RE - 63832 - Sessão: 19/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARINO MARANGON, candidato eleito ao cargo de vereador no Município de Cruz Alta, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, em face da não observância do contido no § 1º do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15 (fls. 39-41).

Em suas razões, o candidato alega excessivo rigor na análise da contabilidade. Expõe que houve greve dos bancos durante a campanha eleitoral, o que impossibilitou o acesso aos serviços. Argumenta que os valores questionados são recursos próprios e postula a aplicação do princípio da insignificância. Requer a aprovação das contas (fls. 43-44).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela nulidade da sentença, em razão de não ter sido determinado o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso e para que seja ordenado, de ofício, o depósito de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional (fls. 50-55v.).

Intimado a falar sobre a preliminar de nulidade trazida no parecer (fl. 57), o recorrente argumentou que a cominação pretendida configuraria reformatio in pejus, visto que o colocaria em situação jurídica mais desfavorável em relação àquela existente antes da interposição do recurso, e complementou as razões recursais (fls. 61-67).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminar: nulidade da sentença.

A Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que não foram observados os arts. 23 e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, que determinam o recolhimento de recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Ocorre que o juiz a quo se manifestou expressamente quanto à questão do recolhimento/devolução dos valores, como se pode verificar no excerto que transcrevo (fl. 41):

Tenho, portanto, como inarredável a desaprovação das contas. Deixo, todavia, de determinar a devolução dos valores, tendo em vista que realizada a doação irregular pelo próprio candidato (pessoa física para pessoa jurídica).

Assim sendo, não há que se falar em omissão que pudesse ocasionar eventual nulidade, ainda que se entendesse possível sua arguição no parecer apresentado em segunda instância, mas de inconformismo com o conteúdo da decisão.

Assim, afasto a prefacial.

Mérito

Passando ao mérito, anoto que a contabilidade aqui analisada foi desaprovada em razão da constatação de depósitos bancários em espécie no valor de R$ 5.000,00 na conta de campanha do candidato, em afronta ao contido no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe:

Art. 18 As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Tal norma, ao estabelecer a obrigatoriedade de que as doações financeiras superiores a R$ 1.064,10 sejam realizadas por transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, visa garantir a transparência na arrecadação de recursos para a campanha eleitoral.

Se, por outro meio, o candidato lograr êxito em demonstrar a captação lícita de recursos, tem-se por atendido o objetivo da regra. Nessa perspectiva, esta Corte tem flexibilizado o rigor do dispositivo supramencionado ao aceitar como válidos : (1) recibos bancários que demonstrem a simultaneidade do débito na conta-corrente da pessoa física com o crédito na conta de campanha; (2) extratos que indiquem o número do CPF do depositário, com clareza; ou (3) declarações das instituições bancárias, atestando o procedimento realizado por ocasião da doação.

Nenhuma prova, nesse sentido, foi produzida nestes autos, havendo, tão somente, a afirmação do candidato de que o valor refere-se a recursos próprios.

Veja-se que aqui não se discute a capacidade econômica do candidato em realizar tais aportes, mas a comprovação da origem do montante.

No recurso, o prestador justifica a impossibilidade de realização de transferência eletrônica em razão de greve do sistema bancário por ocasião da realização dos depósitos.

Ocorre que a paralisação dos serviços bancários não dispensa o candidato do cumprimento das normas que disciplinam a arrecadação e os gastos de recursos em campanhas eleitorais.

A eventual urgência do candidato em contar com recursos financeiros para o pagamento das despesas da campanha não justifica a não observância dos procedimentos formais, os quais visam coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

Nessa linha - e considerando a abrangência nacional do movimento paredista - esta Corte já enfrentou alegação similar no julgamento do RE n. 423-11, ocorrido 23.5.2016. Em prestígio ao precedente, colaciono as razões consignadas naquela ocasião no voto proferido pelo Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura:

Eventual paralisação dos serviços bancários não eximiria o candidato do cumprimento da norma nas circunstâncias. No ponto, bem analisou o magistrado a quo:

Como asseverado pela análise técnica e pelo agente do Ministério Público, a realização de transferências eletrônicas pode ser efetuada por diversos meios, seja por meio do Caixa Eletrônico, Internet, telefone e aplicativos dos bancos de Smartphone, todos estes independente da mobilização dos trabalhadores do setor bancário, de forma que o argumento de greve bancária não se sustenta, uma vez que grande parte dos candidatos eleitos conseguiu realizar regularmente suas movimentações de campanha, conforme pode constatar este Juízo até o presente momento.

Além do caráter persuasivo contido em tal precedente, o disposto no art. 926 do Código de Processo Civil de 2015, que recomenda a uniformização da jurisprudência dos tribunais para mantê-la estável, íntegra e coerente, aconselha a mesma solução para este caso, sobretudo porque não se evidencia nenhum elemento que diferencie o caso dos autos daquele anteriormente apreciado.

Ademais, o valor da irregularidade aqui analisada – R$ 5.000,00 – corresponde a 51,72% do total arrecadado na campanha, o que inviabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, seja pelo valor absoluto, seja pelo percentual envolvido.

Assim, não tendo sido comprovada a origem dos recursos arrecadados e não observada a forma de arrecadação prevista no § 1º do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, é de ser mantida a desaprovação da prestação de contas.

Por fim, conforme apontado pelo recorrente em sua manifestação das fls. 61-67, em razão da interposição de recurso unicamente pelo candidato, a determinação de recolhimento de valores, de ofício, nos termos do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, configuraria reformatio in pejus, visto que colocaria o recorrente em situação jurídica mais desfavorável em relação àquela existente antes da interposição do recurso, motivo pelo qual deve ser repelida.

ANTE O EXPOSTO, afasto a preliminar de nulidade e VOTO pelo desprovimento do recurso para manter integralmente a decisão recorrida.