Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda. Sustenta, também, que a falha apontada constitui erro meramente formal e irrelevante, não comprometendo a análise das contas. Aduz a ausência de má-fé do prestador e de prejuízo à transparência das contas. Postula a aplicação do princípio da insignificância e da proporcionalidade. Ao final, requer o acolhimento da preliminar e, em caso negativo, a reforma da decisão, a fim de que sejam julgadas aprovadas (fls. 97-105).

Em contrarrazões, a Promotora Eleitoral repisou a ratio decidendi da sentença, pugnando o desprovimento do recurso (fls. 112-114).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral suscitou a preliminar de desconsideração dos documentos anexados ao recurso e, no mérito, na hipótese de o Tribunal entender pela admissibilidade da juntada de documentos em fase recursal, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 117-122).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Luciano André Losekann (relator):

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Preliminarmente, no que se refere ao requerimento de concessão de efeito suspensivo ao recurso, impende ressaltar que, em sede de processo eleitoral, há de se observar o disposto no art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, in verbis:

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

(…)

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

Conforme se depreende do dispositivo acima transcrito, os recursos contra sentenças de processos de prestações de contas não se inserem dentre as hipóteses permissivas de atribuição de efeito suspensivo.

Ademais, a sentença em questão não gera qualquer restrição aos direitos políticos do candidato, de modo que não se vislumbra interesse capaz de justificar o deferimento do apelo.

Portanto, não merece acolhimento o pedido.

Ainda em preliminar, cabe registrar que o prestador suscitou a incompetência material da Justiça Eleitoral para a análise do seu patrimônio e de sua renda, aduzindo que a sentença deixou de observar o princípio da congruência ao firmar as convicções na análise da capacidade financeira do candidato, extrapolando os limites objetivos da demanda no particular.

Nesse ponto, insta consignar que a Justiça Eleitoral é responsável pela fiscalização da arrecadação e da aplicação de recursos nas campanhas eleitorais, exegese extraída do art. 17 e seguintes da Lei n. 9.504/97.

Ademais, de se salientar que a redação do art. 80 da Resolução TSE n. 23.463/15 é extremamente clara no sentido de conferir à Justiça Eleitoral o poder fiscalizatório nos recursos utilizados em campanha, que não se limita à análise das contas, mas ocorre durante todo o período eleitoral.

Acrescente-se ainda que, à luz do disposto no art. 56 da Resolução TSE n. 23.463/15, verificada a utilização de recursos financeiros próprios, é facultado à Justiça Eleitoral exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da respectiva origem e disponibilidade, hipótese verificada no caso em comento, razão pela qual não merece prosperar a preliminar.

Por fim, no tocante à preliminar de apresentação de documentos novos pelo candidato em sede recursal, suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, ressalta-se que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento no sentido de que, “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relator Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016).

Contudo, de acordo com o caput do art. 266 do Código Eleitoral, e na linha da reiterada jurisprudência desta Corte, entendo não haver óbice ao conhecimento e análise da documentação apresentada com o recurso.

No mérito, adianto que o apelo não merece provimento.

O art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, ao disciplinar as doações de campanha realizadas por pessoas físicas, assim estabelece:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Infere-se que a referida norma estabelece que as “doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação” (art. 18, § 1º).

E, na sequência, o § 3º do art. 18 disciplina que as “doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional”.

No caso sob exame, é incontroverso o recebimento, por meio de depósito em espécie realizado diretamente na conta-corrente de campanha, do valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais), declarados pelo prestador como sendo provenientes de recursos próprios (fl. 52).

Além disso, é incontestável a informação de que tal valor foi utilizado na campanha do recorrente, conforme se deflui da análise dos extratos bancários apresentados na ocasião da prestação das contas (fls. 13-20).

Portanto, uma vez recebida a doação realizada em desacordo com o que determina a norma eleitoral, deve o valor ser devolvido ao doador, caso identificado, ou, sendo essa hipótese impossível, ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Nesse ponto, com o fim de identificar o doador, o prestador juntou a sua Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda do exercício anterior (fls. 53-61), nota explicativa (fl. 52) e extratos da conta-corrente particular (fls. 106-109).

Entrementes, analisando detidamente a documentação acostada aos autos, verifico que ela não se presta para demonstrar a origem do recurso, mas apenas sugerir a capacidade financeira do prestador para realizar a doação. Ademais, entendo que a simples declaração não constitui prova hábil para identificar o verdadeiro responsável pela doação.

A declaração de renda juntada pelo candidato demonstra que, no ano-calendário 2015, o contribuinte auferiu R$ 234.495,39 em rendimentos (R$ 219.439,08 em rendimentos brutos tributáveis pagos pela Prefeitura Municipal de Cidreira e pela Pessoa Jurídica registrada em seu nome, R$ 12.922,25 provenientes de 13º salário, R$ 1.898,70 como rendimento de sociedade, e R$ 235,36 como rendimento de aplicação financeira), tendo depositado R$ 56.792,36 em aplicação de renda fixa, utilizado R$ 75.000,00 dos valores auferidos no ano para quitação de dívida e R$ 15.000,00 para reforma de imóvel, bem como mantido R$ 105.000,00 em sua posse, em espécie (fls. 55-61). Como se vê, os valores recebidos (R$ 234.495,39, brutos) superam os empregados e mantidos como reserva (R$ 251.792,36). Essa avaliação aqui se coloca apenas na forma de comentário, visto que tais análises não são da competência da Justiça Eleitoral, sendo aqui veiculadas apenas em razão da provocação do recorrente.

Ademais, o recorrente era o Prefeito do Município de Cidreira, candidato à reeleição, e proprietário de empresa de contabilidade. Ou seja, mais do ninguém, não poderia ignorar a necessidade de que tal monta de recursos estivesse previamente em uma conta corrente e, ao depois, por meio de TED, ingressasse em sua conta de campanha.

Em prosseguimento, registro que a conformação às exigências legais para o repasse de recursos à campanha não configura mero formalismo do legislador, mas representa medida imprescindível para que se verifique, com segurança, a identificação do doador e a origem dos recursos ofertados, garantindo a transparência e confiabilidade das contas.

De outra senda, embora se argumente que exigir que os valores utilizados em campanha transitem em uma conta corrente e sejam repassados mediante transferência seja mero formalismo, é de se anotar que, paralelamente ao controle da Justiça Eleitoral, esse mecanismo possibilita que controles de outra natureza possam ser acionados, como aqueles realizados pela Receita Federal, Banco Central ou Ministério Público. Em especial, menciono o acompanhamento realizado pelo COAF, ao qual possivelmente escapem as contas de candidatos (pessoa jurídica), visto envolverem grandes movimentações em curto espaço de tempo, mas do qual não se esquivaria uma conta corrente de pessoa física (“podem configurar indício de ocorrência dos crimes previstos na Lei n. 9.613, de 03.03.98, […] aumentos substanciais no volume de depósitos de qualquer pessoa física ou jurídica, sem causa aparente, em especial se tais depósitos são posteriormente transferidos, dentro de curto período de tempo, a destino anteriormente não relacionado com o cliente” - Carta-Circular BACEN 2.826).     

Desse modo, tenho que incumbia ao prestador juntar aos autos prova inconteste de que foi o responsável por realizar a doação, o que poderia ser feito, por exemplo, por meio do comprovante de saque da quantia, na data de realização do depósito, em conta-corrente particular. Todavia, tal providência não restou exitosa.

Portanto, reconhecida a doação de origem não identificada, e em valor superior ao limite estabelecido pelo art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, deve a respectiva importância ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto no § 3º do aludido artigo, conforme referido pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral (fl. 122).

Ademais, ressalta-se que a aludida doação representa 69,82% do total de receitas auferidas pelo candidato, não sendo possível cogitar a aplicação do princípio da insignificância à hipótese.

Ante o exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso, devendo a quantia de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

É como voto, senhor Presidente.

 

(Após votar o relator afastando as questões preliminares e negando provimento ao recurso, pediu vista o Des. Eleitoral Jamil Bannura. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)