RE - 63662 - Sessão: 13/12/2017 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por SCHANA REIS CORREA, candidata ao cargo de vereador em Cruz Alta, em face da sentença (fls. 19-21) que desaprovou as suas contas referentes às eleições municipais de 2016, com fundamento no art. 30, inc. III, da Lei  n. 9.504/97 e art. 18, § 1º, da Resolução n. 23.463/15 do TSE.

Em suas razões, a recorrente sustenta que o valor tido como irregular trata-se de recurso próprio, razão pela qual entende que a sentença deve ser reformada, aprovando-se a prestação de contas (fls. 23-24).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela anulação da sentença e retorno dos autos à origem, a fim de que a magistrada a quo analise devidamente o disposto no art. 26 da Resolução do TSE n. 23.463/15 e, consequentemente, determine o recolhimento ao Tesouro Nacional da totalidade do montante recebido de origem não identificada - R$ 2.000,00. Em caso de entendimento diverso, no mérito, manifesta-se pelo desprovimento do recurso, bem como pela determinação, de ofício, do repasse ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.000,00, oriundos de origem não identificada, nos termos do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15 (fls. 29-34v.).

Em atenção aos princípios da não surpresa e do contraditório substancial, foi determinada a intimação da parte recorrente para que se manifestasse a respeito do parecer ministerial (fl. 36).

Em sua resposta, a recorrente alega que a determinação do recolhimento de valores de ofício, tal como sustenta a Procuradoria, incidiria em supressão de instância e reformatio in pejus. Ao final, requer a aprovação das contas, ainda que com ressalvas (fls. 41-47).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita preliminar de nulidade da sentença.

Com efeito, ao reconhecer a existência de recursos de origem não identificada, cabia ao magistrado determinar o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força do que dispõe os arts. 18, §§ 1º e 3º, 26 e o 56, todos da Resolução do TSE n. 23.463/15:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

(…)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

(…)

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

 

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

(...)

§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei.)

 

Art. 56. No caso de utilização de recursos financeiros próprios, a Justiça Eleitoral pode exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da respectiva origem e disponibilidade.

Parágrafo único. A comprovação de origem e disponibilidade de que trata este artigo deve ser instruída com documentos e elementos que demonstrem a procedência lícita dos recursos e a sua não caracterização como fonte vedada. (Grifei.)

No entanto, tenho que, em prestígio à disposição que permite o julgamento da chamada “causa madura”, é possível superar a nulidade arguida e suprir a omissão do juízo a quo em relação à determinação de recolhimento de valores, acaso o exame do mérito do pedido assim recomende. Vejamos a previsão do Código de Processo Civil:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

[...]

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I - reformar sentença fundada no art. 485;

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

A doutrina, em especial o estudo de Cristiana Zugno Pinto Ribeiro, anota que a aplicação do dispositivo demanda questão exclusivamente de direito ou ação em condições de imediato julgamento, nestes termos:

O tribunal, em princípio, não deve avançar no exame das matérias não decididas ainda em primeiro grau, pois isso violaria o princípio do duplo grau de jurisdição. No entanto, essa ideia cede espaço à regra do § 3º do art. 1.013, pela qual em determinadas hipóteses em que o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal fica autorizado a decidir desde logo o mérito da demanda, sem restituir o processo para novo julgamento pela primeira instância.

Para tanto, é necessário que a causa esteja “madura” para julgamento, ou seja, que verse questão exclusivamente de direito ou esteja em condições de imediato julgamento.

Portanto, o tribunal não pode fazer uso da regra do § 3º do art. 1.013 se a causa exigir dilação probatória, sob pena de cerceamento de defesa. Contudo, quando já concluída a instrução probatória, poderá julgar desde logo o mérito.

[…]

No inciso II se inserem os casos de sentença extra petita, que é aquela que julga fora do pedido, ou seja, que concede ao autor pedido de natureza ou objeto diverso do que lhe foi demandado, bem como de sentença ultra petita, que é aquela que vai além do pedido, condenando o réu em quantidade superior da requerida pelo autor.

O inciso III diz respeito à sentença infra ou citra petita, que é aquela que não aprecia integralmente o pedido ou algum dos pedidos cumulados, sendo autorizado o tribunal a julgar desde logo o pedido sobre o qual a sentença se omitiu.

(Novo Código de Processo Civil Anotado / OAB. – Porto Alegre: OAB RS, 2015, pp. 787-788.)

Considerando que, nestes autos, a instrução probatória foi perfectibilizada, que se trata de questão de direito e que a parte foi devidamente intimada para se manifestar sobre o ponto, rejeito a preliminar de nulidade veiculada pela Procuradoria Regional Eleitoral, tendo em vista a possibilidade de aplicação do art. 1.013, § 3º, inc. III, do Código de Processo Civil.

2. Tempestividade

O recurso é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

Passo ao exame do mérito.

3. Mérito

Em relação ao mérito, a prestação de contas foi desaprovada em razão do recebimento de doação no valor de R$ 2.000,00, representando 22% dos recursos arrecadados, realizada mediante depósito no dia 05.9.2016, acima do limite previsto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

A recorrente alega que o depósito ocorreu fora dos parâmetros legais em virtude da greve bancária ocorrida naquele período.

Contudo, foi bem a magistrada de primeiro grau ao assim consignar (fl. 20):

o movimento grevista, quando da interrupção das atividades, impôs a todos os candidatos ao pleito idêntico obstáculo, dificultando operações bancárias em geral. Conclui-se, pois, que os demais candidatos, em sua ampla maioria, respeitaram as regras e determinações pertinentes, não sendo possível - inclusive por questão isonômica - aceitar que apenas a candidata cujas contas aqui se aprecia pudesse ignorá-las.

Portanto, apesar dos argumentos da recorrente, entendo inafastável a irregularidade apontada na sentença, razão pela qual deve o recurso ser desprovido.

Por outro lado, vejo que a magistrada, apesar de reconhecer a irregularidade, entendeu por não determinar o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, pois a doação teria sido realizada pela pessoa física da candidata à sua conta de campanha (pessoa jurídica).

Em sua defesa, a recorrente refere que o valor de R$ 2.000,00 é de recursos próprios e que sua origem estaria comprovada mediante apresentação da declaração de imposto de renda. Sustenta a ausência de dolo, má-fé ou abuso de poder em sua conduta. Postula a aplicação do princípio da insignificância. Por fim, quanto à necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional, afirma que tal determinação configuraria reformatio in pejus, visto que o recurso foi aviado exclusivamente pela defesa, não havendo irresignação do Ministério Público Eleitoral de piso nesse sentido.

Todavia, como já consignei na análise da preliminar ministerial, entendo que tal questão pode ser reanalisada de ofício por este Tribunal, de modo a superar a nulidade arguida e suprir a omissão do juízo a quo em relação à determinação de recolhimento de valores.

Assim, o depósito de valores em quantia superior ao limite estabelecido pelo art. 18, § 1º, da Resolução do TSE n. 23.463/15, ainda que pretensamente realizado pelo próprio candidato, configura irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas, devendo o respectivo montante ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

(...)

§6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei.)

Ressalto, por fim, que a situação sob análise difere daquelas nas quais o recorrente comprova o saque do valor da conta-corrente pessoa física do candidato e o depósito, de forma contínua e imediata, na conta de campanha deste. Aqui inexiste comprovação dessa relação temporal, razão pela qual resta comprometida a confiabilidade das contas.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição da preliminar ministerial e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, determinando-se, de ofício, o recolhimento da quantia de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto no art. 18, §§ 1º e 3º, e no art. 26, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15.

É como voto, senhor Presidente.